dezembro 23, 2004

Pirataria viral

Há vírus e vírus. Há vermes que nos dão cabo do computador e nos limitam a blogação. Há outros que infectam o país e nos deixam péssima impressão.

Por exemplo, aqueles trojans que nos aparecem no ecrã com nomes como lopes.exe ou portas.exe devem ser imediatamente apagados. Antes que nos façam mais estragos. São muito perigosos. Sampaio não actuou de imediato e, ao fim de quatro meses, quando lá se decidiu a instalar a última versão do McAfee no Portugal Pentium I (versão, obviamente, ultrapassada em relação ao resto da Europa), já tinha a máquina toda infectada pela pirataria instalada em São Bento...


novembro 30, 2004

Uff...

A partir de hoje, após quatro meses para o país apagar da sua memória colectiva, Portugal volta a poder respirar. Sampaio, escaldado, aproveitou o pontapé que o ministro do Desporto deu na incubadora deste governo infantil para acabar com a pândega circense que se havia instalado.

Santana Lopes vai concorrer às eleições. Está bem. Vê-se que aprendeu pouco ou nada com o borrada política que andou a fazer nas últimas semanas. Deve pensar que os eleitores portugueses são todos como aquela turba ululante, um nada acéfala, com que lidava nas assembleias gerais do Sporting ou nos congressos partidários.

Façamos votos para que, em Fevereiro de 2005, o país regresse ao século XXI, de onde nunca deveria ter saído pela mão de Lopes, Portas, santanettes várias e companhia, quase toda muito pouco recomendável.

novembro 28, 2004

Venham cavacos. O país precisa.

Cavaco Silva escreve esta semana no Expresso um texto absolutamente arrasador para a classe política no activo. Santana Lopes deve ter ficado com vontade de mandar fechar o semanário de Balsemão, mas uma Cinha qualquer deve ter dito ao homem que S. Bento não é bem a mesma coisa que o concurso A Cadeira do Poder.

O grave é que Cavaco está coberto de razão, em particular quando diz que os políticos incompetentes devem ser corridos por quem sabe. Soares também, quando pinta de muito negro o presente deste quintal de dez milhões de almas meio perdidas. Guterres acerta em cheio quando fala do circo entre os média e a política. Durão não pode dizer nada porque fugiu, o covarde.

A Cavaco, a Soares, a Guterres já chamaram os nomes feios todos que o dicionário tem. Algumas vezes, com razão. Mas, agora que os portugueses provaram o bom que é terem uns totós de alto astral e inteligência subterrânea a dirigi-los, aqueles "velhos" políticos parecem vir de outra galáxia, onde ainda existem alguns princípios, alguma verticalidade, decência, respeitabilidade, sentido de serviço à causa pública, enfim, maturidade, apesar de tudo. Venham eles outra vez. Soares, Cavaco, Guterres, Freitas, a presidente ou primeiro-ministro. Qualquer um destes veneráveis políticos é um senhor quando comparado com os cachopos que hoje se comem vivos uns aos outros nos bastidores esquizofrénicos da nossa cosmopolita vida política lisboeta.

Andou tanta gente a sacrificar-se no século XX para chegarmos a isto?

novembro 25, 2004

Alarmices

Anda por aí muito boa gente com medo de que o poder caia na rua. Ora, não há, em rigor, razões para tanto alarme. É que, nos últimos meses, o poder já caiu. Num esgoto.

novembro 19, 2004

A caminho de 2046

Este é dos tais filmes que nos conquista mesmo antes de ser visto. 2046, do realizador Wong Kar Wai, acaba de estrear nas salas portuguesas.
Na Web, o site oficial de 2046 é uma pequena obra-prima de design, forma e cor. Vale a pena espreitá-lo. Quanto mais não seja, como aperitivo para a verdadeira fita.

novembro 18, 2004

A cor das notícias

O lapso de tempo entre a saída de Marcelo da TVI e o relatório agora apresentado pela Alta Autoridade para a Comunicação Social é, a vários títulos, histórico para a comunicação social em Portugal. A partir daqui, algumas coisas nunca serão como dantes. E ainda bem.

O caso Marcelo acabou por ser o detonador de várias bombas que estavam, há muito, à espera de rebentar. E só não explodiram antes porque os media sempre tiveram o cuidado de não apontar o dedo a si próprios e também o de dificultarem a vida a quem o quisesse fazer, tanto a partir de dentro, como de fora.

Deste curto período, a TVI sai chamuscada. Paes do Amaral ficou com a sua imagem de empresário manchada pelo calculismo e oportunismo e, diga-se, por alguma ingenuidade demonstrada na gestão deste imbróglio.

O governo, se já andava a dar canhoadas nos pés a toda a hora, enterrou-se até ao pescoço com as "bocas" infelizes de Gomes da Silva e de Morais Sarmento. Este passou a ser o governo da "censura" e do "controlo" da comunicação social, o governo da colocação dos seus "boys" em jornais, rádios e na televisão pública. A demissão, em bloco, da direcção da RTP é uma espécie de corolário lógico destas semanas loucas. Acresce que Santana e os seus muchachos fizeram tudo isto com um inacreditável amadorismo. Das nódoas desta barraca, não se livram tão cedo.

Mas quem, talvez, sai pior na fotografia é a PT. Cometeu muitos erros em muito pouco tempo, agravou-os, aos olhos de toda a gente, de forma grosseira (a forma como foram demitidos Granadeiro e Fernando Lima e o "caso" Clara Ferreira Alves, por exemplo), permitindo que passasse a ser olhada como coutada do governo. Tanto que agora, e bem, a Alta Autoridade vem propor que a PT venda os seus media para acabar com as promiscuidades. Há um pequeno problema: as eleições vêm aí.

Para os cidadãos que se querem esclarecidos, desta história ficou também um boa moral: é preciso ter muito cuidado com as cores que as notícias trazem atrás de si.

novembro 17, 2004

Martelada na foice

Jerónimo de Sousa secretário-geral do PCP é uma violenta martelada naquela já de si muito torta foice.

novembro 15, 2004

bora lá com a Cinha!

Está desfeito o mistério à volta de uma premente questão de Estado que andava por aí à solta e que se traduzia na pergunta: por que razão Santana Lopes insistira tanto com Cinha Jardim para ela não ir para a Quinta das Celebridades? Ora: porque o nosso primeiro já tinha em mente mandar José Rodrigues dos Santos para a quinta dos infernos.

A única questão verdadeiramente importante, realmente palpitante, que se coloca agora é a de saber quem a Cinha vai escolher para suas adjuntas à frente do serviço público.

Um conto budista

Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera é, a todos os títulos, um belo filme. Dele dizem tratar-se de um conto budista. Talvez seja uma boa síntese.

O realizador, o sul-coreano Kim Ki-duk, sintetiza desta maneira: «Tentei retratar a alegria, a ira, a tristeza e o prazer das nossas vidas através de quatro estações e através da vida de um monge que vive num templo rodeado apenas pela natureza.»

Desta obra muito haveria a dizer e a escrever, sendo certo que alguns sentidos da espiritualidade oriental nos escapam, certamente, a nós, ocidentais. Mas o mínimo que se pode dizer é que este é um filme que nos lava a alma.

A não perder, portanto. Está em exibição no Porto, no (em muito boa hora) renovado cinema Passos Manuel. O site que a Sony fez para Primavera, Verão, Outono... e Primavera merece também uma espreitadela.

novembro 11, 2004

As telas do Porto

A cidade do Porto, esta atrasada segunda cidade do país, lá vai saindo, devagarinho, da idade das trevas cinematográficas em que se encontra mergulhada há já algum tempo.

A vaga de encerramentos de salas nos últimos anos deixou a Invicta na mais absoluta penúria, com menos de meia dúzia de espaços. O povo fugiu todo para os shoppings de Gaia, Matosinhos, Gondomar, onde se empanturra alegremente com pipocas e cinema de Hollywood.

O cartaz de cinema de hoje, no entanto, oferece uma alternativa prometedora: o cinema Passos Manuel, ali ao lado do Coliseu, reabriu e parece apostar em cinema com "C" grande. Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera, de Kim Ki-duk, é um excelente pontapé de saída.

O mesmo proprietário do Passos Manuel também é o responsável pela programação da sala-estúdio do Teatro Campo Alegre. Lá poderemos ver Segunda de Manhã, de Otar Iosseliani.

Estes dois filmes há muito foram exibidos em Lisboa. Caso o Passos Manuel e a sala-estúdio do Campo Alegre não existissem, provavelmente não seriam mostrados no Porto. Pelos menos, tão cedo.

Apesar destes passinhos positivos, a cidade continua a precisar de uma cinemateca como de pão para a boca. Mas se nem um mísero canal de televisão regional consegue aguentar...


novembro 06, 2004

Lenha para a fogueira

Era previsível. Quando, um dia, se mexesse a sério no vespeiro que é o mundo das ligações obscuras entre o poder político, e outros poderes, com a comunicação social, o efeito seria de dominó. Nos últimos tempos, quase diariamente, as peças vão caindo umas sobre as outras, deixando a nu a podridão do jogo.

No Público de hoje, mais lenha para a fogueira: As agências de comunicação e o poder .

No Expresso, a crónica de Clara Ferreira Alves é de leitura obrigatória. Título: Os «merdia».


novembro 05, 2004

Os mandamentos de Savater

«Todavia, nós, os não-crentes, acreditamos nalguma coisa: no valor da vida, da liberdade, e da dignidade, e que o gozo dos homens está nas mãos deles e de mais ninguém. São os homens que devem enfrentar com lucidez e determinação a sua condição de solidão trágica, porque é essa instabilidade que abre caminho à criação e à liberdade.»

Fernando Savater, Os Dez Mandamentos no Século XXI.

novembro 04, 2004

Dedo em feridas do jornalismo

O constitucionalista Vital Moreira pôs hoje o dedo nalgumas feridas do jornalismo que os próprios jornalistas parecem, por vezes, nem sequer reconhecer que as têm.

Primeiro: há uma relação de "promiscuidade" entre os jornalistas e os governos. Não serão todos os jornalistas, nem sequer a maioria, mas os que existem são em número suficiente para dar cabo do bom nome da profissão. O recente desfile de misérias na Alta Autoridade para a Comunicação Social trouxe muito deste lixo à superfície. Entretanto, a passeata obscena entre redacções e assessorias de todo o tipo prossegue, perante a apatia inexplicável, e escandalosa, do Sindicato dos Jornalistas.

Segundo: Vital Moreira defende a criação de uma entidade reguladora e fiscalizadora dos profissionais da comunicação social. É evidente que essa entidade já há muito deveria existir. Talvez não se tivesse chegado ao pântano em que hoje boa parte do jornalismo nacional está enterrado. O jornalismo anda hoje em roda livre, entregue a si próprio e a uma mirífica "auto-regulação" que só serve para os jornalistas se enganarem a si próprios, enquanto as condições de exercício da profissão se vão deteriorando gravemente a vários níveis. É uma verdade tão simples quanto estapafúrdia: o jornalista que viola o código deontológico da profissão não tem qualquer sanção. Pelo menos, que se veja...

novembro 03, 2004

Pobre América

A América lúcida, aquela que vive no século XXI, está de luto. O resto do planeta também.

outubro 28, 2004

Site do Clube de Jornalistas

A comemorar 20 anos de existência, o Clube de Jornalistas inaugura hoje o seu site, com o objectivo de «alargar o espaço de debate, reflexão e intervenção pública dos jornalistas sobre todas as questões relacionadas com o mundo da informação (escrita, radiofónica, televisiva e on-line) numa perspectiva não corporativa.»

Vem em muito boa altura, este sítio. Abre num dos períodos mais críticos da comunicação social portuguesa após o 25 de Abril, numa altura em que um bando de governantes ineptos e irresponsáveis resolveu abrir caça à liberdade de imprensa e de expressão, com a cumplicidade de alguns empresários pacóvios e vários "jornalistas" bananas. Como diria o outro, há que dizê-lo com frontalidade. Hoje mais do que nunca.

outubro 26, 2004

O comissariado mata

Quando, há quase um ano, bati com a porta no DN, por discordar da nomeação do assessor-"jornalista" Fernando Lima para director e dos nomes que escolheu para a sua equipa directiva, nomeadamente no Porto, sabia que o que ali vinha para o jornal era mau. A escola do comissariado político no jornalismo tem barbas e raramente surpreende. Não surpreendeu, uma vez mais.

Só não imaginava é que esta gente, em onze meses, conseguisse a proeza de enterrar o jornal num lodo imenso de falta de credibilidade, de servilismo acéfalo, de incompetência jornalística estonteante. Os danos que estas luminárias, a começar pelo conde da PT e a acabar nos directores, causaram ao título podem, como dizem os elementos do Conselho de Redacção no seu comunicado de hoje, tornar-se irreversíveis.

Como pode um grupo de comunicação deste calibre cometer tantos disparates juntos num espaço de tempo tão curto? Como é possível que, ao fim de tanta asneira, ainda consigam piorar as coisas com a novela inenarrável do convite e recusa a Clara Ferreira Alves? Que raio de director é aquele que está ali a fingir que não é nada com ele ao mesmo tempo que a "sua" redacção se esfrangalha? Os patrões da PT e os seus amigos do governo ensandeceram de vez?

Vale a pena ler o comunicado de hoje do Conselho de Redacção do DN, que o Público.pt transcreve na íntegra. É assustador.

Cadeira eléctrica

Clara Ferreira Alves recusou o convite para dirigir o DN, «por não acreditar que a Lusomundo Media e a Global Notícias estivessem dispostas a reunir as condições necessárias para voltar a fazer do 'Diário de Notícias' um diário de referência, isenção e aceitação pública».

O cargo de director do DN é agora uma cadeira eléctrica. Quem para lá for, queima-se.

outubro 23, 2004

Criaturas dos média

Excelente síntese, esta de Augusto Santos Silva, no Público:

«As criaturas que hoje justificadamente assustam tantos jornalistas, e tornam "irrespirável" o ambiente vivido em tantas redacções, são, a maior parte delas, criações de jornalistas. Estejam, aliás, em que pólo partidário estiverem - no PSD e no PP, como no PS e no BE.»

Uma escolha intrigante

Há qualquer coisa que não bate bem nisto. É uma «fonte governamental» a confirmar ao Expresso que Clara Ferreira Alves vai ser a nova directora do DN? É o governo que já tem a certeza, que garante, mesmo antes dos administradores do DN (o próprio director diz estar a leste), a nomeação de Ferreira Alves?

Das duas uma: ou a notícia tem um lead propositadamente venenoso, conduzindo o leitor para a conclusão de que Clara Ferreira Alves é, antes de mais, uma escolha do governo, ou, de facto, o DN vai persisitir no erro de ter a sua imagem colada a boletim oficial dos poderes no activo, imagem essa que lhe tem saído muito caro em termos de credibilidade e vendas.

De qualquer modo, Clara Ferreira Alves irá partir para o cargo com um rótulo pouco abonatório nos dias que correm: a de ter boas relações com Santana Lopes, que a escolheu para dirigir a Casa Fernando Pessoa. Somado a tudo o resto a que temos assistido, sobretudo em termos de tentativas de controlo da comunicação social por parte do governo, a nova directora do DN, independentemente das suas qualidades profissionais, vai ter um trabalho dos diabos para se livrar do carimbo que se lhe começa a colar à pele.

outubro 21, 2004

De leituras: valores jornalísticos

«Desde que o escândalo e o espectáculo se tornaram os géneros dominantes nas notícias em todos os média, incluindo a web, os valores do jornalismo têm de ser reavaliados de forma a tê-los em conta.» Jim Hall, Online Journalism: A Critical Primer.

outubro 20, 2004

Gente perigosa

Este governo começa a ser um caso sério de polícia. Já não se limita a fazer pressões mais ou menos directas para se calarem vozes incómodas, estejam elas nas televisões, nos jornais ou nas rádios: faz gala disso.

O ministro Morais Sarmento veio agora assumir que «deve haver uma definição por parte do poder político acerca do modelo de programação do operador de serviço público» e que deve «haver limites à independência» dos operadores públicos. Donde, para ele, é o governo que deve responder pela RTP, mesmo ao nível da informação. Credo!

Outro ministro, famoso pela sua fidelidade canina a Santana Lopes e que esteve na origem do 'caso Marcelo', insinua a existência uma cabala entre o Expresso, o Público e Marcelo Rebelo de Sousa para atacar o governo. Isto, apesar de assumir que não tem provas. Importa-se de repetir, dr. Gomes da Silva?

Depois do 'caso Granadeiro', corrido quase a pontapé da Lusomundo para ser substituído por um «yes man» a toda a prova vindo da administração da Lusa, e do 'caso Marcelo', estas atordoadas ministeriais do dia enterram de vez quaisquer dúvidas sobre a ferocidade da estratégia deste governo no sentido de controlar a maior quantidade possível de órgãos de comunicação social. Eles acham que os jornalistas são todos de esquerda. Esta, sim, pode perfeitamente ser considerada uma monumental cabala contra a liberdade de imprensa e a pluralidade de ideias em Portugal.

Como lembrava Pacheco Pereira (o último cabalista do PSD?) num recente debate, no Porto, os órgãos de comunicação potencialmente 'controláveis' pelo governo não são tão poucos como isso: RTP1, A Dois, RTP Açores, RTP Madeira, RTP Internacional, RTP África, RTPN, Antena 1, Antena 2, Antena 3, RDP Internacional, RDP Madeira, RDP Açores, Agência Lusa, DN, JN, TSF, 24 Horas, Jornal do Fundão, Açoriano Oriental, DN Madeira...

Todos estes meios estão hoje ao alcance de gente manifestamente perigosa, perigosa porque tem a noção exacta do que está a fazer com o poder que tem e não tem vergonha na cara. Gente para quem a manutenção no poder é prioridade suprema, custe o que custar ao país, às liberdades e aos cidadãos.

A «jardinização» do continente prossegue com a alegria de uma marcha fúnebre, à qual assistimos impotentes.

outubro 17, 2004

Burocracia assombrosa

«As pirâmides do Egipto hão-de ser realmente impressionantes, os jardins suspensos da Babilónia realmente assombrosos, que nada infunde tanto respeito como a burocracia portuguesa.»

Gerrit Komrij, escritor holandês, em Um Almoço de Negócios em Sintra.

outubro 14, 2004

Clara no DN?

A confirmar-se, é uma excelente notícia. Segundo adianta hoje o Jornal de Negócios, Clara Ferreira Alves é a nova directora do Diário de Notícias. Trata-se de uma boa notícia por várias razões.

Primeira: Ferreira Alves é uma jornalista. Vai substituir no cargo um assessor, que foi posto por engano à frente do DN, com os resultados desastrosos que se conhecem, em termos de desgaste de credibilidade do título e quebra acentuada de vendas.

Segunda: ela escreve lindamente. Tem uma cabeça arejada e uma prosa de primeira água. A "Pluma Caprichosa" não tem papas na língua.

Terceira: Esperemos que a notícia do Jornal de Negócios, Clara Ferreira Alves é a nova directora do «Diário de Notícias», se concretize mesmo.


Leitores de jornais cautelosos com blogues

Os leitores de jornais que seguem blogues permanecem cautelosos ao julgarem a credibilidade dos bloguistas, mas dizem que a vontade de desafiar os jornalistas tradicionais torna a rede de sites pessoais um recém-chegado vital na cena dos media.

Esta é a síntese principal das respostas que leitores de jornais deram a um grupo de editores nos Estados Unidos. A sondagem foi feita pela Associated Press Managing Editors' National Credibility Roundtables Project.

Os leitores que consideram os blogues importantes dizem que os bloguistas discutem estórias que os jornalistas dos media tradicionais ignoram (uma realidade sobremaneira patente em Portugal) e mostram vontade de questionar as decisões que as cadeias de informação tomam.

Ligações

APME Survey: Newspaper Readers Use Blogs Cautiously

outubro 13, 2004

De ouvido: Rammstein

Foi numa dessas cavalgadas valquíricas sobre as dezenas de canais da TV Cabo em busca de alguma coisa decente para ver que os Rammstein me apanharam pelo ouvido no pequeno ecrã.

Ali estava uma banda alemã da pesada a cantar um sugestivo refrão em inglês que nos parecia dizer que estamos todos a viver na América, independentemente de estarmos na China, na Índia, na Europa, em África ou, quem sabe, no Porto. As imagens do videoclip ajudam a construir o sentido: os Rammstein estão na Lua vestidos com fatos espaciais da NASA. Cá em baixo, na Terra, vê-se monges budistas a comer hambúrgueres e a beber Coca-Cola. Um indiano fuma tabaco made in USA. Etc.

O refrão, em inglês, é: "We're all living in Amerika/ Amerika ist wunderbar/ We're all living in Amerika/ Amerika /Amerika", no que parece ser uma crítica velada ao facto de quase todo o planeta estar colonizado pela cultura popular dos States e respectivos produtos. Será? É que o resto é cantado em alemão, o que até nem é mau para contrariar um pouco a hegemonia do inglês na música "popular" contemporânea.

Numa das suas variações, o refrão não deixa dúvidas: "We're all living in Amerika/ Coca-Cola, sometimes war". É, pois, de crer que George W. Bush goste tanto de ouvir Rammstein como de ver Michael Moore pela frente.

É preparar os ouvidos para o metal e ver o clip do tema Amerika (no fundo da página que aparece, clicar na opção webclips). Amerika ist Wunderbar!

outubro 12, 2004

Concentração dos media: o grande mal

Na melhor das hipóteses, dentro de uma semana já ninguém fala no episódio Marcelo, no regresso da "censura", das pressões governamentais sobre empresas jornalísticas, nos excessos da perniciosa concentração dos media, da redundância da Alta Autoridade, etc.. Outro escândalo qualquer tratará a comunicação social de cavalgar.

Entretanto, graças à absoluta inépcia política dos governos PS e PSD nesta área, a par dos fretes que trataram de fazer a grupos empresariais, o maior dos males está feito e nem uma super-Alta Autoridade será capaz de contornar os enormes problemas levantados pelo simples facto de a maioria dos media que contam para o Totobola estarem hoje nas mãos de menos de meia dúzia de grandes "patrões". Nunca passou por estas cabecinhas partidárias o mal que daqui advém para a boa saúde democrática da própria sociedade. Enfim, trocos. Pode Jorge Sampaio continuar a sonhar com o fim da "censura"...

A maior factura paga pela concentração excessiva dos media (problema que não é exclusivo de Portugal, longe disso) é paga pelos jornalistas, amordaçados entre os ditames empresariais, em geral mais fortes do que os princípios jornalísticos, e a necessidade absoluta de manter o posto de trabalho face a um mercado de emprego saturado, medíocre e sem grandes hipóteses de escolha. O pânico de "ficar queimado" anda à solta.

Os jornalistas estão calados, receosos, divididos, profissionalmente desregulados, e ainda por cima mal representados pelo Sindicato dos Jornalistas. Mas há muito boa gente por essas redacções fora que acha que assim é que está bem. Então, está bem.

Ligações

outubro 10, 2004

Bordoadas

Gostei de ler estas duas bordoadas acertadas:

«A demissão de Marcelo ou serve para pôr um limite à interferência do Governo nos media; ou inaugura a corrupção final do regime.» Vasco Pulido Valente, no DN.

«O afastamento de Henrique Granadeiro da presidência da Lusomundo Media foi o primeiro passo na escalada da domesticação da comunicação social que o governo empreendeu - e que teve um ponto alto com a demissão de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI. No caso de Granadeiro, foi tudo mais ínvio e soez - e por isso mais grave.» Nicolau Santos, no Expresso.

E ainda esta notícia do Público: "Nomeação de Delgado provoca demissão de Silva Peneda da Lusomundo Media".

Isto está bonito, não está?

outubro 08, 2004

Liberdade e servidão

Portugal acorda, inesperadamente, mas em boa hora, para o debate da censura, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa, da liberdade dos homens. Poucos, de facto, são realmente livres, como escreve hoje Sousa Tavares, no Público. A liberdade de dizer NÃO está ao alcance de poucos.

Tudo isto lembra uma canção de Bob Dylan, do álbum Slow Train Coming. Basicamente, em Gotta Serve Somebody, Dylan canta que quase toda a gente (médicos, padres, estrelas de rock ou dirigentes de uma televisão...), têm sempre que servir alguém. Fica aqui um excerto:

Gotta Serve Somebody
Bob Dylan

You may be an ambassador to England or France,
You may like to gamble,
you might like to dance,
You may be the heavyweight champion of the world,
You may be a socialite with a long string of pearls

But you're gonna have to serve somebody, yes indeed
You're gonna have to serve somebody,
Well, it may be the devil or it may be the Lord
But you're gonna have to serve somebody.

You might be a rock 'n' roll addict prancing on the stage,
You might have drugs at your command, women in a cage,
You may be a business man or some high degree thief,
They may call you Doctor or they may call you Chief

But you're gonna have to serve somebody, yes indeed
You're gonna have to serve somebody,
Well, it may be the devil or it may be the Lord
But you're gonna have to serve somebody.

You may be a state trooper, you might be a young Turk,
You may be the head of some big TV network,
You may be rich or poor, you may be blind or lame,
You may be living in another country under another name

But you're gonna have to serve somebody, yes indeed
You're gonna have to serve somebody,
Well, it may be the devil or it may be the Lord
But you're gonna have to serve somebody.

You may be a construction worker working on a home,
You may be living in a mansion or you might live in a dome,
You might own guns and you might even own tanks,
You might be somebody's landlord, you might even own banks

But you're gonna have to serve somebody, yes indeed
You're gonna have to serve somebody,
Well, it may be the devil or it may be the Lord
But you're gonna have to serve somebody.

De leituras: liberdade de imprensa

«A liberdade de imprensa não é meramente uma abstracção: é uma poderosa ferramenta que, quando usada responsavelmente, equilibra e esclarece as forças contendoras do governo, mercado e sociedade civil. A imprensa livre não é de ninguém, mas antes um compósito de muitas coisas ao mesmo tempo.» Kevin Kawamoto, Digital Journalism.

outubro 07, 2004

Cantando e rindo

O episódio da saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI teve o grande mérito de levantar uma positiva gritaria à volta de vários problemas graves da comunicação social que andavam enterrados em estranhos silêncios ou cuidadosas precauções.

A saber: a crescente falta de «isenção» e «independência» da generalidade dos media em relação aos poderes político e financeiro; a ingerência, directa ou indirecta, de agentes governamentais na composição de administrações e direcções de grupos de comunicação (caso mais evidente, o da Lusomundo); o aumento da pressão financeira, nomeadamente por parte de accionistas, como se vê agora com a TVI, sobre os conteúdos, entre os quais os jornalísticos; a criação de um clima mediático desfavorável à dissenção e à crítica (veja-se a inanidade da escrita de boa parte dos colunistas de jornais...).

Além disto, o caso do professor Marcelo trouxe à superfície outros aspectos, uns curiosos, outros anedóticos. Por exemplo, Portugal descobriu no elenco governamental um (mais um!) ministro inepto, Gomes da Silva. Viu um Marques Mendes, com ar de enterro, lamentar toda esta história, que vê como má para o partido e para o governo. Nos tempos de Cavaco, contava-se nas redacções que era ele quem ligava directamente para os chefes da RTP para dar o alinhamento dos telejornais. Vá lá a gente acreditar em tal coisa...

Anedoticamente, o país viu ainda a Alta Autoridade para a Comunicação Social ter um sobressalto, quiça um frémito!, cívico: este organismo, moribundo, abúlico em relação aos maiores problemas dos media portugueses, quer apurar agora toda a verdade, analisando as afirmações do ministro sobre a falta de papas na língua do professor Marcelo... Definitivamente, a AACS vai sair de cena pela porta do cavalo.

Enfim, cantando e rindo, o país vai-se afundando, alegremente.

outubro 06, 2004

Estamos a chegar à Madeira...

Os media noticiosos portugueses, com poucas excepções, estão a ser alvo simultaneamente de uma mercantilização brutal e de uma despudorada, terceiro-mundista, tentativa de controlo político editorial.

O lucro, a racionalização financeira, o emagrecimento das empresas jornalísticas, a nomeação de directores dóceis e/ou escolhidos pela cor política, tudo isto pode interessar muito aos grupos de comunicação e seus accionistas. Duvida-se é de que sirva os interesses do jornalismo e dos jornalistas, por um lado, e os do público que quer ser bem informado, por outro.

Ora, este gravíssimo problema, que se traduz numa pauperização da qualidade do jornalismo e, consequentemente, numa deterioração do acesso dos cidadãos a informação de qualidade, afinal não é problema. A julgar pela inacção silenciosa dos comentaristas encartados, dos partidos políticos, do presidente da República, do Sindicato dos Jornalistas, da Alta Autoridade, enfim, de quase toda a gente, este problema nem sequer existe.

Daí que seja da maior relevância e oportunidade o editorial escrito hoje por Eduardo Dâmaso no Público. Dâmaso, aliás, tem escrito os melhores editoriais deste diário nos últimos tempos. Leia-se e reflicta-se:

«Há já algum tempo que o Governo desencadeou uma operação de controlo de uma parte do espaço mediático, território decisivo para as batalhas eleitorais que se avizinham, procurando concretizar uma velha estratégia de alguns dos "jovens turcos" que mandam no partido e que vem dos tempos da ascensão de Durão Barroso. Essa estratégia passa por controlar editorialmente um diário nacional de grande expansão, a televisão pública e os restantes órgãos de comunicação estatizados ou que se encontram debaixo do chapéu de chuva da PT Multimédia, para gerir em vantagem o ciclo político que vai até 2006 e em que o PSD quer ter condições para chegar sozinho à maioria absoluta.»

«Esta operação de controlo editorial da comunicação social estatizada ou sob influência privilegiada do Estado teve uma espécie de tiro de partida com o saneamento político de Henrique Granadeiro, ex-administrador da PT Multimédia e militante do PSD há muitos anos. Bom gestor e conhecedor do negócio específico da comunicação social, Granadeiro nunca foi conhecido em lado nenhum por interferir nos conteúdos editoriais, o que, nas actuais circunstâncias, é um pecado. Por isso foi literalmente "despachado" ante o silêncio geral de todos quantos, partidos de oposição incluídos, parecem não ter entendido o alcance da mudança. »

Infelizmente, meu caro Dâmaso, estamos mesmo a chegar à Madeira...


outubro 05, 2004

A negação da besta

Alberto João Jardim ao Expresso: «Não sou uma besta».
É quando se nega a si própria que a criatura se define exemplarmente.

De olhares: Margot num flash

Por vezes, o bom cinema francês, remetido pelo circuito comercial dos multiplex à clandestinidade, chega-nos às mãos por vias travessas. Veja-se o caso de A Rainha Margot, de Patrice Chereau. Até há bem pouco tempo, não havia edição portuguesa em DVD desta muito bem contada história de Marguerite de Valois, irmã do rei Carlos I.


Pois bem, não foi sem grande surpresa que, ao passar por um quiosque de uma rua do Porto, deparo com a bela Adjani, ícone deste filme, encimada por uma tarja vermelha a dizer "flash!". Flash!? Verdadeiramente flashante é descobrir que "flash!" é nome de uma revista, daquelas que traz na capa Fernanda Serrano fotografada à noite a sair de um hotel. A Fnac precisa de aprender umas coisas com esta gente, que me pôs o DVD nas mãos por 8 euros. Um preço justo. A gente assim não se sente roubada, né?

Posto isto, é muito mau sintoma que uma obra do calibre de A Rainha Margot chegue ao mercado de vídeo por via de uma revista oca. Nesta, como em muitas matérias (cada vez mais, quase todas), o dinheiro fala mais alto. Os escaparates das Fnac e das Worten estão esmagados por oferta hollywoodesca, o que nos deixa, a nós, sem grandes hipóteses de escolha.

A história de Margot começa em 1572. Deve ser por isso.

setembro 28, 2004

Volta, Vicente

Vicente Jorge Silva fez bem em sair do PS. Faz mal em ficar no Parlamento. Porque faria muito melhor se voltasse a escrever editoriais no Público, onde realmente faz muita falta...

setembro 27, 2004

TV sem remédio

Chega a ser obsceno o nível a que o jornalismo televisivo estatal desce. Chega a ser deprimente constatar que, em vez de arrepiar caminho a partir de um exercício crítico em relação a si própria, a RTP insista em acompanhar as privadas na descida ao inferno do share vincadamente tablóide.

O telejornal das 20 horas de ontem gastou nada menos que a meia hora inicial com o caso da menina alegadamente assassinada no Algarve. O canal 1 serviu a dose rasca do costume, com as entrevistas aos 'populares' irados e, nalguns casos, a roçar a demência, os directos em directo da cozinha da casa dos alegados assassinos, etc.. Não perder pitada, espremer o 'sangue' até à última gota das audiências. Isto já mete nojo, gente!

O jornalismo televisivo está definitivamente paranóico. Ouça-se jornalistas de TV a falar e quase só se lhes ouve a música do share a sair pela boca fora. É triste, mas hoje em dia é regra, não é excepção. Proprietários (a fonte dos maiores problemas do jornalismo contemporâneo), directores e editores são, naturalmente, os maiores instigadores da luta pelas audiências. Mesmo os melhores, isto é, os mais profissionais, são deixados sem alternativa. Triunfa a regra inelutável do "fazer ou morrer".

Os actuais responsáveis pelo jornalismo da RTP parecem ter metido na cabeça o dogma pimba segundo o qual serviço público é sobretudo dar ao povo aquilo que o povo gosta. De que gosta o povo? Bola (os telejornais abarrotam dela) e sangue. Numa palavra, emoções fortes. É o populismo, versão televisão.

Os estados responsáveis (infelizmente, não é o caso do nosso) deviam fazer com a televisão o mesmo que se faz com o tabaco: obrigar a anunciar, neste caso em prime time, que o consumo de certa televisão provoca o cancro.

setembro 24, 2004

Um muro na imprensa

Na sua coluna de hoje no Público, Miguel Sousa Tavares quebra o quase total muro de silêncio mediático (será por medo puro e simples?) sobre a galopante governamentalização laranja dos media da Lusomundo. Bons nacos de prosa como o que se segue são cada vez mais raros na imprensa mainstream, que parece derrapar paulatinamente para um tipo de domesticação demasiado óbvia, parda e incompetente:

«Confesso que ultimamente o "Diário de Notícias" anda muito arredado das minhas leituras diárias. Abro, por exemplo, a edição de anteontem na página 9, e ela é inteiramente constituída por três colunas de opinião de três propagandistas do Governo. É um bocado demais para a minha capacidade digestiva. Agora, com Henrique Granadeiro saneado politicamente e todo o grupo Lusomundo entregue a Luís Delgado, temo que a tendência seja para se reviverem os tempos - ideologicamente opostos, mas deontologicamente semelhantes - em que o "Diário de Notícias" era dirigido por Augusto de Castro ou pela dupla Luís de Barros/José Saramago. Desgraçada vocação!»

setembro 17, 2004

Cá se fazem, cá se pagam

A 16 de Julho passado, pouco depois de Santana Lopes ter escolhido as vedetas do seu governo, o Travessias, não sem uma pontinha de malandrice, perguntava: «E o Luís Delgado, dr. Santana? O tachinho para o Luís Delgado? Vossa Excelência esqueceu-se?»

Como se pode ver pelas notícias desta semana, Santana não se esqueceu, não senhor. Apenas dois meses depois, Luís Delgado, homem assumido de direita, mimoseado por alguns com o epíteto de "talibã de direita", tal a radicalidade benévola com que defende Bush, a invasão do Iraque, os governos e as políticas de direita, e, mais recentemente, a própria figura de Santana, é o novíssimo presidente-executivo da Lusomundo Media, substituindo no cargo Henrique Granadeiro, que diz sair «desgostoso e com mágoa». Leia-se, sai empurrado, a contragosto. É de esperar que ninguém nos venha explicar porquê. Certo?

Bom, concedamos, ainda assim, à Lusomundo o benefício da dúvida. Partamos do pio princípio de que a nomeação de Delgado é por pura competência profissional do mesmo e não por conveniência política de quem está no governo. Mas basta olhar para a nova composição do Conselho de Administração para se perder qualquer ilusão quanto à independência política deste importante grupo de comunicação social, que detém títulos como o JN, DN e TSF, entre outros: estão lá dois ex-ministros de Cavaco Silva (João de Deus Pinheiro e Silva Peneda). Estas duas figuras gradas do PSD devem perceber tanto de comunicação social em geral e de jornalismo em particular como eu percebo de física quântica. Mas, pronto, em terra de cegos basta saber "gerir" a coisa.

Este tipo de "mudanças estratégicas" em grupos de comunicação social que concentram tantos media influentes no país deveriam preocupar todos aqueles que se preocupam com o bom, e verdadeiramente livre, funcionamento de um dos pilares fundamentais das sociedades democráticas, isto é, a própria comunicação social. Mas não. Parece tudo meio anestesiado. Para os partidos políticos da oposição, a Alta Autoridade para a Comunicação Social (ainda existe?), os órgãos representantivos dos jornalistas, os próprios jornalistas, os cidadãos, está tudo bem. Deixa andar. Arons de Carvalho lá protestou sem grandes ondas. Artur Santos Silva mostrou-se muito chateado com a saída de Granadeiro. E pouco mais.

Mas também de um país que tem Santana Lopes como primeiro-ministro e Portas como ministro (por amor de Deus!), que se pode esperar? Milagres?

Ligações:
Santos Silva contesta decisão da Lusomundo
PS contra Luís Delgado na Lusomundo Media

setembro 15, 2004

De leituras: jornalismo e aceleração

«O nosso problema mais profundo é que, baseado em tudo o que sabemos, a inovação tecnológica está a acelerar. Estamos a entrar num período em que o ritmo de mudanças das ferramentas com que trabalhamos enquanto jornalistas é maior que nunca, e a autenticidade, atribuição e verificação são mais importantes que nunca porque as ferramentas são tão poderosas.»

Adam Clayton Powell III, in Digital Journalism - Emerging Media and the Changing Horizons of Journalism.

setembro 12, 2004

O Ocidente esquecido

Tarik Ali, cineasta, activista político, romancista, jornalista. O Público entrevistou-o e publica hoje, muito oportunamente, a conversa com este intelectual paquistanês, residente em Londres.

Passados três anos sobre o 11 de Setembro, o Ocidente apercebe-se, com clareza crescente, do vespeiro terrorista internacional em que se meteu, sobretudo a partir do momento de loucura bushiana que foi a invasão do Iraque. Observação e pergunta pertinentes de Ali:

«O que está a acontecer no mundo não tem nada a ver com o 11 de Setembro. O que é que a guerra no Iraque tem a ver com o 11 de Setembro?»

Sobre a amnésia histórica do Ocidente:

«O mundo árabe olha e vê que o Ocidente o está a invadir uma vez mais. Colocam o mundo de hoje no seguimento de uma longa história que começa no século XI. A grande diferença entre o mundo ocidental e o mundo árabe é que no Ocidente a História desapareceu. As pessoas não estão interessadas na História, não querem saber. No mundo árabe, podemos ir a um café no Cairo, em Damasco, em Amã ou Bagdad e estão falar de História. É uma cultura muito diferente. Onde a História desempenha um papel enorme.»

Vale a pena ler o resto de "Ao Contrário do Mundo Árabe, no Ocidente a História Desapareceu"

setembro 11, 2004

Veneza não é o Texas

Por este andar contestatário, Portas ainda manda para Veneza, a pedido do seu mui recomendável amigo Donald Rumsfeld, duas corvetas, quatro fragatas e meia dúzia de F-16 comprados em segunda mão aos EUA. No mínimo. Pois o Lido está a transformar-se numa espécie de campo de treino de suspeitos realizadores bota-abaixistas, anti-patrioteiros e, acima de tudo, contra George 'Wrong' Bush. Por sinal, ò ingnomínia, são americaníssimos, o Tim Robbins, o Jonathan Demme, o Spike Lee. E até há um alemão por ali, certamente degenerado e ao serviço de causas obscuras, chamado Wim Wenders.

Tim Robbins: «No plano interno estão a acontecer coisas importantes. Há muitos americanos a pedir explicações sobre as mentiras em relação às armas químicas de Saddam Hussein e as manifestações continuam a aumentar.» (in Público)

Spike Lee: «A verdade é que quando se é cineasta, e alguém inteligente, e quando se está em ano de eleições, é preciso aproveitar as ocasiões para se dizer o que se pensa em relação à administração Bush.» (Ibid.)

Jonathan Demme: «Na condição de americano, sinto que meu país está a ter muitos problemas, acho que nossos líderes nos conduziram num rumo errado, em muitos níveis.» (...) Sinto que nossos líderes realmente querem virar donos do mundo, por duas razões: Uma delas é que há lucros infinitos a serem auferidos pelo facto de ser dono do mundo. Outra é que, pelo facto de você possuir e controlar o mundo, ganha um descanso do medo.» (Reuters)

Wim Wenders: Os EUA são um território «invadido pela propaganda mas privado da verdadeira informação» - «uma 'no man's land' sem cultura, sem contacto com o mundo». (Ibid.)

E que tal bombardeá-los, mr. Wolfowitz?

setembro 05, 2004

Damásio, Espinosa e Nietzsche

E eis que dois livros, aparentemente sem pontos de contacto, se tocam de raspão numa passagem.

Ao Encontro de Espinosa, de António Damásio, é, em simultâneo, uma interessante abordagem científica às 'emoções sociais e a neurologia do sentir' e uma obra apaixonada pela vida e pensamento de Espinosa.

Por um lado, Damásio explica-nos, numa linguagem acessível (aqui e ali um pouco mais técnica), os mistérios das emoções e dos sentimentos e de como o corpo interage com o cérebro, e vice-versa, de modo a produzir umas e outros. Disserta, não sem deixar de colocar questões especulativas, sobre os mais recentes avanços no campo das neurociências.

Por outro lado, e esta é porventura a parte do livro mais cativante, sobretudo a parte final, o autor de O Erro de Descartes mergulha a fundo, qual detective da história, no mundo do filósofo que, afinal, era filho de um mercador português. Damásio demonstra aqui ser um bom contador da vida de um homem brilhante e que terá sido precursor de algumas 'verdades' hoje tidas como certas no mundo das neurociências.

Depois de lermos este livro, ficam duas certezas: a de termos melhorado o conhecimento sobre nós próprios e a de querer descobrir ainda mais sobre Espinosa.

Despojos de uma Tragédia reúne cartas escritas por Nieztsche a familiares, amigos e colegas, entre 1863 e 1888. Prosas únicas, cartas à moda antiga, muito bem escritas, para vermos de muito perto o filósofo alemão, um homem desprezado pelos seus compatriotas, sobretudo a partir do momento em que começou a publicar as suas obras 'a doer'. E essa é uma das mágoas que ele demonstra em várias cartas, a de ser incompreendido no seu tempo.

Uma carta a Overbeck, seu amigo, datada de 1881, começa assim: «Estou assombrado! Tenho um precursor. E de que género! Quase não conhecia Espinosa e o que me trouxe agora desejos de lê-lo foi qualquer coisa realmente instintiva.»

E eis como três bons cérebros se deram as mãos em dois belos livros de cabeceira.

setembro 03, 2004

De ouvido: Passion

É uma pequena jóia no mundo das bandas sonoras de filmes. Passion, de Peter Gabriel, serviu de tela de som a A Última Tentação de Cristo, o polémico filme realizado por Martin Scorsese.

O disco foi lançado em 1989. Voltar a ouvi-lo hoje, com a qualidade proporcionada pelo formato Super Áudio CD, é uma redescoberta muito gratificante. Há pormenores, nuances e espaços que se nos revelam pela primeira vez.

Trata-se de uma obra riquíssima em experimentações e fusões. Gabriel coloca sintetizadores planantes em harmonia com instrumentos arménios, alia melodias do Curdistão com as vozes, fabulosas, de Nusrat Fateh Ali Khan, Youssou N'Dour ou Baaba Maal. Enfim, um manjar para os ouvidos este Passion.

Como se escreve no All Music Guide, este álbum é um produto da contínua fascinação de Peter Gabriel pela música 'World', «música que ele emprega aqui para criar uma excepcionalmente bonita e atmosférica tapeçaria de som perfeitamente evocativa do ressonante drama espiritual do filme.»

setembro 01, 2004

Viagem no tempo

Portugal está, neste momento, a viver um trágico flashback, como nos filmes. O ministro da Defesa mais retrógrado de todo o sistema solar carregou num botão da sua fragata do tempo e levou o país inteiro até ao século XVI, época em que, certamente, Portas se sentirá muito bem entre as mulheres.

agosto 30, 2004

Boas notícias

O Público de ontem trazia três boas notícias naquelas páginas leves de Verão:

Primeira: vai ser lançado um DVD com uma colecção de filmes de Michael Moore (bendito efeito Fahrenheit! Tomá lá Disney!)

Segunda: A série Seinfeld, a tal brilhante série sobre nada e coisa alguma, vai voltar ao pequeno ecrã, repescada pela SIC Radical.

Terceira: um conjunto de cientistas internacionais, entrevistados pelo jornal britânico The Guardian, elegeu Blade Runner o melhor filme de ficção científica da história do cinema. É difícil não concordar com eles. A obra de Ridley Scott, baseada num livro de Philip K. Dick, é toda ela deslumbrante. Tem uma atmosfera futurista muitíssimo própria, densa e cativante, é muito bem filmado e narrado, tem um desempenho fantástico de Harrison Ford, uma banda sonora histórica de Vangelis. Além disso, é um filme tão inteligente quanto convincente nas questões que coloca. É também o meu filme de ficção científica de referência. Talvez esta seja uma boa altura (e desculpa) para revê-lo pela quinta vez.

agosto 27, 2004

Um murro no estômago

Fahrenheit 9/11 não é um documentário, não é um filme, nem sequer é um panfleto de desinformação, como muitos pretendem: é um manifesto apaixonado anti-Bush, uma violenta diatribe contra a guerra do Iraque, um libelo contra o actual sistema político dos EUA. Enquanto manifesto em forma de imagens, necessariamente subjectivo, é brilhante e eficaz.

Se tivesse de fazer um 'filme', qualquer cidadão do mundo com gosto pelas imagens em movimento e com asco pelo perfil sinistro dos neoconservadores sentados hoje na Casa Branca faria uma coisa parecida com a obra de Michael Moore. Fahrenheit é apaixonado, visceral, impiedoso, feito de raiva. Por isso faz tanta espécie a intelectuais de estirpe vária e, em particular, a conservadores de sacristia.

Fahrenheit é um murro no estômago. Expõe, por vezes com algum humor, mentiras, hipocrisias, negociatas e histórias mal contadas, quase todas com origem na Casa Branca. Coincidências? Oxalá este 'filme' contribua para arejar a cabeça de muita da populaça americana, mantida meio sonâmbula à custa de uma televisão estúpida, dócil e patriótica, e afogada numa vida de trabalho, competição e consumo alienantes.

O grande drama da América, como aliás de muitas democracias ocidentais, é que o povo não faz a mínima ideia (e muitas vezes está-se maribando) do que os seus governantes andam a fazer. A própria oposição, isto é, os democratas, também andam por lá meio perdidos nos corredores do poder. São todos uns grandes patriotas, cheios de bandeirinhas nas janelas.

Fahrenheit é o relato das aventuras de um bandido do petróleo, George W. Bush, e das suas cumplicidades com os bin Laden e outros muchachos pouco recomendáveis. Mas, mais que nos ajudar a ficar com uma ideia abaixo de cão do «homem mais poderoso do planeta», o manifesto de Moore contribui para aumentar em nós a sensação de que os EUA são, nesta fase da sua história, um caso perdido.

agosto 19, 2004

Brincar aos jornais

O Diário de Notícias continua a pregar pregos no seu próprio caixão. Desde que foi, há quase um ano, vítima de um golpe de estado 'laranja', o percurso do velho diário não era difícil de prever. A estória que hoje vem relatada nalguns jornais, sobre a decisão da Direcção editorial de retirar de página uma notícia incómoda para o governo, tem o mérito de ser absolutamente previsível.

O actual director não foi posto por acaso, e contra tudo o que um mínimo de bom senso recomendaria, à frente do jornal. O ex-assessor de Cavaco e de Martins da Cruz foi posto lá para rentabilizar o seu capital de experiência acumulada. Na assessoria, evidentemente. O custo de credibilidade, como se sabe, foi, e continua a ser, muito elevado para o jornal. As vendas aí estão para o demonstrar. Nenhum jornal do mundo que se queira de referência pode cometer um erro tão básico e grosseiro como este.

Enfim, a história não ensina nada a esta gente, que se entretém a domesticar jornais como quem brinca às casinhas, marimbando-se por completo para a função social que o jornalismo deve ter. O problema é que, democraticamente falando, é uma brincadeira muito séria, pois o país precisa como pão para a boca de jornais sólidos e credíveis, sobretudo agora que as televisões destrambelharam por completo. Precisa de um DN e um Público fortes, a competir pela excelência, e não pelas migalhas de S. Bento.

Neste episódio da notícia 'impublicável', nem tudo é mau. Graça Henriques, editora-adjunta do Nacional, percebeu que houve cedência a pressões políticas e demitiu-se. Fez muitíssimo bem. A maior parte dos jornalistas da secção pôs-se ao lado dela. O seu editor pôs-se ao lado da Direcção. Pois...

agosto 18, 2004

De leituras: apertos na Internet

«A Internet é, de ano para ano, cada vez menos livre. Cada vez há mais vigilância encoberta. Mais dados pessoais são coligidos. Mais fusões têm lugar, limitando escolhas de acesso, tanto a consumidores como a negócios. Se tens um web site pessoal e colocas nele alguma espécie de material proibido, a tua empresa hospedeira pode apagá-lo, ou mesmo fechar a tua conta, por ordem de uma autoridade governamental. Isto dificilmente é liberdade.» Mindy McAdams, Online Journalism Review.

agosto 17, 2004

O fundo do jornalismo

Vital Moreira, na sua coluna de hoje, no Público, a propósito de mais uma trapalhada lusitana, acerta em cheio:

«A gravação de conversas mantidas por um jornalista sem informar os interlocutores do registo não é somente um crime punido pelo Código Penal, mas também uma infracção deontológica grave. Que agora se saiba que se trata de uma prática longe de ser rara só torna o episódio mais inquietante. A questão vem recolocar em causa a falta de instrumentos de responsabilização e de punição dos ilícitos disciplinares dos jornalistas. O actual estado de impunidade só pode ser fonte dos piores abusos. O ilícito criminal não pode suprir a ausência de mecanismos de autodisciplina profissional. »

Nesta questão, Vital está, infelizmente, cheíssimo de razão. O jornalismo chegou a um estado de pura roda livre, onde quem fala mais alto é o mercado e os fretes políticos e pessoais. Código Deontológico é letra moribunda, quando não morta e assassinada, em muitas redacções. O Sindicato e a sua Comissão da Carteira, nesta matéria, limitam-se, há muitos anos, a ver os navios passar. A impunidade é garantida e quase total.

E não há, de facto, grandes mecanismos, quer internos, quer externos, às redacções que assegurem uma efectiva responsabilização dos jornalistas em caso de atropelo a regras básicas da profissão. Há uma coisa nebulosa a que alguns académicos chamam 'cultura de redacção' que ainda vai travando alguns excessos, sobretudo em redacções onde a noção de profissionalismo é levada mais a sério.

Nunca os jornalistas quiseram nada, nem Ordem, nem outra coisa qualquer, que lhes cheirasse a algum tipo de controlo. A polémica, há alguns anos, sobre a eventual criação da Ordem dos Jornalistas foi esmagada com o papão do regresso da censura. Bastava, diziam os detractores da mudança, a magia da auto-regulação. Passado uns bons anos, veja-se em que deu esta entrega aos próprios jornalistas da sua própria regulação...

A questão é esta: pode uma profissão (alguns acham que o jornalismo é apenas uma ocupação...) com impacto sobremaneira relevante na vida pública e na esfera privada viver sem regulação efectiva? Pode o jornalismo ser entendido como uma profissão onde vale tudo o que cada redacção deixar a cada momento? Sabendo-se, como se sabe hoje, que as leis selvagens da concorrência deixam o jornalismo de pantanas e colocam muitos jornalistas a fazerem de artistas de circo, vai continuar a acreditar-se no mercado para regular o 'espectáculo'?

É do interesse dos próprios jornalistas encararem estas graves questões de frente antes que alguém faça isso por eles. Mas, se o costume se mantiver, vamos continuar a vê-los caladinhos à espera que a má onda passe.

Sem responsabilização, sem mecanismos de punição para prevaricadores, sem travão para impunidades obscenas, a manter-se a lei da selva, o jornalismo tem o caminho certo em direcção ao fundo.

julho 30, 2004

De olhares: o cinema íntimo de Arcand

É caso para perguntar por onde andou Denys Arcand nos últimos anos. Em salas de cinema portuguesas, terá andado pouco, com certeza.

Duas obras-primas absolutas deste realizador canadiano foram agora lançadas no mercado de aluguer de DVD. Repita-se: O Declínio do Império Americano, de 1986, e As Invasões Bárbaras, de 2003, são duas obras-primas absolutas.

Ambos os filmes, cuja ligação é feita através de personagens idênticas, são densos e muitíssimo bem escritos (ambos os argumentos saíram da pena do próprio Arcand). Falam, e mostram, do mais importante da vida: o seres humanos, no seu íntimo, e as relações entre eles. Na era do triunfo absoluto do cinema-pipoca de multiplex, Arcand arrisca um cinema intimista, reflexivo. Nos antípodas dos blockbuster.

Estas duas obras de Arcand não têm personagens de meias-tintas. São vincados, ora exagerados, femeeiros, tarados sexuais, homossexuais, mentirosos compulsivos, inseguros, ora promíscuas, ingénuas, taradas, infelizes, cultas, perdidas, vazias, remediadas, etc.

O casamento, a infidelidade, o amor, a amizade, a paternidade, o dinheiro, a política, o sexo, o sentido da vida e o devir da história. Está tudo lá.

A partir da construção de um grupo de personagens constituído por pessoas cultas - no caso, professores universitários, divididos em casais e amigos - Arcand prende-nos ao ecrã com diálogos por vezes fortíssimos, tanto na linguagem como no humor.

Denys Arcand faz filmes praticamente desde os anos 60, anos cuja marca perpassa nitidamente pelas personagens que nos oferece. Há toda uma obra deste realizador a descobrir. Mais difícil será lá chegar.


julho 29, 2004

Porrada velha no Bush

Chamem-lhe os nomes que quiserem. Apontem-lhe os defeitos que pretenderem. Insultem Michael Moore, se vos aprouver. Mas vão ver Fahrenheit 9/11. É um acto de cidadania global.

julho 22, 2004

Savater: sobre aves de rapina

«As democracias actuais correm perigo porque os cidadãos se desinteressam dos assuntos comuns, cuja dimensão os desconcerta, enquanto descarados políticos profissionais se aproveitam do património de todos em benefício próprio.»

Fernando Savater, Livre Mente.


julho 20, 2004

Fado arábico

Ricardo Pais fez uma aposta arriscada de miscigenação musical e ganhou-a. Resolveu juntar no mesmo espectáculo os fadistas Camané e Argentina Santos e o libanês Rabih Abou-Khalil. O resultado foi o enriquecimento mútuo de dois tipos de espectadores que acorreram, no passado fim-de-semana, ao Teatro Nacional São João, no Porto.
 
Há quem tenha ido lá sobretudo pelo fado. Quando Khalil trouxe ao palco o seu alaúde misturado - magistralmente, diga-se de passagem - com jazz, alguns foram-se embora.
 
Quem foi sobretudo por causa de Khalil, ficou a conhecer de perto e ao vivo duas vozes magníficas do fado acompanhadas de forma impecável pelo contrabaixista Carlos Bica. 
 
Com um humor contagiante, Khalil contou, na brincadeira, que Pais estava com os copos quando pensou juntar no mesmo palco dois fadistas portugueses e o músico libanês.
 
O espectáculo encerrou com Camané a cantar em português música árabe acompanhado de alaúde, tuba, bateria e acordeão. Memorável.  

julho 16, 2004

Lapso governamental

E o Luís Delgado, dr. Santana? O tachinho para o Luís Delgado? Vossa Excelência esqueceu-se?

julho 14, 2004

Pantomina

Não é sem um frémito de divertimento que vemos Santana Lopes travestir-se em pose de estadista sempre que as câmaras de TV apontam para ele.

A pantominice é a única parte divertida desta tragédia que Sampaio nos arranjou.

julho 12, 2004

De ouvido: há sábados assim

Dois bons concertos, este fim-de-semana, no Porto, para mais tarde recordar em disco: a fantástica Lhasa de Sela e o cool Mark Turner, a fazer lembrar aqui e ali o saxofone de John Coltrane.

Lhasa teve, merecidamente, recinto cheio nos jardins do Palácio de Cristal (Pavilhão Rosa Mota é um nome horroroso), no sábado à noite. Ela tem uma voz lindíssima, um timbre ligeiramente rouco, marcante. Lançou até agora apenas dois álbuns, ambos obrigatórios para quem se deslumbra ao primeiro contacto com as suas canções. Cantou em inglês, francês, castelhano, tchecheno e... um fado. Uma bela descoberta.

Mark Turner veio ao Jazz no Parque de Serralves, também no sábado, ao fim da tarde, com o seu novo trio, Fly. Sax tenor, contrabaixo e bateria entenderam-se bem, tendo como pano de fundo o ruído ocasional dos aviões em aproximação ao aeroporto Francisco Sá Carneiro.

Apesar disso, os músicos proporcionaram um bom espectáculo dentro de um jazz dinâmico, mas algo contido, pouco dado a tropelias histéricas, sobretudo por parte de Turner, de quem a revista Downbeat diz ser um dos 25 mais promissores músicos de jazz norte-americanos.

julho 10, 2004

Golpe presidencial

Ao convidar Santana Lopes a formar governo, Sampaio dá um precioso contributo para o aprofundar do cepticismo crescente dos cidadãos esclarecidos em relação ao sistema político democrático português.

Alguém com o perfil de Santana Lopes não pode, pura e simplesmente, chegar a primeiro-ministro de um país que se quer civilizado e minimamente credível, por muito que a Constituição e o entendimento que o presidente da República faz dos seus poderes o autorize.

Além do mais, o processo de subida de Santana a primeiro-ministro foi tudo menos democraticamente legítimo. É um puro golpe de secretaria, para utilizar uma expressão mais suave do que a verberada pela ministra das Finanças, que falou em «golpe de estado».

A democracia portuguesa, que tanta pancada tem aguentado por parte de muitos 'agentes' políticos de refinada mediocridade, acaba de levar um valente pontapé no rabo. Resta-nos o consolo, e a sorte, de João Jardim não ser, por acaso, o vice-presidente do PSD...

Como diria Norberto Bobbio, o excesso de democracia pode matar a democracia. O desastre Santana/Portas é claramente excessivo. Bandeira a meia haste, por favor.

julho 08, 2004

De olhares: Dolls

É o filme mais triste de Takeshi Kitano, escreveu um crítico do Expresso.
.
Tem razão. Mas Dolls é também o mais belo do realizador japonês.

julho 07, 2004

Intelectuais da bola

Agora que a febre altíssima do futebol diminuiu com o fim do Euro 2004, pode falar-se um pouco mais friamente de futebol. Talvez fosse boa altura para se olhar um pouco para trás e olhar com olhos de ver os disparates monumentais que foram escritos e ditos na comunicação social à custa da paixão exacerbada, cega, pelo mundo da bola.

O exercício deveria começar pela revisão do que foi escrito por alguns intelectuais da praça pública, alguns deles rendidos totalmente à glória da 'inteligência do movimento' dos jogadores, à 'filosofia de jogo' dos treinadores, ao 'êxtase orgásmico' do golo de Nuno Gomes. Mamma mia!

Para retemperar-lhes os ânimos, sempre muito pouco racionais, há um belíssimo texto a ler: 'Os heróis mitificados do Olimpismo'. Foi publicado no Monde Diplomatique de Junho e é assinado por um professor de sociologia, outro de ciências da informação e outro ainda de ciências e técnicas desportivas.

A fortíssima pedrada de Jean-Marie Brohm, Marc Perelman e Patrick Vassort no charco do desporto, em particular do futebol, reza, por exemplo, assim:

«A tal ponto que o desporto se exerce a partir de agora no mesmo registo das necessidades básicas - beber, comer ou dormir - e tornou-se o espaço-tempo quase exclusivo dessas multidões solitárias embrutecidas pela paixão do que não é essencial: um golo, um sprint, um ás. O desporto invadiu a vida quotidiana e para muitos indivíduos não há mais nada fora dele, a não ser o vazio abissal do jargão, televisionado, da inautenticidade.»

«A contaminação generalizada das consciências provém assim deste incessante matraquear desportivo-televisivo. Este, por intermédio das imagens infinitas impostas pelas tecnologias digitais que colocam cada indivíduo diante dos ecrãs (telefone portátil, home cinema, televisor, etc., celebra não apenas os novos ícones do desporto, mas destila de forma maciça a visão desportiva do mundo.»

«A ideologia da "neutralidade axiológica" nega violentamente o papel do desporto enquanto meio de embrutecimento, doutrinação e cloroformização das massas.»

E a cereja no bolo:

«Chega a ser confrangedor assistir ao modo como alguns intelectuais, geralmente mais críticos, se juntam à matilha dos fanáticos do músculo, incapazes de trazer à superfície as funções políticas reaccionárias desta desportivização dos espíritos, deste matraquear emocional falso em torno dos "nossos" campeões.»

julho 01, 2004

Voando sobre um ninho de cucos

Durão Barroso foi pessoalmente ambicioso e politicamente covarde ao aceitar o convite para ir para Bruxelas. Pôs o país de pantanas, pirou-se antes de acabar a porcaria que começou e tenta agora iludir-nos com a retórica do prestígio do novo cargo.

Como se isso não bastasse, atira, de forma leviana e irresponsável, para o leme do país um gigolo político, acolitado por um miúdo com a adolescência mal curada que ambiciona chegar a ministro dos Negócios Estrangeiros. Este par de lunáticos merece, claro, todo o apoio de outros hóspedes deste ninho de cucos chamado Portugal: Alberto João Jardim, Isaltino Morais (lembram-se?), Valentim Loureiro, os autarcas do PSD, os betinhos do Pêpê...

Bom, já que o país está virado para a maluqueira total, aqui fica uma sugestão a Santana para o ajudar a escolher os seus novos ministros e até a inventar novos ministérios:

Vice-primeiro-ministro com a pasta das Adegas: Alberto João Jardim

Ministro dos Negócios Estranhos e da Nossa Senhora: Paulo Portas

Ministra das Finanças e da Estabilidade do Kremlin: Cinha Jardim

Ministro da Economia: Vale e Azevedo

Ministro do Desporto: Valentim Loureiro

Ministro da Defesa: Fernando Couto

Ministra da Saúde e dos Liftings Sociais: Lili Caneças

Ministro do Ambiente: Isaltino Morais, claro

Ministro da Agricultura: este ministério é extinto por manifesta falta de glamour

Ministério da Segurança Social: como isto é para acabar, o melhor é mesmo não perder tempo a nomear um ministro

Ministro da Justiça Arbitrária: Pinto da Costa

Ministro da Propaganda: Luís Delgado (o homem merece!)

Ministro da Educação: Avelino Ferreira Torres

Ministro da Administração Interna: Moita Flores

Ministro da Cultura: Chopin

junho 29, 2004

Bobbio: o exercício da democracia

«Por outras palavras, quando queremos apurar se houve um alargamento da democracia num dado país, devemos verificar se aumentou, não o número dos que têm direito a participar nas decisões que lhes dizem respeito, mas os espaços em que é possível o exercício desse direito.»

Norberto Bobbio, O Futuro da Democracia.

junho 28, 2004

Ò Santana...

Se Santana Lopes não fosse duro de ouvido e fraco de cabeça, saberia interpretar o alcance de um brilhante 'slogan' mostrado ontem na 'manif' anti-Santana em Lisboa: «Santana, ò meu, S. Bento não é teu».

junho 25, 2004

Kafkianos

Durão Barroso presidente da Comissão Europeia? Santana Lopes primeiro-ministro?!?!?

Só há uma explicação para este cenário de total, absoluta, implacável esquizofrenia política: Kafka voltou do túmulo para nos atormentar e escolheu Portugal para morar.

Da miséria psicológica de massas

O Monde Diplomatique, edição portuguesa, publica este mês um artigo muito interessante do filósofo e escritor Bernard Stiegler.

Em 'O desejo asfixiado, ou como as indústrias culturais destroem o indivíduo', Stiegler oferece-nos um contributo precioso para o entendimento das consequências da actual, e preponderante, massificação global do indivíduo no contexto de sociedades que ele designa de hiperindustriais.

Algumas pontes para a leitura deste artigo:

«O capitalismo hiperindustrial desenvolveu as suas técnicas ao ponto de, diariamente, milhares de pessoas se encontrarem simultaneamente ligadas aos mesmos programas de televisão, de rádio ou de consolas de jogo. O consumo cultural, metodicamente massificado, não deixa de ter consequências sobre o desejo e as consciências. Ao mesmo tempo que se vai esfumando a ilusão do triunfo do individualismo, ganham nitidez as ameaças contra as capacidades intelectuais, afectivas e estéticas da humanidade.»

«Esta época, longe de ser caracterizada pela preponderância do individualismo, apresenta-se como a época do devir gregário dos comportamentos e duma generalizada perda de individuação.»


«É exactamente o que a sociedade hiperindustrial faz dos seres humanos; privando-os de individualidade, engendra rebanhos de seres que vivem com um profundo sentimento de mal-estar.»

junho 22, 2004

Assuntos sérios

Portugal exporta essencialmente três coisas, todas elas inanes: futebol, anacronismos e escândalos.

O julgamento em tribunal de mulheres acusadas de aborto é um anacronismo medieval, um escândalo civilizacional. Os media estrangeiros de países um pouco mais civilizados deliciam-se dando estas notícias.

O escândalo da Casa Pia fez mais pela imagem de Portugal no exterior do que todas as missões do ICEP nos últimos 20 anos.

A ideia de estabelecer quotas para mulheres nas faculdades de medicina é, no mínimo, esquizofrénica. Mas brotou à superfície, qual arroto reprimido. É apadrinhada, não por qualquer grunho de esquina, mas pelo próprio ministro da Saúde! A notícia pode ser lida hoje logo na página de abertura do Elpais.es, o maior diário de Espanha.

Em castelhano, quase dá para rir: «Algunos hombres portugueses están preocupados: el número de mujeres en las facultades de medicina es excesivo y hay que establecer cuotas mínimas para hombres.»

Como pode um país destes querer que alguém o leve realmente a sério?

junho 21, 2004

O mundo é redondo

Como se não bastassem as religiões, agora temos também o futebol.

junho 18, 2004

Um caso perdido

Ora bem, o programa Clube de Jornalistas desta noite, que acabou há cinco minutos, serviu para a entronização definitiva do conceito de assessoria de imprensa no campo jornalístico.

Três jornalistas assessores-jornalistas-assessores estiveram lá, com fraco contraponto ou oposição, a defender a sua dama. A dama da promiscuidade.

Só uma profissão minada pela mais profunda bandalheira normativa e funcional admite que se chegue à situação, absolutamente surreal, de ver o director de um jornal dito de referência ir à televisão, na qualidade de actual director editorial do DN e ex-assessor de Cavaco Silva, defender que não há problema algum na passeata obscena entre as redacções e os corredores do poder político.

Tal como está, o jornalismo em Portugal é um caso perdido.

Careca de Bush à vista

Com os telejornais da pátria bêbados de bola, resta-nos o oásis informativo que é a BBC World, onde o mundo ainda rola e ainda existe.

Destaques do dia: sabe-se hoje, foi o pandemónio geral no dia 11 de Setembro de 2001 quando se soube que vários aviões haviam sido desviados nos céus da América. Ninguém se preparara para o impensável. O impensável aconteceu. Várias entidades pura e simplesmente não souberam como reagir. A hecatombe deu-se.

A comissão de inquérito ao 11 de Setembro conclui, preto no branco: não há qualquer ligação entre a Al Qaeda e Saddam Hussein. Muito menos, qualquer relação entre ambos que tenha alguma coisa a ver com o atentado às torres gémeas. A comissão apenas concluiu que houve contactos entre o Iraque e a rede terrorista.

Bush aparece no ecrã. Insiste na tecla da relação Al Qaeda/Saddam, peixe que o presidente tentou vender ao seu povo desde o início para justificar a invasão do Iraque. E, pelos vistos, fê-lo com sucesso. Sondagens mostram que pelo menos metade do zé povo americano ainda acredita que o ditador de Bagdad teve alguma coisa a ver com o 11 de Setembro. Gente esclarecida é que não vai nesta conversa.

Esboroaram-se todos os pretextos invocados para a invasão unilateral, obstinada e estúpida, do Iraque: as armas químicas, a «amizade» do Saddam com bin Laden e todas as restantes mentiras propagandeadas por aí adiante. A administração norte-americana, encurralada, de careca à mostra, recua até ao argumento mais imbecil. Diz que, bom, apesar de tudo, o mundo está melhor sem Saddam.

Pois está. Mas também estaria muitíssimo melhor sem Bush, Rumsfeld, Cheney, Blair, Sharon, Musharraf, o Kim da Coreia, Portas e muitos outros seres humanos altamente nocivos ao bem estar da humanidade. E, no entanto...

junho 12, 2004

O polvo publicitário

«Ninguém deve esquecer que a publicidade se prende com a primordial e mais temível das artes: a manipulação dos seres humanos.»

Ignacio Ramonet, O Novo Rosto do Mundo.

junho 07, 2004

RTP1 endireita-se para o torto

Telejornal, RTP1, canal do Estado, domingo, horário nobre, 20 horas. Depois de abrir com uma peça sobre o risco de atentados no Euro 2004, José Rodrigues dos Santos dá entrada a uma série de peças sobre a morte de Ronald Reagan, peças essas que o próprio «pivot», responsável pela informação do canal, devia logo a seguir deitar ao caixote do lixo e deitar-lhe fogo.

Foram para aí uns dez minutos, talvez. Reagan, o homem das «firmes convicções», o «carismático», o «herói», o adorado pelo povo, tudo isto segundo a opinião expressa pelo jornalista de serviço no obituário do antigo presidente dos EUA, um actor de segunda que chegou ao patamar mais alto da nação. Só na América...

O cidadão desarmado, o jovem sem memória, chegaria ao fim de ver esta enfiada de peças com a sensação de que Reagan foi o maior presidente de todos os tempos, uma espécie de imaculado super-herói das massas que, imagine-se, derrubou, com a sua fictícia 'Guerra das Estrelas', o império soviético e o muro de Berlim.

Todas as pessoas que apareceram nas peças a perorar, com excepção de Mário Soares (versão soft), colocaram Reagan no altar da prodigalidade histórica: quatro simples cidadãos anónimos (patrióticos americanos) a garantir ao mundo que Reagan foi o maior, pá, Durão Barroso, Cavaco Silva e... até o insignificante do Paulo Portas apareceu a tecer loas ao grande amigo do Papa e da Thatcher.

Não foi dado a ver ao telespectador uma simples voz dissonante. Um contrapontozinho, como mandam as regras jornalísticas. E nem o jornalista que escreveu os textos se dignou a fazer uma referenciazinha que fosse ao facto de Reagan ter protagonizado o escândalo Irão-Contras, ao facto de ter deixado um défice colossal, o falhanço da quimérica 'Guerra das Estrelas'... nada.

Foi um momento de informação televisiva estatal da pior espécie: acéfala, servil e incompetente.

junho 05, 2004

Escorregadela no Público?

Há gestos que podem custar muito caro a um jornal. Sobretudo, se não forem devidamente explicados aos seus leitores.

Segundo notícias publicadas nalguns jornais, entre os quais o DN e o Diário Económico, a Direcção do Público terá decidido retirar uma notícia da secção Nacional «sobre o alegado não pagamento de uma coima fiscal pela ministra das Finanças» (DE). A decisão terá resultado de um contacto de Manuela Ferreira Leite com o director do diário, José Manuel Fernandes.

A mesma Direcção não terá informado a editora da respectiva secção, o que, desde logo, é má política. Tanto é assim que Ana Sá Lopes e a sua sub-editora se demitiram dos cargos. Fizeram bem.

Acto contínuo, o Conselho de Redacção emitiu comunicados em que fala de «acto de censura» por parte da Direcção.

Ora, embora nós, simples leitores (sou leitor diário do Público desde o número 1), não estejamos na posse de todos os dados que nos permitam ajuizar, de modo cabal, o que se passa, a suspeita fica no ar.

Somos tentados a pensar que a Direcção terá sucumbido à pressão directa da ministra e passou por cima das editoras. Tentados a pôr a hipótese de o Público, afinal, não se distinguir dos outros ao nível dos 'fretes'. Enfim, vêm-nos à memória os tristes telefonemas de Aznar para as redacções dos média espanhóis logo a seguir ao 11 de Março e que levaram o prestigiado El Pais a espalhar-se ao comprido, condenando, em manchete, a ETA pelos atentados.

Estas suspeitas são um perigo quando começam a germinar na cabeça dos leitores. Por isso, e dado que a questão põe em causa a própria credibilidade do jornal, era altura de a Direcção vir a terreno pôr tudo em pratos limpos. O director do El Pais, por exemplo, não teve pejo algum em reconhecer publicamente o erro pela manchete da ETA.

Como bem escreve Manuel Pinto no blogue Jornalismo e Comunicação, «a partir do momento em que uma editora com projecção pública se demite e em que um órgão como o Conselho de Redacção segue o mesmo caminho, parece-me que o assunto não é mais do foro interno. E a razão é que está posto em causa o contrato do jornal com os seus leitores.»

Tenha a palavra José Manuel Fernandes.

junho 04, 2004

Pasolini em DVD

Em muito boa hora. Acabam de chegar ao mercado quatro filmes de Pier Paolo Pasolini em DVD, pela mão da Costa do Castelo Filmes: Decameron, Saló, As Mil e Uma Noites e Os Contos de Canterbury.




Um acontecimento cinéfilo da maior importância, portanto. Ensombrado apenas pelo preço absurdo dos DVD.

junho 02, 2004

Jornais online e a persistência no erro

O número de sites de jornais duplicou desde 1999 e a publicidade na Internet continua a crescer regularmente. A constatação, baseada num estudo feito em 208 países, é feita pelo director-geral da Associação Mundial de Jornais, Timothy Balding.

Na sua intervenção durante o Congresso Mundial de Jornais, a decorrer em Istambul, Balding disse que o aumento do número de sites na Internet é um dos exemplos que ilustra como «os jornais mostraram uma vontade inédita de inovar e experimentar estratégias para ganhar novos leitores.»

Balding não estaria certamente a pensar nos jornais portugueses quando disse isto. Na Internet, os jornais digitais lusitanos, bem como os sites das rádios e dos canais de televisão, parecem é apostados em afugentar os leitores.

Abrir um sítio na rede mundial e despejar para lá conteúdos fabricados para o papel ou para as ondas hertzianas, arranjar, quando muito, uns estagiários para disfarçar umas «Últimas» e dizer que se está a inovar e a pensar estrategicamente é mentira. Esta estratégia (será mais a falta dela) conduziu a generalidade dos media online portugueses ao actual estado em que se encontra: vegetativo.

No atinente ao design, navegabilidade, conteúdos próprios, multimédia, hipertexto, actualização permanente, interactividade, para nos ficarmos apenas por estes parâmetros básicos, a esmagadora maioria dos sites é francamente medíocre.

Há, certamente, razões financeiras e de sustentabilidade dos projectos que explicam, quer o fraco investimento, quer mesmo o desinvestimento total nas publicações online em Portugal.

Mas haverá aqui, também, muito do típico espírito empresarial nacional a ajudar nesta explicação: medo de arriscar, falta de visão, fraca apetência para apostar em inovação, persistência no erro, incapacidade para escolher as pessoas certas para os lugar certos e por aí adiante.

O Comércio do Porto faz hoje 150 anos lança a sua edição online, nove anos após o início da aventura do jornalismo português no ciberespaço. Consultada a «edição digital número 1» do diário centenário, o menos que se pode dizer é que está atrasada, no mínimo, uma década.


Ligações

'Receitas de Publicidade na Imprensa Subiram em 2003'
O Comércio do Porto

De olhares: dois filmes quase

Dois filmes, vistos no passado fim-de-semana, cinema em casa, muito bons. E, no entanto... Elephant, de Gus Van Sant, e O Mar Olha Por Ti, realizado pelo japonês Kei Kumai, deixam-nos a sensação de que lhes falta um toque de génio.

Elephant venceu Cannes o ano passado. A crítica, em geral, incensou o filme. A fasquia das expectativas foi colocada bem alto.



O dia-a-dia dos alunos de uma escola secundária de Oregon, nos Estados Unidos, onde acaba por acontecer um massacre idêntico ao do liceu de Columbine, é-nos mostrado por Van Sant de uma forma sóbria, quase contemplativa, com planos únicos longos, demorados, atípicos para os cânones do cinema industrial norte-americano. O realizador parece querer revelar com a sua câmara aquilo que vai dentro da cabeça de adolescentes aparentemente 'normais'.

A narrativa, construída inteligentemente através de flashbacks curtos que se vão entrecruzando, é brilhante. Bate, pois, quase tudo certo neste filme. Excepto a sensação que fica no fim de que o final não deveria ser ali, porque falta ainda alguma coisa. Que a obra não está completa. Que, apesar da riqueza daquilo que nos foi mostrado e sugerido, havia melhor a fazer.

O Mar Olha Por Ti, cuja acção decorre num bordel japonês do século XIX, é também um belo filme. Resulta de um argumento, escrito por Akira Kurosawa, entregue a Kei Kumai para a realização. Kumai respeitou todas as indicações do falecido mestre, incluindo os desenhos por ele deixados para as cenas (Kurosawa era também pintor).

Bem filmado e muito bem fotografado, magistralmente contado, também aqui bate tudo certo. Mas, no final, fica-se igualmente com a sensação de que a fita seria outra se tivesse sido rodada sob o olhar mágico de quem filmou Os Sete Samurais, Ran ou o inultrapassável Sonhos.

Apesar destes parcos 'ses', Elephant e O Mar Olha Por Ti são dois filmes a não perder de vista.

maio 29, 2004

Jornalismo de cabeça perdida

O jornalismo nacional anda de cabeça perdida pela bola. A recente vitória do FCP na Liga dos Campeões e aproximação do Neuro 2004 incendeia, até à histeria, os ânimos dos profissionais da informação. E a procissão ainda vai no adro do relvado...

As televisões, incluindo a estatal, estão transformadas em tambores eufóricos de empolamento, amplificadores acéfalos, da «paixão» pelo desporto-rei. Emoção e espectáculo, espectáculo é emoção. Até à náusea. Nas rádios, os doutores de bancada têm prime time a toda a hora. E, nos jornais, até os de referência embalam nas mais pindéricas tiradas tablóide.

A edição de hoje do Expresso é disso um exemplo. Quis este jornal demonstrar que está também em força com o pessoal da bola, pá, e em especial com o Norte e os «dragões» e as suas vitórias que levantam a moral da pátria além-fronteiras. E vai daí, por baixo do título Expresso, aparece uma reprodução de um cachecol do FCP. Como quem diz, o mui lisboeta Expresso também vibra com a vitória do Bobby e do Tareco!

Numa imitação barata de jornal, como é o caso, por exemplo, do 24 Horas, a coisa desculpa-se. Num jornal como o Expresso, trata-se de um deslize indesculpável. Mas de atordoadas destas está a história recente da imprensa portuguesa cheia.

Da última vez que o Sporting venceu o campeonato, o DN apareceu com o título do próprio jornal pintado de verde. Na quarta-feira passada, o JN, numa das suas típicas tiradas popularuchas, punha em manchete um título absolutamente ridículo: «Sejam a nossa voz, queremos esta vitória». Que é isto?!

O futebol transformou-se num campo com regras à parte dentro do jornalismo. Tem direito a tratamento «vip» e suspensão de Código Deontológico. Em nome da «paixão», que transfigura verticalmente toda a gente, do mais simples estagiário ao mais empenhado director, vale tudo.

Ora, tudo isto não augura nada de bom para o futuro do jornalismo. Por este andar, Portugal deixa, um dia destes, de ter jornais para ler.


maio 28, 2004

No eixo do mal

A Amnistia Internacional diz que a agenda global de segurança dos Estados Unidos fez do mundo «um sítio mais perigoso».

«A agenda de segurança global promovida pela Administração dos EUA está desprovida de visão e de princípios. Ao violar direitos a nível nacional, ignorando os abusos a nível internacional e recorrendo à força militar em ataques preventivos quando e onde lhe apraz, a Administração dos EUA tem vindo a lesar a justiça e a liberdade e tornou o mundo um local mais perigoso», refere a organização.

Não tarda nada, Bush confunde a Amnistia com um país e coloca-o no Eixo do Mal.

maio 27, 2004

De ouvido: Morrissey

Morrissey escreve coisas deliciosas. Depois, canta-as a preceito. Do género, «por que sorrio para pessoas a quem me apetecia antes dar um pontapé no olho?». O britânico está de volta aos discos, depois de alguns anos de retiro na Califórnia.

Regressa, em boa forma, com o álbum You Are The Quarry. Logo a abrir, um tema, America is not the world, prende-nos ao disco com hostilidades das boas:

«America your head's too big, Because America, Your belly's too big
And I love you, I just wish you'd stay where you is

In America, The land of the free, they said, And of opportunity, In a just and a truthful way
But where the president, Is never black, female or gay, And until that day
You’ve got nothing to say to me, To help me believe».

No meio de tantos dejectos musicais que a indústria discográfica, com a ajuda das rádios comerciais, promove todos os dias, apanhar uma pérola como You Are the Quarry é um consolo para os ouvidos.

maio 26, 2004

De uma certa sabedoria

Todas as guerras, mesmo as mais bárbaras, têm o seu lado burlesco. A falsa guerra do Iraque, pois trata-se aqui de invasão e ocupação, assume agora uma faceta algo apalhaçada, situada algures entre o humor dos Irmãos Marx e a total falta de senso dos Monty Python.

Não é que a CIA, agência internacional de promoção de actos terroristas de Estado, está cheia de urgência em confirmar se o Irão usou o iraquiano de fila do Pentágono, o mais que trapaceiro com provas dadas Ahmad Chalabi, para convencer os EUA a atacar Saddam? Não é que Chalabi pode ter, pura e simplesmente, dado uma gigantesca tanga aos seus 'amigos' americanos, permitindo aos iranianos vingarem-se, por interposto país, do antigo ditador de Bagdade?

Não é possível ler uma notícia destas sem ficar com um largo sorriso nos lábios. Será possível que os temíveis EUA, a encarnação do novo Império, se tenham metido no atoleiro que é hoje o Iraque por causa de uns simples e avisados conselhos de Chalabi? Seria o cúmulo da ingenuidade! A confirmar-se, o mundo inteiro, com excepção de algumas pias almas da direita portuguesa, explodiria de riso!

Os adolescentes EUA esquecem-se, com demasiada frequência, que certa sabedoria só se conquista com a espessura da história de muitos séculos.

maio 23, 2004

Histórias da carochinha

Muitíssimo mais importante que qualquer casamento monárquico-anacrónico-mediático: Michael Moore ganhou a Palma de Ouro do festival de cinema de Cannes com um filme-denúncia sobre as ligações perigosas entre os Bush e os bin Laden!

Mas o povo o que quer é histórias da carochinha...

maio 21, 2004

Circo em Madrid

Por uma questão de preservação de higiene mental, o melhor mesmo é não ligar a televisão durante este fim-de-semana. À espera dos telespectadores - e eles, infelizmente, serão a rodos, a rondar os 1200 milhões, segundo a revista Visão - estará uma orgia de directos do casamento de Felipe com uma ex-apresentadora de TV.

Seiscentas televisões em Madrid garantirão a boda de imagens comoventes, comentários ocos de jornalistas transformados em babados mestres de cerimónias, entrevistas de rua por dá cá aquela palha (o salto alto da princesa não está alto de mais?), enfim, o triste fado do costume para alimentar o vazio existencial da turba planetária basbaque que ainda se deslumbra com histórias de encantar de reis e rainhas, século XXI... Ah, e lá estarão também os intrépidos repórteres de 900 revistas do coração.

Para espectáculos televisivos penosos e degradantes, já basta o que nos oferecem todos os dias.

maio 20, 2004

Lipovetsky: média e lucro

«Sendo o objectivo a venda do maior volume de informação possível, os media privilegiam, naturalmente, os 'grandes títulos', os efeitos de choque, o inaudito, a encenação emocional. Quem pode imaginar que esta lógica de mercado possa alguma vez ser detida por nobres declarações? Será possível acreditar, por um só instante, que códigos e outros magistérios éticos sejam capazes de deter os furos jornalísticos, o espectáculo, a emoção, a simplificação, a aceleração do ritmo das notícias? Tudo isto continuará, o negócio obriga a que assim seja.»

Gilles Lipovetsky, O Crepúsculo do Dever.

maio 19, 2004

Moore está de volta

O fantástico Michael Moore já pôs Cannes a arder. Com a estreia do seu filme Fahrenheit 9/11 e com as suas declarações a propósito das mais que prováveis ligações entre a muito texana família Bush e a muito saudita bin Laden.

Mesmo antes de ser visto por cá, Fahrenheit 9/11 é já um filme obrigatório. Na linha, dura, do fabuloso Bowling for Columbine, Moore põe a nu a óbvia estupidez estrutural do actual presidente do seu país, a fraude que constituiu a eleição do actual inquilino da Casa Branca e as perigosas ligações Bush-bin Laden. Sem papas na língua, sem medo nas imagens, ao seu bom estilo.

Desde logo, o filme torna-se tanto mais apetitoso quanto foi alvo da tentativa de censura nos EUA. A gigante Disney, pressionada pelos republicanos, quis impedir a distribuição da obra, com receio do impacto nas eleições presidenciais. Moore queixa-se de a própria Casa Branca ter tentado que o filme sequer chegasse a ser realizado.

Uma das denúncias de Moore, que quer, e muito bem, ajudar a correr com Bush da presidência, é de que duas dezenas de membros da família bin Laden foram autorizados a sair do país, de avião, nos dias que se seguiram ao ataque às torres gémeas.

Nem de propósito, e para que não se pense que estas suspeitas existem apenas na cabeça de Moore, anteontem à noite a SIC Notícias exibiu um documentário, feito por jornalistas norte-americanos, onde várias testemunhas apareciam a apontar no mesmo sentido: as ligações perigosas dos Bush aos bin Laden.

Tanto que as mesmas testemunhas manifestam estranheza pelo facto de, nos dois dias a seguir ao 11 de Setembro, vários voos para a Arábia Saudita terem sido autorizados. Nessa altura, todos os voos comerciais estavam proibidos nos EUA, a não ser os que tivessem autorização especial. Donde...

Os Bush, já se percebeu, têm montes de esqueletos no armário. E fazem tudo para que ninguém os abra. As pressões sobre os media norte-americanos parecem estar a surtir o efeito que a Casa Branca pretende: os jornalistas andam quase todos mansinhos e muito patrióticos em relação ao seu emprego e não querem meter-se no sarilho de mexer em certas ossadas. A bem da democracia, claro.

Se não forem kamikazes como Moore, a história presente fica, para mal dos cidadãos, parcialmente contada. Manca. Por isso, todo o apoio ao rapaz é pouco.