setembro 27, 2004

TV sem remédio

Chega a ser obsceno o nível a que o jornalismo televisivo estatal desce. Chega a ser deprimente constatar que, em vez de arrepiar caminho a partir de um exercício crítico em relação a si própria, a RTP insista em acompanhar as privadas na descida ao inferno do share vincadamente tablóide.

O telejornal das 20 horas de ontem gastou nada menos que a meia hora inicial com o caso da menina alegadamente assassinada no Algarve. O canal 1 serviu a dose rasca do costume, com as entrevistas aos 'populares' irados e, nalguns casos, a roçar a demência, os directos em directo da cozinha da casa dos alegados assassinos, etc.. Não perder pitada, espremer o 'sangue' até à última gota das audiências. Isto já mete nojo, gente!

O jornalismo televisivo está definitivamente paranóico. Ouça-se jornalistas de TV a falar e quase só se lhes ouve a música do share a sair pela boca fora. É triste, mas hoje em dia é regra, não é excepção. Proprietários (a fonte dos maiores problemas do jornalismo contemporâneo), directores e editores são, naturalmente, os maiores instigadores da luta pelas audiências. Mesmo os melhores, isto é, os mais profissionais, são deixados sem alternativa. Triunfa a regra inelutável do "fazer ou morrer".

Os actuais responsáveis pelo jornalismo da RTP parecem ter metido na cabeça o dogma pimba segundo o qual serviço público é sobretudo dar ao povo aquilo que o povo gosta. De que gosta o povo? Bola (os telejornais abarrotam dela) e sangue. Numa palavra, emoções fortes. É o populismo, versão televisão.

Os estados responsáveis (infelizmente, não é o caso do nosso) deviam fazer com a televisão o mesmo que se faz com o tabaco: obrigar a anunciar, neste caso em prime time, que o consumo de certa televisão provoca o cancro.