Mostrar mensagens com a etiqueta cinema. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta cinema. Mostrar todas as mensagens

julho 19, 2009

Werner Herzog e o cinema

Há algo de culturalmente criminoso na forma como os europeus tratam o melhor cinema que têm e, em paralelo, no modo como se vergam, em massa, às "produções" com a marca de Hollywood. Tudo isto é negócio, dirão os mais pragmáticos. Mas isso não basta para explicar o colossal desastre no capítulo da divulgação das obras dos maiores mestres do nosso cinema.

Vem o desabafo a propósito de Werner Herzog. Este realizador alemão tem um vastíssimo currículo, dezenas de filmes, de curtas a longas-metragens, passando pelos documentários. Há o Herzog-realizador e Herzog-repórter. Apesar disso, permanecerá um absoluto desconhecido, sobretudo para os mais novos, mesmo para aqueles que procuram não se limitar ao que de mais medíocre vem do outro lado do Atlântico.

O destaque que teve no último Indie Lisboa e o recente lançamento no mercado português de dois pacotes de filmes, ao mesmo tempo que vem ajudar a minorar o défice de divulgação de Herzog, permite-nos ter a verdadeira noção do imenso que perdemos da sua obra nestes anos todos. E estamos a falar, no caso, de apenas um realizador.

Do primeiro pacote, rico em conteúdos, podemos ver, para começar, a obra-prima Fitzcarraldo. Filmado na selva amazónica, em condições extremas de dificuldade, ficou célebre pela cena em que Herzog faz desbravar um monte para fazer passar por cima um barco de mais de 300 toneladas, com a ajuda de índios. O filme tem momentos de um lirismo soberbo. Klaus Kinski, o grande actor de Herzog, de feitio impossível de aturar, é perfeito na alucinação que empresta à personagem. Fitzcarraldo é uma grandiosa ópera na selva.

O excesso de Kinski (devidamente controlado por Herzog) também de revela perfeito no efeito em Aguirre, o aventureiro, Cobra Verde e, sobretudo, em Woyzeck, o soldado atraiçoado, uma composição magnífica do actor alemão.

Em todos estes filmes, mas também em Sinais de Vida, Herzog explora os limites psicológicos do homem em cenários adversos (a começar pelo seus próprios). Desvela-nos personagens excessivas, desmedidas, loucas, ambiciosas, persistentes ou sonhadoras.

O segundo pacote de filmes está a caminho, naturalmente.


A ver:
Trailer de Fitzcarraldo
Trailer de Aguirre, o aventureiro
Trailer de Cobra Verde

A ler:
Sinais de Vida: Werner Herzog e o Cinema

junho 23, 2009

Chatwin e Herzog

Graças ao mundo, os caminhos de Bruce Chatwin, viajante infatigável, escritor talentoso, e de Werner Herzog, realizador destemido e, em bom rigor, um pouco louco, genialmente louco, cruzaram-se.

Uma vez, foi no Gana, onde Herzog rodava o fantástico Cobra Verde, filme baseado no romance O Vice-Rei de Ajudá, de Chatwin. O escritor inglês deixou contadas, num capítulo do livro (póstumo) O que faço eu aqui, as inúmeras peripécias de Herzog naquele país africano.

A páginas tantas, percebe-se por que Chatwin e Herzog tinham tanto em comum:

«(Herzog) Era também a única pessoa com quem podia conversar de igual para igual sobre o que eu chamaria o aspecto sacramental da marcha. Partilhávamos a crença de que o andar não é uma simples terapia, mas uma actividade poética capaz de curar o mundo dos seus males. Herzog resume o que pensa do assunto através de uma afirmação definitiva: "Andar é uma virtude, o turismo é um pecado mortal".»

Herzog levava isto muito a sério: um dia, ao saber que Lotte Eisner, uma das fundadoras da Cinemateca francesa, estava a morrer, pôs-se a caminho a pé, de Munique a Paris, «convencido de que daquela maneira a poderia curar. Quando chegou ao apartamento de Lotte, ela já se sentia melhor e viveu ainda uma dezena de anos.»

Conhecer esta faceta do realizador alemão é fundamental para se perceber o seu cinema grandioso.

junho 05, 2009

Sonata de Tóquio

Temos realizador. Há muito que Kiyoshi Kurosawa é apreciado por esse mundo cinéfilo fora. Os Cahiers du Cinema apontam-no como um dos maiores valores do actual cinema japonês. Sonata de Tóquio, salvo erro a primeira obra deste realizador editada em DVD em Portugal, confirma-o.

Kurosawa pega num tema muito actual, o desemprego, e mostra-nos, num registo simultaneamente contido e minucioso, o grau de devastação que pode provocar no seio de uma família: o desfazer de laços, o estilhaçar de personalidades, o minar da auto-estima, o extremar dos conflitos. O mergulho das personagens numa espiral de auto-destruição que, não poucas vezes, conduz ao suicídio.

Este não é um filme confortável.

Quando as personagens adultas da família - o pai, a mãe - mergulham no abismo, perguntam, lá do fundo do desespero: ainda é possível começar de novo? Talvez esta seja mesmo a pergunta-chave de todo o filme.

Kurosawa sai deste pesadelo, que, afinal, é hoje o inferno de sociedades inteiras, pela porta da reconciliação. Uma reconciliação serena. Sem palavras ou gestos lancinantes. A família recompõe-se. Cola os cacos. A música nas mãos de um filho-prodígio acaba por ajudar nesse milagre.

Debussy, Claire de Lune. Final feliz?


A ver:
Site oficial
Trailer

maio 25, 2009

Uma história impossível

A História de Marie e Julien é um bolero de Ravel em forma de cinema. Rivette vai abrindo, num suceder tranquilo de subtilezas, sem truques de imagem ou música de fundo, as portas dos recantos mais obscuros de Marie e de Julien.

No começo, Julien revela-se a personagem mais intrigante. Relojoeiro, quarentão, pacato, sozinho. Faz chantagem com uma mulher de negócios, que se dedica a vender tecidos orientais falsificados. Até que entra Marie.

Ela regressa (tinham-se conhecido no passado) de forma inesperada e confusa. Instala-se, sempre misteriosa, no dia-a-dia feito de precisões mecânicas e rodas dentadas dos relógios de Julien. E o amor acontece. A morte também.

E Rivette fecha com uma ressurreição impossível. Só possível no simbolismo da força do amor e do cinema. É uma tese dupla, a do realizador francês: Marie morre por desamor desesperado de um homem e regressa à vida por amor imenso a um outro.

Não é fácil filmar isto de forma convincente. Rivette fá-lo de forma magistral. E o filme fica-nos a reverberar por muito tempo. Como um terramoto, História de Marie e Julien não se faz ouvir muito alto. Mas tem um efeito arrebatador.

maio 16, 2009

Cinema enjoativo

O cinema, como tudo, tem as suas modas. Algumas, alastram como vírus gripais, dando cabo da saúde a películas promissoras. Nos últimos anos, vários realizadores não resistiram e puseram-se, primeiro, a imitar as filmagens tremelicantes dos vídeos caseiros. Depois, trataram de começar a imitar-se uns aos outros, a ver quem dá mais encontrões à máquina durante as filmagens.

O primeiro filme que tive de parar de ver por estar a provocar enjoo, enjoo literal, físico, foi Os Idiotas, do Lars von Trier. Ao dinamarquês deu-lhe para pegar numa máquina digital fatela para se pôr a andar atrás dos actores como quem filma os filhos na praia com uma Sony de 400 euros. Idiota.

Depois, vieram outros, qual deles o mais parecido com as imagens de um repórter de guerra no meio de um raide de Israel na Faixa de Gaza. Nem o Woody Allen escapou ao vírus "Isto só vídeo"...

O caso mais recente foi um daqueles filmes que veio a menos de 2 euros com o Público. California Dreamin´ até prometia. Jovem realizador romeno. Enredo interessante. Prémios aqui e ali. Durou cinco minutos de visualização. O vírus voltou a atacar.

Que raio passará pela cabeça destes realizadores para nos oferecerem filmes aos encontrões? Que parecem filmados às três pancadas por uma mosca aos ziguezagues? Não perceberão o desconforto que isso provoca? Para já não falar da opção estética, algo duvidosa. O cinema é arte da imagem em movimento. Mas conviria não exagerar.

Bom, mais vale voltar ao regaço familiar e confortável de um Fellini, de um Kurosawa, de um Kieslowski ou de um Tarkovski. Para desenjoar dos abanões de certas modas.

abril 03, 2009

Fotograma: Godard e Miéville

«Já não podemos fugir um do outro». Jean-Luc Godard e Anne-Marie Miéville no filme Depois da Reconciliação, de Anne-Marie Miéville.

fevereiro 24, 2009

Apontamentos sobre cinema

Greenaway: todos os filmes, exceptuando os que não têm nada para mostrar além do óbvio, deviam ter como extra uma aula sobre o próprio filme. É isso mesmo que Peter Greenaway faz em O Contrato, uma das suas primeiras longas-metragens. O realizador passa em revista momentos-chave da narrativa e desvenda-nos, como se estivesse a descascar por camadas uma cebola, significados imperceptíveis durante um primeiro visionamento.

Fellini: Ginger e Fred é um libelo enternecedor contra a televisão e o que ela produz, com requintada imbecilidade, de pior. "Car-nei-ros" é o que Fred (um Mastroianni maduríssimo na interpretação) queria gritar durante o directo de um daqueles talk shows arrepiantes que a TV vomita. O resto é Fellini. Obrigatório. Sempre.

Oscares: passo.

Denis: primeiro chamamento: Trouble Every Day tem música dos Tindersticks. Alguma desilusão: o filme não está à altura da banda sonora.

Jarmusch: o capitalismo desenfreado tem destes milagres: já se pode comprar o Homem Morto por pouco menos de 2 euros num quiosque. Com direito a Neil Young e tudo.

Coppola: também veio por tuta-e-meia, graças ao Público. Quem apreciou o grande Apocalipse Now estranhará a complexidade, a densidade, a multidimensionalidade, o ambiente quase teatral e algo esquizofrénico de Uma Segunda Juventude. Óptimo. O filme saiu do bolso do próprio realizador e isso nota-se. Fez o filme que quis. Estão lá os grandes temas, baseados num conto de Mircea Eliade: a decadência, a morte, o amor, o sexo, o tempo e o que dele fazemos, o bem, o mal, a consciência. Pode ser um filme complicado para crises de meia-idade.

Benigni: quando a vida ameaça tornar-se um caso muito sério, há pelo menos três realizadores a quem recorrer em vez de ir ao psiquiatra: Woody Allen, Nanni Moretti e Roberto Benigni. Deste, para descontrair, pode-se começar pelo hilariante Johnny Palito. O título é cómico, mas o tema é sério. Benigni interpreta duas personagens: um ingénuo e um mafioso. O filme é inteligente: mostra-nos que em Palermo se pode matar por uma banana.

janeiro 23, 2009

Fotograma: Marianne Faithfull

Marianne Faithfull fotografada no filme Irina Palm, de Sam Garbarski

dezembro 30, 2008

Filmes: um top muito cá de casa

Porque o Travessias não é, felizmente, vítima da ditadura da actualidade cinéfila, os meus filmes favoritos de 2008 são intemporais. E vistos, ou revistos, em casa, pois nas salas de cinema há muito se perdeu o respeito pelo ritual sagrado de ver um filme.


novembro 27, 2008

Fotograma: Monica Vitti

Giuliana (Monica Vitti) e os seus insondáveis estados de alma em chamas captados por Antonioni em Deserto Vermelho.

novembro 22, 2008

Sítios de Outono


É ímpar a beleza das cores de Outono. Os miúdos "Tokyo Hotel" passam em bando com as calças desfalecidas sobre os joelhos, atropelando o andar. As miúdas esganam o rabo na ganga e olham-se ao espelho no telemóvel, em contínuo movimento perpétuo pela rua fora. Mulheres com trote de macho latino praguejam à bruta. Os engravatados dos topos de gama cumprem religiosamente os seus rituais sagrados: abrem a porta das viaturas e cospem na estrada. O engraxador do Marquês está lá, no sítio de sempre, ao lado do quiosque com mulheres nuas na capa, à espera que o sapato lhe chegue à graxa. Parece uma fotografia. O homem das patilhas grandes e olhar perdido no horizonte sentado à mesa do Guarany também. Tem ar de quem perdeu alguém, há muito tempo. Quando não olhamos para trás, o mar da Foz é bom, como sempre. A cidade borra-se de graffiti e betão. As folhas caídas amparam-nos o caminho nos jardins. Na estação do metro, o tempo pára. Dava uma boa fotografia. E arranca. O último filme do Greenaway é a sua cara, mas falta qualquer coisa àquele Rembrandt. Espera-nos o Deserto Vermelho. É bom ouvir o Outono. O tempo não espera por ninguém. E ainda há tanto para ler, ver e ouvir... Como se chama mesmo aquele músico com nome esquisito? Deixa-me escrever. Vidna Obmana. O mundo é demasiado grande para nos darmos ao luxo de estarmos sempre no mesmo sítio.


Discover Vidna Obmana!

outubro 17, 2008

Videograma: as manhãs perdidas


Aqui vemos Guillaume Depardieu, falecido há dias, num filme inesquecível, mas triturado pelas regras implacáveis do mercado. Pelo menos por cá, perdeu-se por completo o rasto a Tous les Matins du Monde, de Alain Corneau, que em muito contribuiu para a redescoberta de Sainte-Colombe e de Marin Marais, mestres da viola de gamba do século XVII, um período riquíssimo e belo da história da música.

agosto 12, 2008

Cinema para quem não vai à praia

Há dois realizadores em início de carreira, um alemão, outro russo, a seguir com atenção, pois as suas primeiras obras manifestam um fulgor e uma maturidade invulgares.

Hans Weingartner mostra o que (já) vale na sua segunda metragem, Os Edukadores (2004), editado por cá em DVD pela Atalanta Filmes. Trata-se um contundente libelo contra o culto do dinheiro nos países ricos. Mas não deve ser reduzido a "filme-denúncia", uma vez que é uma obra que autoriza múltiplas leituras.

Idealismo juvenil versus ganância acomodada, jovens revolucionários contra ex-revolucionários (aqueles apanhados em cheio pelo Maio de 68 e agora velhos-podres-de-ricos), denúncia do consumismo exacerbado e, ainda, crítica feroz de uma certa estupidificação dos europeus alimentada por quatro horas diárias dedicadas pelos mesmos a ver televisão.

Weingartner diz partilhar os mesmos ideais das personagens, Jan, Peter e Jule, do seu filme: «Acho que já ninguém pára para olhar o mundo de forma crítica. Ninguém diz: "Acordem! Isto é perverso! Vamos parar isto!". Apenas 10% da população mundial goza da riqueza produzida, enquanto os restantes 90% vive na pobreza e fome. No entanto, há suficiente trigo no mundo para providenciar 2000 calorias por dia para cada habitante da Terra. O problema é que o trigo não é bem redistribuído. 90% do mundo está a morrer à fome enquanto 10% faz dietas. Podíamos viver no paraíso mas a maioria das pessoas vive na merda.»

No site da Atalanta, pode ler-se uma entrevista com o realizador, o resumo do filme, críticas, etc..


Em O Regresso, também editado pela Atalanta, o russo Andreï Zviaguintsev pega num enredo simples - «A vida de dois irmãos é subitamente perturbada pelo reaparecimento do pai. A única memória que dele os dois irmãos guardavam era a de uma velha fotografia com dez anos. Será que ele é verdadeiramente o pai deles? Por que regressou depois de tantos anos?» - e desenvolve uma narrativa fílmica impregnada de tensão e rigor estético, pontuado, aqui e ali, pelas sombras do cinema de Tarkovski e de Sokurov.

Como escreveu Jorge Leitão Ramos, no Expresso, neste filme «estabelece-se um clima ficcional denso e opressivo, cuja poética pode fazer lembrar Tarkovski (...) O Regresso é um filme onde há uma perfeição formal inatacável e uma dor que se espalha sem renúncia.»

Para primeira obra, é estupendo. Veneza reconheceu-o e deu-lhe o Leão de Ouro, em 2003.


A ver:
Trailer de Os Edukadores
Trailer de O Regresso

julho 18, 2008

O spleen de Marianne Faithfull

A beleza de Sleep é directamente proporcional ao grau de spleen que provoca. Não terá sido por acaso que Patrice Chéreau escolheu este tema, retirado do álbum A Secret Life, para o epílogo de Son frère, um filme duro, em que a iminência da morte por doença leva a personagem principal, Thomas, a reflectir sobre a própria existência.

Mas, bem ouvidas as coisas, dureza, na voz, nas palavras, nos rasgos emocionais, bem que podia ser o nome do meio de Marianne Faithfull. É ouvir o álbum Broken English para se perceber porquê. Quem aguentar o embate, nunca mais a larga.

Só depois de deve passar por este discreto A Secret Life, em que Angelo Badalamenti (conhecido pela banda sonora de Twin Peaks, a famosa série de David Lynch) toma conta das orquestrações.

A Secret Life começa com Marianne a declamar Dante. Fecha com Shakespeare. E está muito bem assim.

junho 28, 2008

Jocelyn Pook à sombra

Jocelyn Pook merecia melhor sorte. À semelhança do que acontece com Virginia Astley (entre muitas outras compositoras pouco mediáticas), Pook também "não passa" grande coisa em Portugal. A única vez que me lembro de a ter visto esta inglesa por cá foi... no cabo, no canal Mezzo, já lá vão uns anos.

Além de compor para cinema, televisão, teatro e dança, Pook toca violino. Os temas que Kubrick usou no filme De Olhos Bem Fechados contam-se entre os mais conhecidos. Bastante menos famosa é, por exemplo, a banda sonora que compôs para Como matei o meu pai (fotograma no último post), de Anne Fontaine.

A banda sonora de Caravaggio, filme realizado por Derek Jarman e já aqui elogiado, inclui também temas desta discreta compositora, bem como O Mercador de Veneza, de Michael Radford, ou Gangs de Nova Iorque, de Scorsese.

Jocelyn Pook não é fácil de catalogar, nem de gostar à primeira. E os bons artistas sabem como isso é fatal para quem sonha com alta fama e lugares nos topos das vendas. Mas, os verdadeiros artistas, esses estão positivamente a marimbar-se para isso. Quase tudo o resto é fancaria que por aí berra por um fugaz lugar ao sol.

Discover Jocelyn Pook!

junho 21, 2008

Fotograma: Berling e Bouquet


Charles Berling e Michel Bouquet fotografados por Jean-Marc Fabre no filme Como matei o meu pai, de Anne Fontaine

maio 19, 2008

Stalker

Em 1982, Stalker venceu o Prémio do Júri Ecuménico de Cannes. Que lugar teria hoje um filme destes - denso, complexo, rigoroso, lento, longo, poético, angustiante, "existencial", belo - num festival onde se passeiam Mike Tyson e Angelina Jolie?
E onde cabe hoje o cinema de Tarkovski no nosso país? Tirando a Cinemateca e uns poucos resistentes cineclubes, em quase lado nenhum. O lado nenhum jaz soterrado em toneladas de pipocas.

Quem, onde, como se cultiva e desenvolve hoje o gosto pelas cinematografias de autor? Como fazer chegar às novas gerações, "educadas" a doses cavalares de detritos mercantis com o carimbo de Hollywood, um outro cinema? Missão Impossível.

Escrever sobre o assombroso Stalker, que nos surge sob nova luz a cada revisão, dava um tese de mestrado. Valha-nos a simplicidade do próprio Tarkovski. Citação retirada do seu livro Esculpir o Tempo:

«Em Stalker, faço uma espécie de afirmação cabal: isto é, a de que basta o amor pela humanidade - milagrosamente - para provar que é falsa a suposição grosseira de que não há esperança para o mundo. Este sentimento é o nosso maior valor comum e indiscutivelmente positivo. Apesar de já quase não sabermos amar...».



maio 08, 2008

A Ronda da Noite no escuro de Lisboa

A estreia de um filme de Peter Greenaway devia ser motivo de júbilo e alarde. Mas não é. Bem pelo contrário. A Ronda da Noite estreia hoje e só em... Lisboa. No Porto, cidade-cemitério cinéfilo, nem vê-lo (longe vão os tempos em que podíamos ver filmes do Greenaway na capela de Serralves, imagine-se). E, como se sabe, o cine-pipoca de shopping dos arrabaldes da "capital do norte" devora hoje todas as salas disponíveis.

O principal diário de referência do país também não deu pela estreia. Pelo menos, na edição da "província". Nem uma referência, por pequenita que fosse, no P2. Na edição online, no Cinecartaz, vá lá, temos direito ao resumo do filme:

«O ano 1642 marca uma viragem na vida do famoso pintor holandês Rembrandt, que perde o seu estatuto de respeitada celebridade e se transforma num pobre desacreditado. Perante a insistência da sua mulher grávida, Saskia, Rembrandt aceita pintar a Milícia dos Mosqueteiros de Amesterdão, num retrato de grupo que mais tarde ficará conhecido como "A Ronda da Noite". Rembrandt rapidamente se apercebe que há uma conspiração em marcha e através dessa pintura encomendada está disposto a pôr a nu os conspiradores, construindo a sua acusação sob a forma de um quadro que desvela o lado hipócrita e negro da época de ouro da sociedade holandesa.»

Por isso, subscrevo por inteiro a "petição ao mercado" feita por João Lopes no Sound + Vision a propósito da estreia de A Ronda da Noite:

«A petição é muito simples: 1) - não abandonem comercialmente o filme; 2) - não o estreiem sem promoção; 3) - não o tratem como se estivesse obrigado a comportar-se como um blockbuster...»


Já agora, deixo aqui a minha modesta petição, dirigida às editoras de filmes: coloquem no mercado de DVD, com carácter de urgência, pois já estão muitíssimo atrasadas, algumas das obras marcantes de Greenaway, tais como: Os Livros de Próspero, O Livro de Cabeceira, O Bebé de Macon ou O Cozinheiro, o Ladrão, a Sua Mulher e o Amante Dela.

abril 27, 2008

Diálogo mínimo para entender "Pola X"



Pierre: "Onde estamos nós?"
Isabelle: "Estamos fora de tudo".