Fahrenheit 9/11 não é um documentário, não é um filme, nem sequer é um panfleto de desinformação, como muitos pretendem: é um manifesto apaixonado anti-Bush, uma violenta diatribe contra a guerra do Iraque, um libelo contra o actual sistema político dos EUA. Enquanto manifesto em forma de imagens, necessariamente subjectivo, é brilhante e eficaz.
Se tivesse de fazer um 'filme', qualquer cidadão do mundo com gosto pelas imagens em movimento e com asco pelo perfil sinistro dos neoconservadores sentados hoje na Casa Branca faria uma coisa parecida com a obra de Michael Moore. Fahrenheit é apaixonado, visceral, impiedoso, feito de raiva. Por isso faz tanta espécie a intelectuais de estirpe vária e, em particular, a conservadores de sacristia.
Fahrenheit é um murro no estômago. Expõe, por vezes com algum humor, mentiras, hipocrisias, negociatas e histórias mal contadas, quase todas com origem na Casa Branca. Coincidências? Oxalá este 'filme' contribua para arejar a cabeça de muita da populaça americana, mantida meio sonâmbula à custa de uma televisão estúpida, dócil e patriótica, e afogada numa vida de trabalho, competição e consumo alienantes.
O grande drama da América, como aliás de muitas democracias ocidentais, é que o povo não faz a mínima ideia (e muitas vezes está-se maribando) do que os seus governantes andam a fazer. A própria oposição, isto é, os democratas, também andam por lá meio perdidos nos corredores do poder. São todos uns grandes patriotas, cheios de bandeirinhas nas janelas.
Fahrenheit é o relato das aventuras de um bandido do petróleo, George W. Bush, e das suas cumplicidades com os bin Laden e outros muchachos pouco recomendáveis. Mas, mais que nos ajudar a ficar com uma ideia abaixo de cão do «homem mais poderoso do planeta», o manifesto de Moore contribui para aumentar em nós a sensação de que os EUA são, nesta fase da sua história, um caso perdido.