setembro 28, 2008

Coisas da vida

Em O Significado das Coisas, A.C. Grayling escreve sobre um mundo imenso de assuntos a partir de um ponto de observação filosófico. E fá-lo de modo tão sucinto e bem escrito que ficamos sempre com a sensação de que cada texto sabe a pouco.

A maior parte dos temas tratados por este professor de filosofia (Universidade de Londres) e jornalista literário é eterna: moral, morte, medo, esperança, traição, derrota, amor, ódio, prudência, vingança, castigo, fé, etc..

Através da acumulação da leitura, percebemos que Grayling não tem a mais leve costela conservadora, moralizadora («O homem que moraliza é geralmente um hipócrita», já dizia Oscar Wilde) ou religiosa. Bem pelo contrário. Aliás, os textos em que o autor mostra mais claramente o que pensa, sem rodeios, são sobre religião:

«Mas a moral religiosa não é apenas irrelevante, é também antimoral. As grandes questões morais do nosso tempo dizem respeito aos direitos humanos, à guerra, à pobreza, às grandes diferenças entre ricos e pobres, ao facto de algures no terceiro mundo uma criança morrer em cada dois segundos e meio devido à fome ou a uma doença curável. As obsessões das igrejas acerca das relações sexuais anteiores ao casamento e da possibilidade ou não de os casais divorciados se poderem casar de novo surge como desprezível à luz desta montanha de sofrimento e carência humanos.»

«Mas a religião não é apenas antimoral: consegue frequentemente ser imoral. Noutros pontos do mundo há fundamentalistas e fanáticos religiosos a encarcerar mulheres, a mutilar órgãos genitais, a amputar mãos, a assassinar e a espalhar bombas e terror em nome das suas fés.»

Quando escreve sobre o ensino, Grayling tem algumas tiradas brilhantes. Lembrando, na esteira dos gregos antigos, que «só os cultos são livres», dá algumas alfinetadas naqueles que do ensino têm uma visão utilitarista e tecnocrática, hoje, lamentavelmente, muito em voga um pouco por todo o lado:

«O ensino - e, em especial, o «ensino liberal» - é aquilo que torna possível a sociedade civil. Isto significa que possui uma importância ainda maior do que a sua contribuição para o êxito económico, que, infelizmente, é apenas para que os políticos pensam que serve.»

Ou ainda:

«Aristóteles afirmou que nos cultivávamos para conseguirmos dar uma utilização nobre ao nosso lazer - esta é uma perspectiva completamente oposta à convicção contemporânea de que nos cultivamos para conseguir um emprego.»

O Significado das Coisas é um livrinho precioso. Óptimo para saborear aos poucos e entremear com leituras mais densas.

Não aconselhável a quem nunca tem dúvidas e raramente se engana.

setembro 22, 2008

O clássico fala por si

Como Italo Calvino acerta em cheio, logo a abrir o seu Porquê ler os Clássicos:

«A escola e a universidade deveriam servir para fazer compreender que nenhum livro que fala de outro livro diz mais que este; aliás, fazem tudo para crer o contrário. Há uma inversão de valores muito difundida pela qual a introdução, o aparato crítico e a bibliografia são usados como uma cortina de fumo para ocultar o que tem a dizer o texto e que só pode dizê-lo se o deixarem falar sem intermediários que pretendam saber mais que ele. Podemos concluir que: Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma vaga de discursos críticos sobre si, mas que continuamente se livra deles.»

Quantos «livros que falam de outros livros» não terão assassinado a vontade de ler os originais...

setembro 18, 2008

Björk+Antony

«September 15th 2008: Björk's new video for "Dull Flame of Desire" with Antony (...). Björk and Antony performed against green screen in New York. The Innocence video project runners-up Christoph Jantos (Berlin) Masahiro Mogari (Tokyo) and Marçal Cuberta Junca (Girona) were each given their own sections of the film, to develop how they wished.»

setembro 10, 2008

A ansiedade do estatuto

Eis um livro que muitas pessoas que se acham importantes deviam ler, mas não lêem porque são demasiado importantes para isso.

Em Status Ansiedade, Alain de Botton escreve sobre as angústias dos indivíduos, de hoje e do passado, com a posição que ocupam na sociedade. A nossa importância aos olhos dos outros, ou seja, o nosso estatuto, sempre foi motivo de preocupação ao longo da história.

O autor define a angústia do Status como «a preocupação, perniciosa a ponto de arruinar boa parte das nossas vidas, com o risco de não conseguirmos conformar-nos aos ideiais de sucesso instituídos pela sociedade envolvente e de podermos, por conseguinte, ser despojados da nossa dignidade e respeito.» Enfim, a preocupação de sermos uns "falhados".

Esta angústia possui uma «extraordinária capacidade de inspirar sentimentos pesarosos.» Em parte, porque as pessoas acham sempre que não têm dinheiro, fama ou influência suficientes. E isto, diria eu, explicaria o facto de muito boa gente se matar (quase literalmente) a trabalhar, a bajular, a aldrabar e a obedecer cegamente para "subir na vida".

Como amante da filosofia que é, Botton relativiza a importância que tanta gente dá ao seu próprio Status, que muitas vezes é conseguido pela mera ostentação de bens materiais. Bem vistas as coisas, o estatuto é algo de efémero, varia consoante as épocas e as sociedades e nem sequer é algo que inspire o amor ou a amizade verdadeiros, como Dostoievski demonstrou à saciedade.

Citando Epicteto: «Não é a minha posição na sociedade que faz o meu bem-estar, mas sim as minhas ideias, e estas posso sempre trazê-las comigo... Só elas são minhas e ninguém mas pode tirar.» Esta frase tem dois mil anos...

Como em outras obras suas, Botton escreve com simplicidade e clareza (um bem raro). Nota-se que é um bom leitor de livros (algo que podemos confirmar também em A Arte de Viajar). Disserta sobre figuras maiores da literatura, da pintura, da música, da filosofia, sem reverência nem floreados. Em suma, o escritor acaba por ser um bom pedagogo do saber.

Status Ansiedade, confirma-se, é um excelente complemento à leitura de Affluenza, de Oliver James, sobre o qual escrevi aqui.

Boas leituras, para quem não se importar com o Status que elas dão ou retiram a quem quer que seja.