dezembro 15, 2005

Cinema e jornalismo à grande e à francesa

Para quem gosta muito de jornalismo e outro tanto de cinema, esta é uma publicação a colocar desde já no topo das prioridades de Natal: Print the Legend - Cinéma et Journalisme, editada pelos Cahiers du Cinéma.

Trata-se de uma obra colectiva, com diversos textos sobre muitos dos maiores filmes em que o jornalismo é o tema central. Estão lá os grandes clássicos, da envergadura de um Citizen Kane ou de um Blow Up, mas também filmes mais recentes, como O Informador, Shattered Glass - Verdade ou Mentira ou Live from Bagdad (ainda não disponível em Portugal).

Nas páginas finais, encontramos uma lista com mais de 300 obras, abrangendo os séculos XIX, XX e XXI! Imperdível.

dezembro 10, 2005

Desencontros críticos

Tem que se ter cada vez mais cuidado com os críticos de cinema que lemos na imprensa portuguesa. Umas vezes, arrumam à golpada impiedosa certas fitas que, afinal, não são tão más como as pintam. Bem pelo contrário. Outras vezes, sobrevalorizam obras que, quando se vai a ver, não têm correspondência com os encómios impressos.

Um exemplo, recente: Os Sonhadores, de Bertolucci, foi, em geral, reduzido a pouco mais que um devaneio erótico juvenil inconsequente com o Maio de 68 como pano de fundo, ao mesmo tempo que Charlie e a Fábrica de Chocolate era acolhido com gongorismo entusiástico pela generalidade dos escribas. Vai-se a ver e...

dezembro 06, 2005

Escritas à solta

Há sempre o prazer de regressar à escrita. À sedução das ideias. A fuga à rotina implacável da banalidade. As Lições dos Mestres, sobre essa arte maior que é ensinar, e A Ideia de Europa, ambos de George Steiner, pedem, com urgência, para ser lidos. O último de Alberto Pimenta, Marthiya de Abdek Hamid, desperta a curiosidade. Bater, poeticamente, na administração Bush?

E depois há aqueles livros que já deviam ter sido lidos há muito. Uma Apologia dos Ociosos, de Robert Louis Stevenson, o tal que, no século XIX, escreveu O Estranho Caso do Dr. Jekyll e de Mr. Hyde. Da Brevidade da Vida, de Séneca. Contra a Interpretação e Outros Ensaios, de Susan Sontag. Os Criadores, de Boorstin. E tempo? E o tempo?

Mas há também os pequenos pedaços de textos de jornal que vale a pena sublinhar e reler. Este, por exemplo, do último Expresso: «Por esta altura, estava já generalizada a convicção aristotélica de que todos os homens excepcionais são melancólicos. O melancólico medita, segue a imaginação apoiando-se na memória, descobre, inventa, correlaciona e cria. A melancolia passa a ser a mais poderosa metáfora da imaginação ocidental.» (Jorge Calado).

novembro 24, 2005

Nostalgia de mil anos de interregno

A cegueira das religiões, tantas vezes confiscadas e deturpadas por medíocres intérpretes terrenos de textos "sagrados", não conhece limites.

No Irão, dois homens foram enforcados por terem mantido relações homossexuais. O tribunal que os condenou baseou-se na sharia, uma legislação que interpreta de forma extremista o Corão.

Do "lado de cá", o Vaticano, ao mesmo tempo que vai varrendo para debaixo da sotaina os sucessivos escândalos com padres-pedófilos, proíbe o acesso de homossexuais ao sacerdócio, acentuando deste modo a vertente conservadora perfilada pelo papa precedente.

Por vezes, do Oriente ao Ocidente, o tempo parece não querer passar. Medo das luzes da razão ou nostalgia da Idade Média?


A ler:
Irán ahorca a dos hombres por mantener relaciones homosexuales
O Vaticano reage ao cerco

E a seguir?

«O presidente norte-americano, George W. Bush, planeou bombardear a Al-Jazeera, estação de televisão árabe no seu aliado Qatar, revelou um memorando altamente secreto, citado pelo Daily Mirror». (DN).

O New York Times que se cuide...

novembro 20, 2005

Nyman e a fuga dos leitores

O Público de hoje rebenta duas páginas da secção de Cultura com a festa revivalista disco sound, de anteontem à noite, no Pavilhão Atlântico. O DN traz três notícias na secção de Artes (nenhuma delas referente a acontecimentos fora de Lisboa). O JN (edição online), na secção de Cultura, também não dá uma linha que seja sobre o concerto de Michael Nyman na Casa da Música, na sexta-feira à noite.

Nyman teve sala quase cheia. Deu-nos a ouvir trechos de bandas sonoras que compôs, por exemplo, para filmes do realizador Peter Greenaway. Na segunda parte do concerto, acompanhou a projecção do filme, a todos os títulos brilhante, O Homem da Câmara de Filmar, de Dziga Vertov. Não foi, por isso, apenas mais um concerto no Porto.

Os jornais "de Lisboa", já se sabe, borrifam-se em permanência intermitente para o que se passa no Porto e, em geral, no norte. Na área da cultura, então, são uma catástrofe permanente. O centralismo jornalístico, por muito que tentem disfarçar com uma côdeas atiradas ao norte de vez em quando, é uma realidade indesmentível. Já os jornais "do Porto", andam, no mínimo, a ver as bolas passar...

Ninguém está à espera que o 24 Horas escreva uma prosa de primeira água sobre Nyman. Mas, quer os jornais ditos de referência, quer os jornais "do Porto", têm obrigações particulares nesta área. E deviam perceber que há coisas que não podem falhar. Espantam-se, depois, com a fuga dos leitores?

novembro 15, 2005

Beatles pelos dedos de Frisell

Bill Frisell provou, no concerto de ontem à noite, na Casa da Música, que ainda nem tudo foi dito sobre a música dos Beatles.

Acompanhado apenas por uma violinista, de cabelos verdes, e um outro guitarrista, que se entretinha a fazer deslizar sons na sua slide guitar (fazendo lembrar Ry Cooder), Frisell fez uma interpretação muito própria, ao seu estilo inconfundível, de clássicos dos Beatles. E fê-lo de uma forma quase experimental. Os temas, às vezes, começavam por ser ruídos de sintetizador, para irem evoluindo em direcção aos acordes reconhecíveis de clássicos da eterna banda de Liverpool.

Foi um concerto agradabilíssimo. Excepto, talvez, para o rapaz corpulento que estava à minha frente e cuja cabeça tombava de sono, ora para esquerda, ora para a direita, quando Frisell entrava no terreno do susurro da guitarra.

novembro 12, 2005

Prenda de Natal: D. Quixote, de Welles

Talvez seja por causa da aproximação da época de filmes de Natal para as crianças. Talvez seja porque o mundo anda deprimido por causa do petróleo. Talvez seja porque os realizadores andem cansados de aturar produtores obtusos. Sei lá. O que é certo é que o cinema anda uma pasmaceira descomunal. Mas, ainda assim...

Temos um Orson Welles em cartaz. D. Quixote é uma grande prenda que a Atalanta nos dá.

novembro 09, 2005

Internet e mercado

«Apesar de as novas tecnologias terem grande potencial para a comunicação democrática, há poucas razões para esperar que a Internet sirva fins democráticos uma vez entregue ao mercado.» Edward Herman

novembro 02, 2005

Roger Waters: Ça Ira

Os media generalistas portugueses ainda não deram por isso (ou terei sido eu a não dar por isso nos media?), mas já está disponível em Portugal o último trabalho discográfico de Roger Waters. Nada menos que... uma ópera.

Intitula-se Ça Ira e transporta-nos no tempo para o período da Revolução Francesa. O disco é mesmo catalogado com frases como "história operática da Revolução Francesa", em três actos.

Para já, ouvi, apressadamente, excertos. É mesmo ópera, longe dos ambientes sonoros do fabuloso, inigualável, um dos melhores álbuns conceptuais de sempre, Amused to Death.

Depois de uma audição mais apurada, voltaremos a Ça Ira aqui no Travessias. Porque discos destes não são só para ouvir. São, sobretudo, para degustar.


A ouvir:
Entrevista de Roger Waters à NPR

outubro 31, 2005

PRISMA.COM: uma nova revista académica

Acaba de nascer a revista académica PRISMA.COM. Trata-se de uma publicação online dedicada à investigação na intersecção da comunicação, informação, tecnologia e artes. É propriedade da unidade de investigação CETAC.COM (Centro de Estudos em Tecnologias, Artes e Ciências da Comunicação), da Universidade do Porto.Conforme se pode ler na 'Política Editorial' da nova revista, aqui são publicados artigos de natureza teórica, ensaística ou de comentário e reflexão, bem como trabalhos monográficos nos domínios das ciências, artes e tecnologias da comunicação e da informação.

Trabalhos de natureza empírica, recensões críticas da literatura própria destes domínios, noticiário sobre actividades em curso ou a desenvolver, bem como entrevistas e outros materiais de carácter informativo e de divulgação nestas áreas do conhecimento, têm também o seu espaço.

outubro 30, 2005

O pesadelo da fábrica de sonhos

Aqui e ali, vamos ouvindo, lendo sinais. O povo estará a ficar saturado do cinema pré-fabricado de Hollywood. As fórmulas repetem-se, até à náusea. E os estereótipos da coisa parecem cansados de velhos. Nas 'comédias românticas'. Nos dramas e melodramas. Na violência. Nas imagens de computador. Nos saltos na cadeira. No sexo que não chega a sê-lo. No cheiro das pipocas. Há um enfartamento de Big Mac's do celulóide.

Ainda na última Visão, João Mário Grilo escrevia, certeiro, sobre o assunto: «Há cada vez mais gente (e cada vez mais nova) saturada da monotonia americana e da progressiva inércia do seu cinema. Por paradoxal que possa parecer, é na reforma total deste quadro antigo e viciado que o cinema americano poderá encontrar condições para se libertar dos seus próprios bloqueios, afastando-se de rotinas e receitas comerciais completamente estafadas, que devem muito menos à arte e à criação do que à incompetência de funcionários e executivos sem chama, cujos gostos e interesses se replicam depois, como um vírus, pelo mundo inteiro, acolhidos pelo laxismo e temor dos diferentes governos nacionais.»

outubro 22, 2005

Shirley Horn

Um pequeno percurso no ciberespaço em busca da notícia sobre a morte de Shirley Horn: Público, DN, El País, Le Monde, Guardian... e nada. Nenhum destes europeus de referência parece ter dado grande valor-notícia ao passamento, aos 71 anos, de uma grande dama do jazz, que chegou a ser acompanhada de ilustríssimos desconhecidos, como Miles Davis, Toots Thielemans ou os irmãos Marsalis...

No The New York Times, lá está, em grande destaque, uma foto da cantora-pianista norte-americana, acompanhada de um lead sóbrio, mas de síntese perfeita: «Shirley Horn foi uma cantora única, com uma das mais lentas entregas no jazz e um modo muito pouco usual de frasear, pondo pressão sobre algumas palavras e deixando outras escapar.» Ouça-se o álbum You Won't Forget Me para o confirmar.

outubro 19, 2005

Nostalgia da simplicidade

«Não tenho Internet, não posso responder a ninguém. Não tenho e-mail e vivo em paz todos os dias.» Hayao Miyazaki, realizador de cinema de animação.

outubro 14, 2005

Quem fala assim é Nobel

«O facto é que o sr. Bush e o seu gang sabem o que estão a fazer e Blair, a não ser que seja o idiota iludido que frequentemente parece ser, também sabe o que eles estão a fazer. Bush e companhia estão determinados, muito simplesmente, a controlar o mundo e os recursos do mundo. E estão-se nas tintas para o número de pessoas que matam pelo caminho.»

Harold Pinter, Prémio Nobel da Literatura

outubro 13, 2005

Travessias Digitais

No Travessias Digitais, notas sobre a saída do director do Expresso e a crescente distância qualitativa que separa os jornais online espanhóis dos portugueses.

Blatter: um chuto certeiro na bola

Raras vezes se lê críticas tão certeiras vindas de gente de topo desse mundo esquizofrénico e irracional que é o da indústria do futebol:

«O presidente da FIFA, Joseph Blatter, critica o "capitalismo selvagem" que se instalou no futebol, e alerta para o perigo dos elevados investimentos. Em artigo no The Financial Times, Blatter também não poupa os atletas, considerando ser inadmissível que jogadores "com a educação incompleta ganhem 150 mil euros por semana". (DN)

outubro 07, 2005

Naxos: a qualidade compensa

A editora discográfica Naxos foi considerada Label of the Year pela Classic FM/Gramophone. Merecidíssimo.

Os discos da Naxos podem ser encontrados na parte das "séries económicas" das nossas lojas. Custam cinco, seis euros, mas o preço engana: as gravações têm, em geral, uma qualidade de gravação invejável e o catálogo é rico e diversificado, sobretudo na música clássica, onde podemos também encontrar compositores contemporâneos, como Phillip Glass ou Krzysztof Penderecki.

Para usar uma expressão hoje muito em voga, a relação qualidade/preço é imbatível.

Aqui ficam, a título de exemplo, três discos desta editora vivamente recomendados pelo Travessias:

Mass in C minor, K 427 'Great Mass', de Mozart

Orchestral Works, Volume 1, Symphonies Nos 1 and 2, de Samuel Barber

Violin Concerto, de Phillip Glass

outubro 05, 2005

Espanha marca

O Congresso espanhol aprovou uma lei que proíbe fumar nos locais de trabalho e em organizações a partir de Janeiro. Espanha dá mais um passo civilizacional (mais um...) em frente em relação a Portugal.

Sindicato caso de polícia

O Sindicato dos Profissionais de Polícia apelou a todos os profissionais da PSP para que não passem multas de trânsito até ao final do ano. E não há quem multe o sindicato por fazer um apelo tão criminoso como este?

setembro 30, 2005

Mediocridade e apatia

Das duas uma: ou o país está muito pior, ou apenas se está a ver melhor a si mesmo. A campanha para as autárquicas é um suceder diário de insultos, ameaças de agressão, agressões de facto e até um homicídio.

Pelo meio, proliferam insinuações, jogadas baixas, intimidações a adversários, populismo infantil (Gondomar, Felgueiras, Amarante...) e casos que vão seguir para tribunal, como no Porto.

O país espelha a sua mediocridade pública, perante a apatia das instituições e dos cidadãos.

setembro 28, 2005

Autoridade em causa

Artur Portela bateu com a porta na Alta Autoridade para a Comunicação Social, «em protesto contra o que considera ser a pressão do Governo para a alteração da metodologia de análise sobre a renovação das licenças de televisão.» (Público).

Portela explica que «o acto de um membro do Governo (Augusto Santos Silva) que convida o presidente de um órgão regulador - que é independente - para lhe dizer que as coisas devem ser feitas de certa forma e num determinado prazo, tem uma carga política».

A saída de Portela, numa altura em que a AACS está para acabar, vem adensar as suspeitas de intromissão do governo (sempre negada pelo mesmo) no processo de renovação das licenças dos canais privados, de modo a facilitar o negócio da venda da TVI ao grupo espanhol Prisa. A confirmarem-se, são gravíssimas.

Ora, este avolumar de suspeição tem, a prazo, pelo menos uma consequência: envenenar irremediavelmente o nascimento da Entidade Reguladora da Comunicação Social.

setembro 22, 2005

Público.pt e sítio da Impresa

Últimas do Travessias Digitais: dez anos do Público.pt e notas sobre o sítio maisautárquicas.com.

Tiques e traumas

Depois de conhecidos todos os cantos à Casa da Música, pela mão de uma guia sóbria e competente, a pergunta que nos fica é esta: estará o Porto à altura de um casarão destes? Isto é, terá a cidade e os seus arredores pedalada para aproveitar e manter todo o potencial deste magnífico pólo cultural?

Vamos ver. Há, no entanto, pequenos pormenores, aparentemente inócuos, que nos fazem temer o pior sobre certas abordagens elitistas a esta casa que se quer de todas as músicas. A certa altura da visita, a guia explica-nos que o camarote VIP foi implantado na sala principal por insistência de responsáveis da Porto 2001, contra a vontade do arquitecto, que, como bom holandês, o que quer mesmo é misturas descomplexadas. Mas não. Certa elite cultural do Porto fez mesmo questão de arranjar um espaço para poder mostrar ao povo quem está sempre acima da maralha.

Há tiques e traumas que a história não consegue apagar.

setembro 19, 2005

De olhares: do mestre Yimou

O Segredo dos Punhais Voadores, de Zhang Yimou, é daqueles filmes que apetece rever logo na noite a seguir. Belíssimo. Apesar do título enganador...

setembro 17, 2005

Quem tem medo da Prisa?

Pôr a TVI nas mãos da Igreja foi um enorme erro patrocinado por um governo de direita, ao tempo de Cavaco. A gestão beata do canal revelou-se penosa. A tabloidização comercial pela mão de Moniz aumentou substancialmente os níveis de poluição televisiva e degradação jornalística. Depois disto tudo, a direita portuguesa ainda tem medo dos espanhóis?

setembro 13, 2005

De leituras: 'Internet, o Êxtase Inquietante'

No Travessias Digitais escrevo sobre um pequeno, mas provocante, livro: Internet: o Êxtase Inquietante.

Incidentes

Num shopping, um homem come a sopa com a mão direita enquanto com a esquerda bate furiosamente as teclas do telemóvel.

Uma mulher, parada num cruzamento, dentro de um Fiat Uno, avança com o vermelho do semáforo ainda bem carregado. Charlava calmamente ao telemóvel, por ali fora.

Uma miúda quase atropela os transeuntes, colada que vai ao SMS.

setembro 09, 2005

Expresso Online e Google Talk

No Travessias Digitais, notas breves sobre o Google Talk e mudanças no Expresso Online.

setembro 07, 2005

De olhares: imagens de Bravo

No Centro Português de Fotografia, no Porto, as imagens a preto e branco de Manuel Alvarez Bravo convidam a um olhar desapressado e atento. Há rostos, paisagens, enquadramentos e pormenores de mestre que nos ficam na retina.

Deste fotógrafo mexicano, que atravessou quase todo o século XX, disse Kertesz que "nasceu com o feeling fotográfico". Isso mesmo pode ser confirmado nas revelações expostas nas imponentes paredes carregadas de história da Cadeia da Relação. Mais que apenas observá-las, Bravo tem esse talento raro de nos fazer sentir as suas fotos.


setembro 04, 2005

De ouvido: joalharia melódica

Primeiras impressões sobre o álbum Hope in a Darkened Heart, de Virginia Astley: simples, mas belíssima voz; os temas são bem mais "concretos" que as paisagens sonoras do marcante From Gardens Where We Feel Secure; o disco tem a (excelente) marca e o piano de Ryuichi Sakamoto; e, com a voz de David Sylvian a ajudar logo na primeira canção, como resistir a esta pequena e rara jóia, ?

setembro 02, 2005

Katrina: NYT demole Bush

A propósito da frouxa e tardia resposta da administração Bush à catástrofe provocada pelo Katrina, Paul Krugman, professor da Universidade de Princeton, faz hoje, no The New York Times, as seguintes perguntas: por que é que a ajuda e a segurança demoraram tanto tempo a chegar? Por que não foi tomada mais acção preventiva? A administração Bush destruiu a eficácia da Agência Federal de Emergência?

Pelo meio destas três perguntas, Krugman demole por completo a moleza de Bush, concluindo a sua coluna desta maneira: «Assim, a América, outrora famosa pela sua atitude de posso-fazer, agora tem um governo não-posso-fazer que arranja desculpas em vez de fazer o seu papel. E enquanto arranja essas desculpas, americanos estão a morrer.»

Ontem, o editorial do Times não era mais simpático para Bush. Bem pelo contrário. Título: Waiting for a leader. Eis um jornal na calha para entrar no Eixo do Mal...


No Travessias Digitais: Katrina: recursos online

Iraque, o desastre

O Iraque é notícia quase todos os dias pelas piores razões possíveis. Há sempre morte, sangue e caos para relatar. Chegados a esta altura, já toda a gente percebeu, excepto Bush e os seus obtusos neocons, que os EUA estão atolados numa grandessíssima trapalhada, ainda por cima mais cara, em termos financeiros, que o terrível Vietname. Como conseguiu esta administração norte-americana ser tão cega? Ou, mais prosaicamente, tão burra? Como cometeu semelhantes erros de cálculo? Por que mentiu tão descarada e empoladamente ao mundo? Numa pergunta: porquê?

Para se perceber como se chegou a este desastre total, que os mais avisados antecipavam antes mesmo da invasão, ilegal, do Iraque, a leitura do livro Iraque: História de um Desastre, de Ignacio Ramonet, é de leitura obrigatória.

Com a clareza e acutilância do costume, o director do Monde Diplomatique vai ao fundo dos interesses, quase sempre obscuros ou descaradamente oportunistas, daqueles que fizeram a cabecinha do presidente norte-americano: Cheney, Rumsfeld, Wolfowitz e outras tantas figuras sinistras que não aprenderam nada com a história e fomentaram o delírio militarista na Mesopotâmia.

«Está longe o tempo em que os "falcões" do Pentágono anunciavam que as forças de invasão seriam recebidas como libertadoras... Mas este colossal erro de análise está na origem da actual desordem. Embriagados de poder, os ideólogos de Washington tinham pressa em usar a terrível máquina de guerra norte-americana para realizarem o seu sonho delirante de "redesenhar o Médio Oriente". Tudo se volta agora contra eles.»

Leitura incontornável para quem não queira andar em manada, portanto.

agosto 25, 2005

Uma urbana entrevista

O vereador do Urbanismo da Câmara do Porto conseguiu hoje, com a entrevista que deu à Visão, quebrar a modorra temática jornalística de Agosto, feita à base de um concentrado monótono de incêndios, OTA e TGV e presidenciais.

Paulo Morais disse em voz alta aquilo que toda a gente sabe, mas prefere ver um bom punhado de jogos de bola para esquecer: muitas câmaras estão na mão de interesses imobiliários, que pagam as campanhas dos candidatos para que estes, uma vez eleitos, retribuam os favores e assim rebentem alegremente com as cidades, vilas e aldeias de Portugal.

«O Urbanismo é, na maioria das câmaras, a forma mais encapotada e sub-reptícia de transferir bens públicos para a mão de privados.» Estará o homem, zangado com o PSD local e a dar-lhe assim uma bofetada de luva branca, a exagerar?

«Nas mais diversas câmaras do país há projectos imobiliários que só podem ter sido aprovados por corruptos ou atrasados mentais». Isto, para quem olha minimamente para o país, salta à vista.

«As estruturas corporativas são hoje muito mais fortes porque têm uma aparente legitimidade democrática. Se os vereadores do Urbanismo são os coveiros da democracia, os partidos são as casas mortuárias». Esta bordoada só peca por defeito.

«Existe uma preocupante promiscuidade entre diversas forças políticas, dirigentes partidários, famosos escritórios de advogados e certos grupos empresariais». É mentira?

Nada disto é particularmente novo. Só que, como acontece no mundo podre do futebol, quando alguém resolve falar, cai o carmo e a trindade. E logo aparecem a retórica de fachada e o ar de virgem ofendida, bem personalizados em Fernando Ruas, presidente da Associação Nacional de Municípios, que desafia Morais a avançar com casos e nomes, questionando ao mesmo tempo «o tempo e o modo» da entrevista. O Natal, seria uma boa altura para falar nisto?

Poderá, obviamente, questionar-se os objectivos da entrevista do ainda vice-presidente da Câmara do Porto, que, em matéria de urbanismo e cedência a interesses, também não é propriamente santa: recordemos, a título de exemplo, as cedências duvidosas feitas ao Boavista para alargar a área construtiva de um empreeendimento...

Mas o que não pode negar-se é que os problemas que Morais aponta e denuncia são gravíssimos e da maior relevância para a vida pública do país. Ainda bem que o Ministério Público mostrou vontade de arregaçar as mangas.

O problema é que daqui a quinze dias já toda a gente andará entretida com a guerra entre Soares e Cavaco e a coisa morre ali assim debaixo do tapete. Como Fernando Ruas gostará.


A ler:
A polémica do lóbi imobiliário

agosto 24, 2005

O sonho de Oz

Deve ser bem difícil ser lúcido num país povoado de "loucos de deus", que querem, à força, construir um "Grande Israel" à imagem do seu fanatismo religioso acéfalo. O escritor israelita Amos Oz escreve hoje um texto brilhante no Público, a propósito da recente retirada dos colonos da Faixa de Gaza.

Começa assim: «Os colonos judeus na Faixa de Gaza e na Cisjordânia têm um sonho para o futuro de Israel. Também eu tenho um sonho para o futuro de Israel. Mas o doce sonho deles é o meu pesadelo, enquanto os meus sonhos são, para eles, veneno.»

O sonho dos colonos é criar colonatos colados um aos outros, onde só os judeus podem viver e os palestinianos só lá podem trabalhar. O sonho de Oz é «totalmente diferente da fantasia religiosa dos colonos. Queremos viver em paz e em liberdade, mas não sob o poder dos rabis, nem sequer sob o poder do Messias, mas sujeitos a um governo eleito por nós. Temos um sonho de nos libertarmos da longa ocupação dos territórios palestinianos.»

O sonho de Amos Oz é o sonho de toda a gente adulta e civilizada por esse mundo fora.

agosto 19, 2005

Jarrett leva a melhor

Tarde abafada de Agosto. Um alfarrabista, escondido numa ruazinha estreita do Porto, espera-me deserto de gente. Nas prateleiras, uma mão cheia de bons velhos discos de vinil a pedir compra: The Cure? The Tubes? Camel? Yes?. Somewhere Before, colheita de 1968, de Keith Jarrett, leva a melhor. Por 4 euros. Nada mau para um país de gananciosos.

agosto 18, 2005

De 1945 ao Iraque

«Apoiar ditadores, vê-los tomar o poder depois de terem derrubado experiências democráticas - a partir de 1945, as administrações norte-americanas fizeram isso muitas vezes. Ajudaram, financiaram, armaram, protegeram dezenas de ditadores e de autocratas em todo o mundo, como por exemplo, o general Franco em Espanha, Salazar em Portugal, o coronéis na Grécia, o general Gemal Gursel na Tunísia, o rei Hussein na Jordânia, rei Hassan II em Marrocos, a dinastia Saud na Arábia Saudita, o general Mubarak no Egipto, o general Zia ul-Haq no Paquistão, o general Chang Kai-Chek em Taiwan, o general Park Chung Hee na Coreia do Sul, Marcos nas Filipinas, o general Suharto na Indonésia, o xá Pahlavi no Irão, Somoza na Nicarágua, Batista em Cuba, Duvalier no Haiti, Trujilo em São DOmingos, Pinochet no Chile, Mobutu no Congo-Zaire, Idi Amin Dada no Uganda, o regime do apartheid na África do Sul, etc.»

Ignacio Ramonet em Iraque: História de um Desastre.

agosto 04, 2005

DN: de mudança em mudança...

No Travessias Digitais, escrevo sobre as últimas novidades do Diário de Notícias.

julho 31, 2005

De olhares: banho de imersão

A propósito de Última Vida no Universo, do realizador tailandês Pen-Ek Ratanaruang, Francisco Ferreira escrevia, na revista do Expresso do passado dia 23, que se trata de um filme «que não se afasta da melancolia de estilo onde continua a cair muito do actual cinema oriental.»

Espero que não tenha sido intenção do crítico atribuir à expressão «continua a cair» tom pejorativo. Pois ainda bem que temos cinema melancólico, venha ele de onde vier. Para tiros, explosões, sustos, monstros, perseguições e defeitos especiais, já basta Hollywood. Basta!

Última Vida no Universo passou pelo festival de Veneza, em 2003, mas não pelas salas de cinema em Portugal. Foi directo para DVD. Francisco Ferreira chama-lhe, e bem, «um longo banho de imersão.»

É um banho que, com a disposição de espírito certa, vale a pena saborear. Viva a melancolia!


Outros belos melancólicos orientais recentes:

2046, de Wong Kar-Wai
Disponível para Amar, de Wong Kar-Wai
Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera, de Kim-Ki Duk
Dolls, de Takeshi Kitano

Asfixia mediática

No Travessias Digitais, notas sobre o encerramento de A Capital e do Comércio do Porto e a desertificação mediática da Invicta.

julho 28, 2005

De olhares: um japonês tranquilo

É um filme tranquilo. Vê-se sem sobressaltos. A Sombra do Samurai, realizado por Yoji Yamada, não tem o toque do génio narrativo e pictórico de um Kurosawa, por exemplo, mas nem por isso deixa de ser uma obra interessante, um conto moral, à boa maneira japonesa.

julho 24, 2005

Cuspidela

No interior do recauchutado café portuense A Brasileira, um espaço que conseguiu (para já) resistir à invasão bárbara do televisor, uma placa de metal, um pouco acima de uma mesa, fixa o olhar: "Por favor não cuspir no chão".

Há pequenas mensagens que, em certos contextos, dizem muito sobre toda uma cidade.

julho 23, 2005

Inseguranças

O Sindicato dos Profissionais de Polícia ameaça promover «novas formas de luta», que poderão levar agentes da PSP a entregar as armas e a recusar sair das esquadras, em protesto contra medidas anunciadas pelo Governo.

Por este andar, ainda vão ter que ser os cidadãos a vigiar os polícias e a prender os ladrões. Estamos a um passo da anarquia.

julho 21, 2005

Religião e esfera pública

O texto que Vital Moreira escreveu, anteontem, no Público, é de leitura obrigatória. Para crentes e não crentes, Pós-Secularismo fala sobre um ressurgimento religioso que parece contrariar «o longo movimento de secularização das sociedades modernas e de tendencial diminuição do papel da religião na esfera pública.»

É um fenómeno da maior relevância e, ao contrário de muitos temas que dominam a agenda mediática, verdadeiramente importante para o presente e o futuro das sociedades contemporâneas.

Duas passagens particularmente interessantes:

«Em si mesmo, o ressurgimento da religião não suscitaria nenhuma preocupação política, não fosse ele acompanhado de um fenómeno de radicalização e de fundamentalismo, o qual não escolhe infelizmente igrejas nem confissões, mas que tem os seus pontos altos no mundo islâmico, nos movimentos evangélicos dos Estados Unidos e no extremismo judaico.»

«Ao contrário do que pretendem muitos dos movimentos religiosos, a dessecularização da sociedade não obriga a rever a secularização do Estado, pelo contrário, é justamente porque o ressurgimento e a radicalização religiosa criam um potencial de dissenção e intolerância religiosa e de conflito civil, que o Estado mais deve salvaguardar a sua neutralidade e não-identificação com qualquer religião.»

Não podia estar mais de acordo com Vital Moreira.

julho 20, 2005

Só não vê quem não quer

A maioria dos ingleses (dois terços) considera que há uma relação directa entre os atentados de Londres e o apoio de Blair à invasão do Iraque. Os ingleses não são parvos.

E a pergunta primordial, tão actual como em Março de 2003, 25 mil mortos iraquianos depois, permanece sem uma resposta racional, honesta e satisfatória: por que se invadiu o Iraque?

julho 19, 2005

Blogues de vídeo

No Travessias Digitais, escrevo sobre a emergência da videoblogosfera.

julho 18, 2005

Aficionadísimos, por supuesto

Algumas verdades, quando escritas em bom castelhano, têm um outro sabor, uma outra música: «Los portugueses son aficionadísimos a pasar una buena tarde de sol dentro de un centro comercial, gastando lo que no tienen.» Margarida Pinto, El País.

julho 16, 2005

Takase em Serralves

Aki Takase é uma japonesa baixinha, com um ar meio alegremente estouvado. Fala pessimamente inglês, mas toca piano "nas horas".

Fui descobri-la hoje a Serralves, no Porto, naquele que foi o segundo concerto de mais um Jazz no Parque. E descobrir é o termo certo, pois nunca tinha ouvido nada saído das teclas desta experiente pianista vinda da área do chamado free jazz, um tipo de jazz algo difícil de tragar. Durante alguns anos, ela tocou com a portuguesa Maria João.

No concerto de hoje, Takase improvisou sobre o jazz clássico de Fats Waller, que aqui e ali faz lembrar um dos pioneiros do jazz, Jelly Roll Morton. Mas Takase não se ficou por aí, juntando ao standard improvisações free, desconcertantes, abruptas, de decomposição melódica. Um jogo de Yin e Yang.

Mais para o fim, Takase pôs bolas de pingue-pongue em cima das cordas do piano. E as bolas lá saltitavam de cada vez que a corda era atingida pela tecla. A assistência sorria. O estilo desta pianista tem algo de subversivo.

Não foi um concerto "fácil". Mas valeu pela descoberta de uma japonesa endiabrada ao piano. E Serralves estava lindo. Como sempre.

julho 12, 2005

Scorsese e Regina

O estado de indigência programativa dos canais generalistas portugueses leva-nos, por vezes, a rejubilar quando coisas boas, mesmo boas, aparecem no ar. Duas passam hoje à noite, na 2.

Uma: a segunda parte de um documentário, realizado por Martin Scorsese, intitulado My Voyage to Italy. A primeira parte (de um total de quatro) passou há oito dias. Uma verdadeira e fascinante viagem, na primeira pessoa, às raizes italianas de Scorsese e ao cinema italiano do pós-guerra (com Rossellini à cabeça), que muito influenciou este realizador norte-americano.

A outra é um concerto, imperdível, de Regina Carter, uma actuação no festival de jazz de Angra. Esta violinista é um verdadeiro prodígio em termos técnicos e melódicos. Ainda por cima, trata-se de uma figura rara no panorama jazzístico contemporâneo: violinista, mulher, talentosa...

Trespassa-se

Acabo de assistir a mais um programa "Prós e Contras" (apesar do contra da apresentadora) sobre o estado do país que ainda vamos tendo. Vamos ali a Vilar Formoso pôr uma tabuleta "Trespassa-se" virada para Espanha?

julho 08, 2005

Notas de Mertens

Duas observações a reter da interessante entrevista (RTP) de Ana Sousa Dias a Wim Mertens. Uma: para o compositor belga, 97 por cento da música actual é intepretação e apenas 3 por cento criação. As percentagens são simbólicas, mas não andarão muito longe da realidade.

Outra: há excessivo academismo, muita escravatura da pauta, que impedem, por exemplo, o aparecimento de vozes mais "autênticas" ou "puras" no panorama musical contemporâneo.

julho 07, 2005

Londres e os media online portugueses

No Travessias Digitais, escrevo sobre a resposta paupérrima dos media online portugueses aos atentados em Londres.

julho 05, 2005

Sem cura

A jovem democracia portuguesa tem ainda muitos tumores malignos a roerem-lhe o corpo. Mas Alberto João Jardim é, definitivamente, um cancro terminal.

julho 01, 2005

Unilateralismo na rede

Ora aqui está mais um belo exemplo do "multilateralismo" da actual administração norte-americana: as petições feitas pela União Europeia e pela América Latina para que o controlo das infra-estruturas básicas da Internet passe para as mãos de um organismo internacional recebeu uma resposta negativa por parte dos EUA, que actualmente controlam os servidores de raiz da rede mundial.

Segundo El Pais, a administração Bush anunciou que não entrega esta competência nem prescinde da tutela que exerce sobre o ICANN, o órgão de governo da Internet.

junho 30, 2005

Espanha: uma sociedade mais decente

Espanha, aqui bem ao lado, distancia-se a passos largos do seu acanhado e trôpego vizinho ibérico. Em termos económicos, políticos (sobretudo no espaço da União Europeia, mas não só) e civilizacionais.

Zapatero está a fazer muito daquilo que Aznar gostaria de fazer quando fôr grande e que Sócrates desejava pôr em prática se tivesse país para isso. Hoje, o presidente do Governo espanhol venceu uma batalha difícil contra o preconceito, a mesquinhez, o conservadorismo simplório de boa parte da direita e da igreja do seu país: conseguiu fazer aprovar no Congresso a modificação do código civil que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, com direitos iguais aos casais heterossexuais, incluindo a adopção. Aznar, em casa, deve ter-se benzido, naturalmente.

É preciso uma enorme dose de coragem política e uma visão assaz moderna do exercício do poder ao mais alto nível para chegar a um ponto de maturidade destes. Zapatero já havia provado a sua fibra ao lembrar à toda poderosa igreja que o Estado espanhol é laico, algo que Aznar se havia esquecido quando passeou pelos corredores do poder em Madrid.

Zapatero tem dado sinais claros de que, não só percebe os ventos da história, como não tem medo de adequar a política a uma sociedade cada vez mais complexa, heterodoxa, multiforme, imprevisível, em permanente recomposição. Escusado será dizer que estas novas realidades são um tremendo pesadelo para conservadores.

Nós por cá, entretanto, lá vamos oferecendo à Europa o espectáculo único do julgamento em tribunal de mulheres por aborto, ao mesmo tempo que nos diluímos no mapa europeu a 25 e nos vamos afundando alegremente de défice em défice, de incompetência em incompetência, de cobardia em cobardia.

Sócrates deve ficar roxo de inveja quando ouve Zapatero dizer coisas tão simples como esta: «porque una sociedad decente es aquella que no humilla a sus miembros».

junho 26, 2005

De olhares: Barton Fink

Barton Fink é, enigmaticamente, um grande filme. Talvez o melhor dos irmãos Coen. Bem escrito (por eles mesmos), apresenta um grupo de actores de grande calibre, a começar pelo inimitável peso pesado John Goodman e a acabar em John Turturro, numa composição primorosa, a lembrar um pouco o estilo de algumas personagens esquizofrénicas de Cronenberg.

O canal Hollywood exibiu-o, em boa hora, há poucos dias. Em Barton Fink, datado de 1991, ano em que ganhou a Palma de Ouro, todas as personagens são um pouco grotescas, exageradas, distorcidas, movendo-se no limiar da normalidade, limiar esse gerido sempre com grande mestria.

Aqui e ali, os Coen entregam-nas à surrealidade, à «vida na mente», como na cena em que Goodman, gritando precisamente «eu mostro-vos a vida da mente!», corre pelo corredor de um hotel sinistro fora deixando atrás de si paredes em fogo e disparando a caçadeira contra dois detectives.

O facto de o filme ser de difícil catalogação só o torna mais interessante. O enredo deixa muitas pontas por resolver. Não dá, como nos filmes banais, todas as respostas, de forma óbvia e sem ambiguidades. Aquela caixa amarrada com cordel tinha mesmo a cabeça da secretária/amante de um escritor alcoólico que trabalhava em Hollywood?

Foi um prazer imenso rever Barton Fink, obra em que, como escreve Hal Herickson, no All Movie Guide, nada é o que parece e nada resulta como o planeado. Dele guardava algumas imagens marcantes, como a do corredor em chamas e uma outra, em que um poderoso produtor de filmes de Hollywood (mais tarde promovido a general), espumando de ira, à beira da loucura, exigia a um funcionário seu que beijasse os pés do incomodado escritor da Broadway... Fink.

The Bends


Este fantástico álbum dos Radiohead é do melhor para embalar insónias.

junho 25, 2005

Viva o S. João!

A noite de S. João é uma oportunidade única para ver um outro lado do Porto dos dias de hoje. Um Porto menos cinzento, menos rabugento, menos stressado, menos impaciente com os outros, bastante menos sizudo, enfim, um Porto altamente contente consigo próprio, descontraído e colorido, mesmo antes do monumental fogo-de-artifício.

Muito diferente daquela cidade da rotina de segunda a sexta-feira, cheia de trânsito, de obras, de lixo, de barulho, de horas de ponta, de gente a pegar-se e a insultar-se nas ruas ao mínimo pretexto, a quase partir para o murro por dá cá aquela palha.

O problema é que o S. João só nos dá marteladas na cabeça uma vez por ano.

junho 19, 2005

Os Cahiers, finalmente!

Ao longo dos últimos anos, vezes sem conta tentei, através dos motores de busca, chegar a uma versão online dos célebres Cahiers du Cinéma. Sempre em vão. A velha revista dos cinéfilos teimava em não apostar no ciberespaço.

Foi pela mão do meu antigo professor de Teoria da Imagem, João Mário Grilo, que chegou a boa notícia: os Cahiers abriram, finalmente, o seu espaço na Web.

Como refere Mário Grilo, na sua coluna na Visão, «para os cinéfilos, talvez este seja um bom pretexto para renovar as ligações com uma língua que o cinema falou muito (...) É que no cômputo geral todos reconheceremos que nas páginas dos Cahiers está algum do material mais interessante jamais escrito sobre o cinema na segunda metade da sua história.»

junho 13, 2005

Blogues e pós-modernidade

Os blogues podem ser considerados jornalismo pós-moderno?

junho 11, 2005

Khaled na Casa


É daqueles músicos que constumamos ver e ouvir com agrado no canal Mezzo. Mas, felizmente, desta vez, o Porto teve oportunidade de ver e ouvir Khaled ao vivo, na mais fabulosa Casa da Música do país.

Khaled trouxe consigo a mistura fina que costuma fazer nos seus álbuns, mestiçando rai (do seu país de origem, a Argélia), soul, reggae, rock, jazz, flamenco e tudo o mais a que possa deitar mão para, no fundo, através da sua música, fazer convergir no árabe o mundo diverso e baralhado dos dias de hoje.



O homem tem uma voz incrível. Canta em árabe, fala que é, por si só, música. Ouvimo-lo cantar como se fosse mais um instrumento, com o qual Khaled consegue inflexões vocais estonteantes.

Sempre com o rai de fundo, a batida forte levou a que metade da sala se pusesse de pé a dançar, durante quase todo o espectáculo, para desespero dos vigilantes da Casa.

Suspeito que alguma daquela boa gente que ali dançava chegou a Khaled pela mão de Nanni Moretti, o realizador italiano que nos fez descobrir também a exótica Angelique Kidjo ou o enorme Jarrett. Como esquecer aquela sequência de Querido Diário em que Moretti, ele mesmo, serpenteia as ruas da sua amada Roma, montado numa Vespa, ao som bamboleante de "Didi"?

junho 08, 2005

Sabujos

«Os deputados do PSD no Parlamento da Madeira aplaudiram hoje de pé as declarações de Alberto João Jardim, que no sábado passado afirmou estar a ser alvo de uma campanha liderada por "alguns bastardos" e "filhos da puta" do continente.» (Público)

Na Madeira, a subserviência canina é uma profissão.

maio 30, 2005

Era uma vez o ciberjornalismo

No Travessias Digitais, recordo os tempos idos do nascimento do ciberjornalismo em Portugal.

maio 25, 2005

Jornadas de jornalismo

Rogério Santos, no blogue Indústrias Culturais, escreve hoje algumas (e oportunas) notas resultantes da sua participação nas jornadas de reflexão sobre o ensino e a investigação do jornalismo e das ciências da comunicação em Portugal que decorreram, ontem, nas instalações da licenciatura em jornalismo e ciências da comunicação da Universidade do Porto.

maio 20, 2005

Mau estado

O bastonário da Ordem dos Advogados diz que o estado da justiça em Portugal é «aterrador». Pode restar-lhe o consolo de saber que o estado de Portugal é ainda pior.

maio 19, 2005

Porcos e maus

O relato é da senhora da pastelaria, de olhos bem abertos, mão no peito, ar consternado. Na esquina de uma pacata rua do Porto, dois carros quase batem porque o condutor de um deles estacionava, mal, em cima da passadeira.

Os dois condutores saem dos respectivos bólides, a conversa descamba para os trovões, um deles saca de uma navalha de ponta-e-mola e rasga a perna ao outro. E pronto, nem mais um pio.

Faltam as provas científicas, mas algo me diz que o embrutecimento acelerado do homem das urbes tem alguma coisa a ver com a Organização Mundial do Comércio.

maio 13, 2005

O Tom certo


Este álbum de Tom Waits, ao mesmo tempo soturno, doido (a começar pelo título, Swordfishtrombones...), meio surreal e melódico, é uma pequena jóia. Waits conta-nos histórias do diabo! Como a de um maluco que deita fogo à própria casa por, entre outras coisas, estar farto do cão e da mulher. Tal como Laurie Anderson, o velho Tom adora contar histórias. Para gáudio absoluto dos bons ouvidos do planeta.

maio 12, 2005

Más influências

À medida que as peças do puzzle se vão juntando, menos dúvidas sobram sobre o oportunismo descarado e leviano que marcou os últimos dias do governo de gestão de Santana Lopes. E que "gestão"! Quem lá estava parece ter tido a preocupação suprema de tomar decisões, a dias das eleições e até depois das mesmas, de forma a favorecer colaboradores, assessores, conhecidos, amigos, patrocinadores, lóbis privados. E, pelo que se começa a ver, com o Estado a sair invariavelmente lesado.

Esta vampirização dos poderes da administração central, vinda de quem vem, até que nem espanta por aí além. Foram inúmeros os sinais de irresponsabilidade, desorientação, má preparação e leviandade dados, quer pelo próprio Santana Lopes, quer por vários membros do seu "governo". Só se esperava é que esta gente, que lá foi parar por manifesto destrambelhamento político apadrinhado por Durão Barroso, não fosse tão amadora a fazer estas coisas. Sabia-se que eram fracos e duvidosos políticos. Mas tanto...

Mais grave de tudo é a monumental machadada que estas luminárias acabam por dar na já debilitada credibilidade dos políticos e do próprio sistema democrático. Isto é, Lopes e os seus amoucos (amouco é um índio que jura morrer pelo seu chefe)continuam, ainda hoje, a levar muito bom cidadão português para as fileiras dos cépticos e abstencionistas.

maio 10, 2005

Futebol lamaçal

O putrefacto e indigesto mundo do futebol profissional em Portugal está em grande forma. Segundo noticia hoje o Público, os clubes portugueses continuam com "as calças na mão" e a gastarem o dinheiro que não têm. A situação financeira deteriora-se de dia para dia e o presidente da Liga diz que é por causa dos salários. Pois...

Já em A Bola escreveu-se, pelos vistos, um editorial lúcido (lucidez é o que mais falta no futebol) no qual se diz que aquele jornal não vai publicar afirmações que incitem à violência ou que lancem dúvidas sobre a integridade moral e cívica de qualquer cidadão. A ideia é boa, mas não vai aguentar-se, pois o factor concorrência tratará de a exterminar rapidamente.

E mais se escreveu, sobre aspectos que quem não doente pela bola (doença é a palavra certa em muitos casos) já há muito viu: muitos dirigentes desportivos perderam «o sentido do rigor, do bom senso e até das suas responsabilidades desportivas e cívicas» (são palavras eufemísticas: o que A Bola queria mesmo dizer é que muita deste ilustre gente futeboleira é uma besta), «o clima que se vive é de conflitualidade permanente, quase de belicismo e de guerra aberta», «há pressões sobre a arbitragem», os jogadores foram, coitadinhos, atirados para um «estúpido degredo social». Um rol de desgraças que toda a gente conhece, quanto mais não seja porque o país vive mergulhado, por obra dos media, num caldo diário incontornável de "magia da bola".

O que é seriamente de lamentar nisto tudo é que, apesar de o futebol ter caído numa fossa nauseabunda, por lá continuamos a ver chafurdar ilustres políticos nacionais, autarcas de coluna rasteira, empresários de charuto, canais de televisão, ávidos jornalistas e toda uma trupe de "actores sociais" à procura das migalhas que porventura sobrem da mesa dos "heróis" dos estádios... A degradação do futebol é o espelho de todo um país.

maio 09, 2005

Laurie é do outro mundo...

O espectáculo (concerto? performance?) de Laurie Anderson no Teatro Nacional São João, no Porto, foi uma verdadeira festa, não apenas para os ouvidos, mas em todos os sentidos. Ela entrou em palco vestida de negro. Ninguém bateu palmas. Sentou-se numa poltrona rodeada por um chão coberto de velas e começou a contar as suas histórias.

Laurie é uma espécie de extra-terrestre no panorama musical contemporâneo. Mistura, alegre e irreverentemente, linguagens diversas, dando-lhes uma roupagem nova e inesperada, por vezes recorrendo a uma interessante panóplia de sintetizadores e computadores. Ela própria diz gostar de experimentar. E tem-no feito, sempre, desde o seu primeiro álbum, Big Science.

Ao Porto, trouxe-nos, para além do imenso talento e presença magnética em palco, uma vintena de histórias sobre "o fim da Lua", a partir da experiência de ter sido, durante algum tempo, artista-residente na NASA. O tom do concerto, com histórias faladas e música de violino sintetizado pelo meio, lembra um dos mais curiosos discos dela, The Ugly One With the Jewels, de 1995.

Mas nem só do lado escuro da Lua, dos astronautas, do tempo, das estrelas, de Marte falou (cantou?) esta nova-iorquina muito especial. Pelo meio das histórias surgia o espectro dos ataques às torres gémeas, o medo face ao perigo "que chega de cima", a paranóia securitária. Aparecia também o amor, a desilusão, a incomunicação, a luz, o absurdo, a sua estimada cadela Lolabelle, os pequenos nadas de todos os dias. Nadas? Só mesmo ela para dar, aparentemente sem sentido, um sentido a coisas tão diferentes.

Laurie Anderson é do outro mundo.

maio 07, 2005

Imprensa: a crise dos quatrocentos

No Travessias Digitais, escrevo sobre a queda de vendas dos jornais nos EUA e a imprensa na Internet.

maio 05, 2005

Bons sinais

Marques Mendes pôs em marcha um verdadeiro PDEC (Período de Desinfestação em Curso) no PSD. Chutou, e muito bem, Isaltino Morais para canto, vetou a recandidatura de Valentim Loureiro para a Câmara de Gondomar e agora só se espera que faça o mesmo com a presidente da Câmara de Leiria, também envolvida no processo Apito Dourado.

De um ponto de vista político e de higiene democrática, estes são bons sinais por parte do líder de um partido cuja credibilidade foi escangalhada pelo populismo de trazer por casa de Santana Lopes. Resta saber se Mendes mantém a coerência de actuação política em relação a outros casos e a outros problemas, como esse, bicudo e retinto, chamado Alberto João Jardim...

maio 03, 2005

Léo Ferré: "trop tard..."

De vez em quando, tropeçamos numa velha cassete VHS que já vimos algumas vezes. A fita, desgastada, deixa transparecer os inúmeros visionamentos já feitos. Mas... rever Ferré, a actuar ao vivo, a falar da vida, a exultar com Apollinaire, a revoltar-se contras todas as formas de opressão, a defender apaixonadamente a (sua) anarquia, é sempre um momento único de arrebatamento inspirador.

Léo Ferré morreu há doze anos. A cultura dos media de massas esqueceu, quase por completo, este monegasco provocador, genial, absoluto, marginal, no dom da palavra e da música. Da poesia, enfim. Marcou profundamente a "geração de 60", foi adoptado pela juventude no Maio de 68 e dirá ainda muito a quem, à época, tinha vinte anos e não vivia ainda tão massacrado como hoje pelos hiper-massificados sons e ícones anglo-saxónicos.

Em palco, o homem que cantava que «a crítica é uma forma superior do desespero» suga-nos por completo e esmaga-nos com a força, quase violenta, das suas interpretações. Tem o dom, e o prazer, de nos inquietar, de nos questionar sobre o que vivemos e como vivemos. Faz-nos, por vezes, sentir mal. Agita-nos a pequenez dos dias que passam.

Como gostava de o ter descoberto a tempo de o poder ver ao vivo.... trop tard, trop tard...


Ferré: Sa vie, son oeuvre, et la mémoire et la mer...

abril 25, 2005

Gillmor e os 'cidadãos-jornalistas'

No Travessias Digitais escrevo sobre o livro Nós, os Media, do jornalista Dan Gillmor.

abril 24, 2005

Tentações do poder

Sobre a limitação de mandatos políticos executivos, Vicente Jorge Silva escreve, com razão, no DN: «Ora, mesmo admitindo todos os riscos, as virtualidades combinadas da limitação dos mandatos e da criação dos círculos uninominais são de uma evidência cristalina: favorecem a renovação, a responsabilização pessoal e a transparência da representação política, além de permitirem combater essa perversão maior da democracia que é a tentação do poder vitalício.»

Há questões que, de tão evidentes, só se estranha que não tenham sido resolvidas há muito.

abril 20, 2005

Idolatria*

A multidão que ontem enchia a praça de S. Pedro agitava bandeiras, entoava cânticos ritmados com palmas e gritava o nome do líder. Tal como nos estádios de futebol.

*s. f., adoração dos ídolos;
acção de prestar a certas entidades as honras próprias da divindade;
amor, dedicação excessiva;
adoração cega.

abril 15, 2005

Foi-se o espalhafato

Os telejornais passaram a ser espaços mediáticos bem mais salutares e bastante menos poluídos desde que Santana Lopes e Paulo Portas saíram da cena do governo. Estas duas trágicas figuras entravam-nos, quase todos os dias, pela casa adentro com os seus números intragáveis de circo político encenado para as televisões.

Sócrates, nesta matéria, não podia ter feito uma ruptura mais vincada: aparece de vez em quando, é comedido, mantém (pelo menos, aparentemente) os jornalistas à distância e diz não gostar de espalhafato mediático. E está muito bem assim.

abril 14, 2005

A Casa é nossa


Custou muito, mas foi. Está aí. É linda. Não devia ser para estragar com um mamarracho banqueiro nas traseiras. Talvez seja altura de o Porto recuperar, modificado, um slogan que, há alguns anos, salvou o Coliseu de ir parar às mãos da IURD: "A Casa da Música é Nossa!"


abril 13, 2005

Em defesa da Casa da Música

Há dias, lavrei, aqui no Travessias, o meu protesto contra a construção, na zona envolvente da Casa da Música, da sede de um banco.

Só posso, pois, subscrever por inteiro o abaixo-assinado em que se apela «a todas as entidades envolvidas neste processo (Câmara Municipal do Porto, ADICAIS, Fundação Casa da Música, Ministério da Cultura, IPPAR) e a todas as entidades que poderão intervir em nome do interesse público (Presidência da República, Assembleia da República, Partidos Políticos, Presidência do Conselho de Ministros, etc.) para que, dentro das suas competências, façam todos os esforços para impedir a construção do referido edifício, encontrando as soluções de compromisso que permitam salvaguardar o interesse público.»

abril 12, 2005

Arno Gruen: da loucura dos «sãos»

«Esta loucura não reconhecida ameaça a humanidade mais que nunca porque nunca o potencial destrutivo nas mãos dos famintos de poder foi tão grande como hoje. Este tipo de doença difere da do esquizofrénico num ponto essencial: o esquizofrénico encontra-se numa luta consigo próprio para conseguir lidar com um mundo insuportável; a loucura dos «sãos» é, pelo contrário, uma luta na qual outros têm de ser vencidos para que eles próprios se possam sentir seguros.»

Arno Gruen, A Loucura da Normalidade.

abril 08, 2005

Política mais respirável

Os muitos Narcisos, Mesquitas e Torres instalados nas autarquias do país, para já não falar no extremo caso do Jardim insular, há muito que haviam tornado evidente a necessidade de limitar os mandatos políticos.

É, por isso, de saudar que o governo de Sócrates tenha avançado com a proposta de lei que limita o tempo de exercício consecutivo de mandatos executivos a um máximo de 12 anos. E isso abrange desde os presidentes de Junta até ao primeiro-ministro.

E é tanto mais de saudar quanto toda a gente, incluindo boa parte dos políticos, também já há muito constatara os malefícios da eternização dos líderes nas câmaras municipais ou governos regionais. O problema é que, graças a muito cautelismo e a múltiplos clientelismos partidários, nunca se avaçara com uma medida destas.

O sistema político português passa a ficar um pouco mais respirável.

abril 06, 2005

Jornalismo na Web

Aqui ao lado, no Travessias Digitais, escreve-se sobre o livro Web Journalism, de James Glen Stovall.

abril 05, 2005

Nasce o Travessias Digitais

O Travessias Digitais nasce hoje como blogue-satélite deste Travessias generalista. O Travessias Digitais acolherá textos, apontamentos, breves reflexões e dicas sobre novos media (com particular destaque para a Internet), jornalismo e ciberjornalismo.

O Travessias Digitais arranca a título experimental e a sua actualização será intermitente.

Televisão beata

No blogue Causa Nossa,Vital Moreira escreve certeiro: «Com a total rendição da sua programação ao falecimento e às exéquias do Papa (noticiários, reportagens, comentários, filmes de temática religiosa, música sacra, missas, homenagens, etc.) a RTP concorre seguramente para o título oficial da mais católica televisão do mundo. Merece ser beatificada.»

abril 04, 2005

Berlusconi: "un'ecatombe in tutta Italia"

Berlusconi, um dos maiores cancros políticos da Europa, levou uma monumental banhada nas eleições regionais de ontem. Segundo sondagens à boca das urnas, perdeu seis das oito regiões que detinha.

Pelo seu perfil meio João Jardim, é de crer que o homem não se demita. O que é uma pena. Para os italianos e para o resto do mundo civilizado.


A ler:
"Citizen" Berlusconi
Perfil de Berlusconi

abril 03, 2005

Expresso online sem pedalada

Mais de 24 horas depois do falecimento do papa, a "manchete" do Expresso online é: "João Paulo II: estado de saúde piora".

Não há ciberjornalismo que resista a tanto amadorismo.

De olhares: terra de abundância?

Land of Plenty é um filme de difícil digestão para: optimistas militantes, "neocons", distraídos da vida, falcões de guerra, neoliberais a todo o transe, ingénuos, "filobushistas", obtusos de carreira e directores de jornais portugueses de direita.

Quanto ao resto, esta obra cinematográfica, politicamente empenhada, é sem dúvida um bom momento na carreira do realizador alemão Wim Wenders.

abril 01, 2005

Criminosos de guerra

Milhares de mortos civis iraquianos depois, os Estados Unidos reconhecem, finalmente, que estavam «absolutamente enganados» sobre o arsenal de armas de destruição maciça de Saddam que justificou a invasão do Iraque em 2003.

Isto é, os EUA invadiram e arrasaram um país soberano, mataram milhares de civis, atiraram para a cova mais de mil soldados seus e arruinaram de vez a sua reputação nos quatro cantos do mundo, tudo porque se basearam em "palpites" completamente errados dos seus serviços secretos, que surgem agora como o bode expiatório perfeito para esconder os verdadeiros motivos que conduziram à invasão.

Não era de sentar os rabos de Bush e de Blair no Tribunal Penal Internacional de forma a responderem por crimes contra a humanidade?

março 31, 2005

Choque cívico

Sócrates quer dar um choque tecnológico na nação de forma a catapultá-la para o futuro da globalização e da competitividade. Tudo bem. O problema é que o país precisava, antes, de um verdadeiro choque cívico e cultural.

Este país, que quer imitar o "milagre económico" finlandês ou irlandês e integrar o "pelotão da frente" da Europa, é o mesmo da estagnação generalizada da civilidade.

Pejado de novos-ricos, chicos-espertos de toda a espécie e de aves de rapina multicolores, é, também e ainda, o país que se mata alegremente na estrada todos os dias, que condena mulheres em tribunal pela prática de aborto, que tem na fuga ao fisco motivo de orgulho patriótico, que cospe para o chão e urina contra as paredes, que faz dos passeios das cidades cinzeiro, caixote de lixo e cocódromo dos cachorros de trela, que fuma dentro de hospitais, locais de trabalho e restaurantes, que destrói impunemente a paisagem a doses cavalares de betão e que suja rios e ribeiros com toda a espécie de porcaria que possa lá despejar.

Ainda ninguém conseguiu enfiar na cabeça de muito bom português que, fora de casa deles, o espaço é de todos. Não é o espaço dos "outros" ou de "ninguém". É nosso. Colectivo. Deve ser respeitado e, se não for pedir muito, bem tratado.

A falta de cultura cívica do português, tema meio tabu, em que ninguém parece interessado em tocar, é transversal: ataca todos os estratos sociais. Os reflexos mentais são curtos, imediatos: "isto não é meu, que se lixe!" Toca a sujar, a conspurcar, a destruir, a maltratar, a enganar, a poluir. E quem não estiver bem, que se ponha melhor.

O choque nisto tudo era bem mais urgente. Só que é infinitamente mais difícil que o choque tecnológico. E, afinal, Portugal já tem tantos problemas para resolver...

março 28, 2005

Infopropaganda

Que Bush pague a comentadores para que façam propaganda do governo e que o mesmo Bush ache natural que as televisões locais do seu país exibam "peças de estilo noticioso" produzidas, à custa de dinheiros públicos, por departamentos governamentais, não é propriamente grande novidade, dado o débil calibre intelectual da figura em causa.

O que é chocante nesta história é as televisões colocarem no ar as tais "peças noticiosas" sem informarem os telespectadores de que foram produzidas pelo governo. Os canais funcionam assim como uma espécie de rameiras enganadoras. E aqui, sim, reside a principal fonte de preocupação.

É que, um pouco por todo o lado, a comunicação social aparece cada vez mais vergada a diversos tipos de poderes, com destaque para o político e o económico, cujos interesses se cruzam sistematicamente. A celebrada autonomia do campo jornalístico vai sucumbindo, paulatinamente, às mãos da influência e do dinheiro. Talvez por isso o jornalismo de investigação esteja em vias de extinção. É demasiado caro e incómodo para os poderes instalados.


março 25, 2005

'Stress' de guerra

Vamos lá ver: se eu trabalhasse, como jornalista, no JN, no DN, na Grande Reportagem ou na TSF e me dissessem que o meu futuro patrão foi dono de um bar de "strip tease" no Porto e é grande amigo de Pinto da Costa, também eu era capaz de ficar um bocadito preocupado...


A ler:
Órgãos da Lusomundo Media pedem garantias à Controlinveste


março 24, 2005

Já não se pode morrer em paz

O princípio da notícia: «O 11º círculo do Tribunal de Recursos dos Estados Unidos, em Atlanta, rejeitou ontem um pedido para repor o tubo de alimentação que há mais de 15 anos mantém viva Terri Schiavo, uma mulher de 41 anos em estado vegetativo desde 1990.» (in Público)

O fim da notícia: «Vários grupos religiosos, associações conservadoras e legisladores republicanos estão a movimentar-se no sentido de forçar o Senado Estadual da Florida a aprovar uma lei que force a reinserção do tubo digestivo que alimenta a paciente.» (ibid.)

Esta pia gente religiosa, conservadora, republicana, tão lesta a defender a vida quanto a assinar condenações à morte, precisava mesmo era de sacudir a água benta e ir ver o filme de Clint Eastwood, por sinal, um realizador republicano. Em Million Dollar Baby veriam o quanto custa lutar para entrar na vida e ter de lutar de novo para poder sair dela. Com dignidade.

março 23, 2005

Moral paradoxal

O presidente dos EUA e muita da direita religiosa daquele país são moralmente pró-vida: contra o aborto, contra a eutanásia e... contra o fim da pena de morte.

março 22, 2005

Xutos e pontapés no Porto

O número de asneiras urbanísticas e arquitectónicas que o Porto tem feito nos últimos anos já ultrapassa certamente o cocuruto da Torre dos Clérigos. Vão do desastre de algumas obras da Porto 2001, como é o caso do Jardim da Cordoaria e da caixa de sapatos envidraçada que Nuno Cardoso implantou em frente ao mar e que hoje parece um edifício de Sarajevo, até ao recentíssimo triste caso da Casa da Música.

Pois esta promissora e problemática obra do arquitecto Koolhas vai mesmo, confirmando todas as piores expectativas, algo em que a Invicta se especializou, levar com um mamarracho de sete andares nas suas traseiras, sede de um banco todo envidraçado. Problemas de terrenos, contrapartidas para aqui, ameaças de pedidos de indemnização para acolá, a Câmara tesa que nem um virote, tudo se conjugou primorosamente para chegarmos a mais uma aberração e a um atentado, antes de mais nada, a um mínimo de bom senso.

Do alto da Casa da Música era suposto ter-se vistas para o mar. Mas não. Vamos antes poder contemplar as paredes espelhadas de um dos negócios mais lucrativos do país. E não é de música que estamos a falar.

Uma casa como a da Música merecia uma envolvente adequada que não a sede do BPN. E das duas uma: ou se construía a casa onde está hoje acautelando, logo à partida, situações absurdas como a que agora foi aprovada pela Câmara ou tinha-se escolhido outro local para a construção.

Assim, já em Abril, vamos poder ouvir música com trolhas a acompanhar, pois as obras do banco começam no mês da inauguração da Casa da Música.

Está na altura de os portuenses serem mais exigentes com os seus autarcas, que cultivam um gosto algo perverso pela apresentação de factos consumados ou irreversíveis. O espaço público (nosso, portanto) da cidade é constantemente violado por decisões de políticos impreparados, quando não completamente incultos, e por arquitectos meio egocêntricos, quando não autistas. Os arquitectos não são vacas sagradas. Eles passam, a cidade fica. Por vezes, muito mal tratada por eles. Como salta à vista.

março 20, 2005

As novas melgas

Chamam-lhes agora "televisões corporativas". A expressão tem, por si só, ressonâncias perturbadoras, pois remete-nos para o universo das grandes corporations multinacionais, doidas por lucro, sem rosto, ética ou escrúpulos. Pois as tais "televisões corporativas" estão, pelo que nos diz o Público de hoje, a conquistar o espaço público urbano a bom ritmo. Bom, como quem diz...

Há algum tempo, cheguei aqui a falar na "televisação total" do espaço público. O trabalho do Público mostra que a coisa avançou e está a atingir níveis próprios de uma pandemia. Ecrãs de televisão mostrando publicidade e conteúdos diversos, incluindo notícias, esperam-nos a cada esquina: nas ruas, nos tranportes públicos, nos centros comerciais, estádios de futebol, gasolineiras, cinemas, livrarias, restaurantes. Ainda não se lembraram das igrejas, mas... Onde quer que esteja um pacato cidadão susceptível de ser recrutado para a carreira de público-alvo, estará cada vez mais um ecrã.

Ler no metro sem ser assaltado pelo som de "spots" publicitários, conversar em voz baixa enquanto se saboreia um arroz de tamboril num restaurante ou simplesmente passear na rua sem ter que, a cada passo, levar com uma cena de apanhados ou com um anúncio bombástico são hábitos prestes a passar à clandestinidade.

Um dos responsáveis por este novo polvo pubicitário explica que a ideia é "apanhar" (o termo é dele), por exemplo, os jovens que não vêem televisão em casa. Portanto, "apanha-se" a rapaziada no metro de forma a impingir-lhes o novo telelé da Nokia ou uma ligação ultrasónica à Net.

Estes ecrãs são verdadeiros pontos de fuga intrusivos. Sugam o olhar, onde quer que ele esteja, e impingem-lhe a imagem. Não distraem: cortam a distracção, interrompem o devaneio, a simples conversação. São um ruído de fundo incómodo. Uma chatice.

A publicidade é um cão que não nos larga.


A ler:
Ecrãs de televisão invadem espaços públicos das cidades

março 05, 2005

Gente crescida

Comparado com aquele intragável bando de patos que constituía o desgoverno de Santana Lopes, o governo de Sócrates é do outro mundo. Civilizado, entenda-se... E Freitas do Amaral é ali uma requintadíssima e absolutamente deliciosa provocação aos novos-beatos do PP.

março 02, 2005

Jarrett em Colónia


Se há discos eternos, The Koln Concert é, seguramente, um deles.

fevereiro 26, 2005

publico.pt: regresso ao passado?

O público.pt tem um novo aspecto gráfico e prepara-se para começar a cobrar pelo acesso ao site.

Ora, antes disso, talvez não fosse má ideia que o publico.pt resolvesse precisamente problemas graves do novo aspecto gráfico. É que os textos em bruto da versão impressa que nos aparecem no ecrã fazem lembrar os primeiros tempos do shovelware dos jornais na Web, em que os conteúdos do papel eram despejados quase sem tratamento para os sites.

Dez anos depois do início da aventura dos jornais electrónicos, apresentarem-nos nacos enormes de prosa sem sequer separação de parágrafos é algo completamente inaceitável. Quem quer dar o passo arriscado da cobrança pelos conteúdos tem de fazer melhor. Ou, pelo menos, o mínimo.

fevereiro 25, 2005

Desastre à vista

Não augura nada de bom a anunciada negociata da venda dos media da Lusomundo ao dono da Olivedesportos. Entregar títulos da envergadura do JN, DN, Grande Reportagem e TSF a alguém que fez fortuna nessa autêntica escola do crime que é o mundo do futebol é, no mínimo, uma enorme irresponsabilidade política e social.

A PT, por manifesta falta de competência e de conhecimento das especificidades do negócio dos media, em geral, e do jornalismo, em particular, cometeu erros de palmatória ao longo dos últimos anos. A gestão do "caso DN" fica como símbolo maior dessa incompetência, em parte determinada pela interferência descarada e nociva do governo.

Agora, o que os media da Lusomundo menos precisavam neste momento era de um pára-quedista futeboleiro endinheirado para lhes tratar da vida. A PT hipotecou muita da credibilidade dos antigos media do coronel Silva, pelo que o que estes precisavam mesmo era, por exemplo, de uns espanhóis com o peso e o prestígio do grupo Prisa, proprietário do maior diário do país vizinho, El Pais.

Augusto Santos Silva, pessoa avisada, já torceu o nariz ao anunciado negócio com a Olivedesportos. Este dirigente socialista, que também está preocupado com a concentração dos media, diz, e bem, que «o negócio da comunicação social tem especificidades, pelo que os grupos proprietários devem estar interessados e qualificados para este negócio.»

A pressa com que os administradores da PT, cuja única e exclusiva preocupação parece ser financeira, estão a fazer o negócio também levanta algumas dúvidas. Convém ficar de pé atrás. Esperemos que o novo governo de Sócrates não se deixe enganar por estes espertalhaços de meia tigela.

fevereiro 21, 2005

É bem feito

Santana Lopes deixou de ser um problema para o país para passar a ser uma catástrofe para o PSD.

Pronto, já passou o pesadelo

Já havíamos sido invadidos por tudo quanto é gato e sapato: túrdulos, cartagineses, celtas, romanos, vândalos, suevos, visigodos, árabes, espanhóis, franceses e até pelos jogadores de futebol do Brasil.

No final do ano da desgraça de 2004, uma fina ironia, do mais recortado mau gosto barrosista, trouxe à história de Portugal e ao seu governo uma nova horda de povos bárbaros vindos das profundezas da Lapa, da linha do Estoril, dos recantos das sacristias, das capas de revista de gente gira e oca e das trevas noctívagas do Kremlin lisboeta. Em pouco tempo, estes neo-hunos da política devastaram o território e, à boa maneira napoleónica, pilharam quantos "jobs" havia para os seus rapazes.

Seria preciso esperar pelo dia 20 de Fevereiro de 2005 para Portugal reentrar no século XXI, depois de um impensável acidente histórico e quântico que o atirou, durante alguns meses, para as fogueiras de uma direita da Idade Média.

fevereiro 12, 2005

Voto contra

Diz-me com quem andas, digo-te em quem não voto: «José Sócrates e Santana Lopes, por exemplo, estiveram presentes na última festa de anos que Joaquim Oliveira deu na sua moradia em Bicesse.» (Expresso, 12.02.2005).

Joaquim Oliveira é accionista maioritário da Olivedesportos, candidata (bem posicionada, pelos vistos) à compra dos media da Lusomundo. O mundo da bola, dos negócios e da política em todo o seu execrável esplendor.

fevereiro 11, 2005

Tascas

Um bom restaurante com a televisão ligada ao jantar, é mau. Um bom restaurante com o televisor sintonizado na Sport TV em altos berros vira uma baiuca.

fevereiro 01, 2005

De leituras: blogues

«O que os melhores blogues individuais tendem a partilhar é a autenticidade - são peças claras, escritas por seres humanos, imbuídas de genuína paixão humana.» Dan Gillmor, Nós, os Media.

janeiro 28, 2005

De ouvido: saxofone colossal



Ora aqui está um belíssimo álbum para aquele tipo de ouvido que quando ouve falar de jazz puxa da pistola. Sonny Rollins no seu melhor. De preferência, ao fim da tarde.

janeiro 27, 2005

Aquele abraço

O Travessias envia daqui um abraço de solidariedade aos nove mil intelectuais, activistas e artistas norte-americanos que, nas páginas do New York Times, assinaram uma "declaração de consciência" em que apelam à mobilização contra o governo de George W. Bush.

Noam Chomsky, Rickie Lee Jones, Ry Cooder, Russel Banks, Lawrance Ferlinghetti e Peter Coyote contam-se entre os milhares que estão contra «guerras criminosas contra países estrangeiros, a tortura, a violação total dos direitos humanos e o fim da ciência e da razão».

Estes americanos esclarecidos sabem do que falam. Ainda hoje, de madrugada, a SIC Notícias exibiu um documentário, de um canal francês, sobre a onda de conservadorismo radical, a roçar o fanatismo religioso, que tem invadido, qual pandemia, alguns estados dos EUA.

O candidato desta gente, que quer impor a decência e os bons costumes pela força da lei e do lóbi, a começar pela censura pura e dura nos media, é, naturalmente, o evangélico Bush, que se acha imbuído de uma visão messiânica para o mundo. Chiça!

janeiro 25, 2005

Curta e grossa

«A televisão é uma ladra do tempo». Karl Popper.

janeiro 23, 2005

"Nós, os Media"

Ora aí está um livrinho a pedir para ser lido: Nós, os Media, de Dan Gillmor, em boa hora publicado pela Editorial Presença, de quem tomo de empréstimo a sinopse desta obra:

Neste livro,«o foco da atenção incide nas novas possibilidades da Era da Comunicação Global. Actualmente, os grandes media como jornais, canais televisivos, rádio, geralmente propriedade de monopólios, começam a ver os seus poderes ameaçados devido às consequências da crescente facilidade com que se acede à Internet e às ferramentas que ela disponibiliza a custos reduzidos. Invertendo os papéis, esta nova revolução tecnológica, permite que os utilizadores passem a ser eles próprio produtores de notícias e outros conteúdos, dando origem a uma espécie de jornalismo cívico».

«Gillmor analisa este fenómeno com grande clareza e conhecimento de causa, e mostra como é que as salas de conversa (chats), os fóruns, emails e listas de emails, e, acima de tudo, os weblogues, levaram a que o cidadão anónimo possa comunicar em tempo real e em interacção com muitos outros produtores, situados em espaços geográficos diferenciados. (...) Gillmor aprofunda esta dinâmica em múltiplas direcções e questiona as suas possíveis evoluções à medida que forem surgindo tecnologias cada vez mais aperfeiçoadas. Alerta sobre as potencialidades e perigos desta mudança, e o seu impacto sobre as formas de organização da vida social.»

Dan Gillmor's eJournal

janeiro 22, 2005

O verdadeiro humorista

Qual Jay Leno qual quê! O verdadeiro humorista da América chama-se Michael Moore e passa hoje, com o seu "show" pertinentemente crítico, divertido e corrosivo, no canal por cabo AXN, às 16 horas.

A televisão dos nossos dias é assim: temos de andar a pescar umas poucas pérolas no meio de toneladas de lama e lixo.

janeiro 20, 2005

Os custos do "lambe-botismo"

Os autarcas Fernando Gomes e Nuno Cardoso deram autênticos festivais de lambe-botismo em relação ao Futebol Clube do Porto quando estiveram à frente da Câmara da Invicta. O primeiro já foi falado para suceder a Pinto da Costa (por que será?). O segundo está a provar o sabor de um ditado por inventar: cá se lambem, cá se pagam.

Citações filosóficas

«A inveja (em Portugal) é mais do que um sentimento. É um sistema. E não é apenas individual: criam-se grupos de inveja.» José Gil Público (16.01.2005)

«A vida quotidiana dos cidadãos está hoje ligada a aparelhos técnicos, estamos a fazer do ser vivo uma espécie de máquina técnica.» Bernard Stiegler in Expresso (15.01.2005)

janeiro 14, 2005

As salas dos milhões

Ora, façamos assim uma contabilidade rápida e rudimentar: as cidades do Porto, Gondomar, Maia, Matosinhos e Vila Nova de Gaia têm, juntas, 64 salas principais de cinema. Em 58 delas, estão a ser exibidos filmes norte-americanos. Basta consultar, por exemplo, o cartaz de cinema de hoje do jornal Público. Em Gondomar e Maia, a ocupação de cinema «made in USA» é de 100 por cento!

Agora, no mesmo jornal, uma espreitadela à programação cinematográfica das televisões nacionais. Dos nove filmes previstos para hoje na RTP1, SIC, TVI, Canal Hollywood e Lusomundo Premium, oito são norte-americanos. Salva-se O Nome da Rosa, uma co-produção entre a Alemanha, a França e a Itália...

Ora, se este panorama absolutista, esmagador de um ponto de vista estético, narrativo, cultural, linguístico e até mental, é bom para as cabecinhas que enchem as salas dos shoppings do Grande Porto e se enterram nos sofás televisivos do país, vou ali e venho já.

Ignacio Ramonet escreveu, há alguns anos, um livrinho, por alguns considerado exagerado e algo «conspirativo», em que denunciava precisamente este lamentável estado de coisas, no cinema, na televisão, na publicidade.

Em Propagandas Silenciosas, o director de Le Monde Diplomatique escreve que «a americanização dos nossos espíritos está de tal maneira avançada que denunciá-la, para alguns, parece cada vez mais inaceitável (...) A americanização penetra-nos pelos olhos. Com a temível eficácia de uma propaganda silenciosa.» E ainda: «Muitos cidadãos europeus são uma espécie de “transculturais”, mistos irreconciliáveis, possuindo um espírito americano numa pele de europeu. (...) O cinema, como se sabe, não contribuiu pouco para este estado de coisas.» O livro merece, inteiramente, uma releitura urgente.

Está na altura de gritar bem alto aos ouvidos dos distribuidores e programadores de cinema aquele slogan célebre dos Monty Python: e agora para algo completamente diferente!

Mas há sempre aquele probleminha do dinheiro, não é?...