março 20, 2005

As novas melgas

Chamam-lhes agora "televisões corporativas". A expressão tem, por si só, ressonâncias perturbadoras, pois remete-nos para o universo das grandes corporations multinacionais, doidas por lucro, sem rosto, ética ou escrúpulos. Pois as tais "televisões corporativas" estão, pelo que nos diz o Público de hoje, a conquistar o espaço público urbano a bom ritmo. Bom, como quem diz...

Há algum tempo, cheguei aqui a falar na "televisação total" do espaço público. O trabalho do Público mostra que a coisa avançou e está a atingir níveis próprios de uma pandemia. Ecrãs de televisão mostrando publicidade e conteúdos diversos, incluindo notícias, esperam-nos a cada esquina: nas ruas, nos tranportes públicos, nos centros comerciais, estádios de futebol, gasolineiras, cinemas, livrarias, restaurantes. Ainda não se lembraram das igrejas, mas... Onde quer que esteja um pacato cidadão susceptível de ser recrutado para a carreira de público-alvo, estará cada vez mais um ecrã.

Ler no metro sem ser assaltado pelo som de "spots" publicitários, conversar em voz baixa enquanto se saboreia um arroz de tamboril num restaurante ou simplesmente passear na rua sem ter que, a cada passo, levar com uma cena de apanhados ou com um anúncio bombástico são hábitos prestes a passar à clandestinidade.

Um dos responsáveis por este novo polvo pubicitário explica que a ideia é "apanhar" (o termo é dele), por exemplo, os jovens que não vêem televisão em casa. Portanto, "apanha-se" a rapaziada no metro de forma a impingir-lhes o novo telelé da Nokia ou uma ligação ultrasónica à Net.

Estes ecrãs são verdadeiros pontos de fuga intrusivos. Sugam o olhar, onde quer que ele esteja, e impingem-lhe a imagem. Não distraem: cortam a distracção, interrompem o devaneio, a simples conversação. São um ruído de fundo incómodo. Uma chatice.

A publicidade é um cão que não nos larga.


A ler:
Ecrãs de televisão invadem espaços públicos das cidades