agosto 25, 2005

Uma urbana entrevista

O vereador do Urbanismo da Câmara do Porto conseguiu hoje, com a entrevista que deu à Visão, quebrar a modorra temática jornalística de Agosto, feita à base de um concentrado monótono de incêndios, OTA e TGV e presidenciais.

Paulo Morais disse em voz alta aquilo que toda a gente sabe, mas prefere ver um bom punhado de jogos de bola para esquecer: muitas câmaras estão na mão de interesses imobiliários, que pagam as campanhas dos candidatos para que estes, uma vez eleitos, retribuam os favores e assim rebentem alegremente com as cidades, vilas e aldeias de Portugal.

«O Urbanismo é, na maioria das câmaras, a forma mais encapotada e sub-reptícia de transferir bens públicos para a mão de privados.» Estará o homem, zangado com o PSD local e a dar-lhe assim uma bofetada de luva branca, a exagerar?

«Nas mais diversas câmaras do país há projectos imobiliários que só podem ter sido aprovados por corruptos ou atrasados mentais». Isto, para quem olha minimamente para o país, salta à vista.

«As estruturas corporativas são hoje muito mais fortes porque têm uma aparente legitimidade democrática. Se os vereadores do Urbanismo são os coveiros da democracia, os partidos são as casas mortuárias». Esta bordoada só peca por defeito.

«Existe uma preocupante promiscuidade entre diversas forças políticas, dirigentes partidários, famosos escritórios de advogados e certos grupos empresariais». É mentira?

Nada disto é particularmente novo. Só que, como acontece no mundo podre do futebol, quando alguém resolve falar, cai o carmo e a trindade. E logo aparecem a retórica de fachada e o ar de virgem ofendida, bem personalizados em Fernando Ruas, presidente da Associação Nacional de Municípios, que desafia Morais a avançar com casos e nomes, questionando ao mesmo tempo «o tempo e o modo» da entrevista. O Natal, seria uma boa altura para falar nisto?

Poderá, obviamente, questionar-se os objectivos da entrevista do ainda vice-presidente da Câmara do Porto, que, em matéria de urbanismo e cedência a interesses, também não é propriamente santa: recordemos, a título de exemplo, as cedências duvidosas feitas ao Boavista para alargar a área construtiva de um empreeendimento...

Mas o que não pode negar-se é que os problemas que Morais aponta e denuncia são gravíssimos e da maior relevância para a vida pública do país. Ainda bem que o Ministério Público mostrou vontade de arregaçar as mangas.

O problema é que daqui a quinze dias já toda a gente andará entretida com a guerra entre Soares e Cavaco e a coisa morre ali assim debaixo do tapete. Como Fernando Ruas gostará.


A ler:
A polémica do lóbi imobiliário