março 31, 2005

Choque cívico

Sócrates quer dar um choque tecnológico na nação de forma a catapultá-la para o futuro da globalização e da competitividade. Tudo bem. O problema é que o país precisava, antes, de um verdadeiro choque cívico e cultural.

Este país, que quer imitar o "milagre económico" finlandês ou irlandês e integrar o "pelotão da frente" da Europa, é o mesmo da estagnação generalizada da civilidade.

Pejado de novos-ricos, chicos-espertos de toda a espécie e de aves de rapina multicolores, é, também e ainda, o país que se mata alegremente na estrada todos os dias, que condena mulheres em tribunal pela prática de aborto, que tem na fuga ao fisco motivo de orgulho patriótico, que cospe para o chão e urina contra as paredes, que faz dos passeios das cidades cinzeiro, caixote de lixo e cocódromo dos cachorros de trela, que fuma dentro de hospitais, locais de trabalho e restaurantes, que destrói impunemente a paisagem a doses cavalares de betão e que suja rios e ribeiros com toda a espécie de porcaria que possa lá despejar.

Ainda ninguém conseguiu enfiar na cabeça de muito bom português que, fora de casa deles, o espaço é de todos. Não é o espaço dos "outros" ou de "ninguém". É nosso. Colectivo. Deve ser respeitado e, se não for pedir muito, bem tratado.

A falta de cultura cívica do português, tema meio tabu, em que ninguém parece interessado em tocar, é transversal: ataca todos os estratos sociais. Os reflexos mentais são curtos, imediatos: "isto não é meu, que se lixe!" Toca a sujar, a conspurcar, a destruir, a maltratar, a enganar, a poluir. E quem não estiver bem, que se ponha melhor.

O choque nisto tudo era bem mais urgente. Só que é infinitamente mais difícil que o choque tecnológico. E, afinal, Portugal já tem tantos problemas para resolver...