Ora, façamos assim uma contabilidade rápida e rudimentar: as cidades do Porto, Gondomar, Maia, Matosinhos e Vila Nova de Gaia têm, juntas, 64 salas principais de cinema. Em 58 delas, estão a ser exibidos filmes norte-americanos. Basta consultar, por exemplo, o cartaz de cinema de hoje do jornal Público. Em Gondomar e Maia, a ocupação de cinema «made in USA» é de 100 por cento!
Agora, no mesmo jornal, uma espreitadela à programação cinematográfica das televisões nacionais. Dos nove filmes previstos para hoje na RTP1, SIC, TVI, Canal Hollywood e Lusomundo Premium, oito são norte-americanos. Salva-se O Nome da Rosa, uma co-produção entre a Alemanha, a França e a Itália...
Ora, se este panorama absolutista, esmagador de um ponto de vista estético, narrativo, cultural, linguístico e até mental, é bom para as cabecinhas que enchem as salas dos shoppings do Grande Porto e se enterram nos sofás televisivos do país, vou ali e venho já.
Ignacio Ramonet escreveu, há alguns anos, um livrinho, por alguns considerado exagerado e algo «conspirativo», em que denunciava precisamente este lamentável estado de coisas, no cinema, na televisão, na publicidade.
Em Propagandas Silenciosas, o director de Le Monde Diplomatique escreve que «a americanização dos nossos espíritos está de tal maneira avançada que denunciá-la, para alguns, parece cada vez mais inaceitável (...) A americanização penetra-nos pelos olhos. Com a temível eficácia de uma propaganda silenciosa.» E ainda: «Muitos cidadãos europeus são uma espécie de “transculturais”, mistos irreconciliáveis, possuindo um espírito americano numa pele de europeu. (...) O cinema, como se sabe, não contribuiu pouco para este estado de coisas.» O livro merece, inteiramente, uma releitura urgente.
Está na altura de gritar bem alto aos ouvidos dos distribuidores e programadores de cinema aquele slogan célebre dos Monty Python: e agora para algo completamente diferente!
Mas há sempre aquele probleminha do dinheiro, não é?...