A Caminho de Guantánamo era um DVD que o Pai Natal, em jeito de puxão de orelhas a cidadãos mal informados, nuns casos, pessimamente formados, noutros casos, deveria pôr no sapatinho de George W. Bush, Tony Blair, Donald Rumsfeld, Dick Cheney, Paul Wolfowitz, Paulo Portas, José Manuel Fernandes, José María Aznar, Durão Barroso, Pacheco Pereira, João Carlos Espada e no do mais distraído colunista de toda a história da imprensa portuguesa: Luís Delgado.
dezembro 24, 2006
dezembro 15, 2006
Parar para ver cinema
Greenaway tem razão: grande parte do cinema ocidental é demasiado verborreico. Tem texto a mais a impor-se à imagem. Poucas vezes se verifica o contrário. O povo é entretido com guiões romanceados ilustrados com fotografias em movimento.
O cinema (não confundir com filmes produzidos a martelo ou golpe marcial) que nos tem chegado do Oriente tem reposto uma certa, e refrescante, primazia da imagem.
Um exemplo recente é Ferro 3, do sul-coreano Kim Ki-duk. Passou discretamente nas salas e chegou há pouco tempo a DVD. Dois jovens invulgares conhecem-se, apaixonam-se, vivem uma vida estranha, quase sem proferirem uma palavra.
É um cinema sibilino. Vive do pequeno gesto, do toque à superfície, da eloquência do olhar, da placidez dos rostos. Deixa-nos um espaço amplo para a construção das personagens, que ora nos parecem vazias de sentido, ora nos fazem adivinhar um complexidade psicológica muito pouco óbvia. Permite-nos, para além disso, saborear a fotografia, o enquadramento, a cor, o contraste, a profundidade.
Em certo sentido, estamos perante um cinema purificador. Como o que Wong Kar-Wai, de Hong Kong, faz, de forma tocante, em Disponível para Amar.
Numa época de ditadura da actualidade, de urgência sem demora do "já e agora", de juventude hiperactiva e multitarefeira, de civilização "fast tudo", de cultura visual Playstation, às vezes, e parafraseando aquele anúncio da Becel, é bom parar, escutar o coração e ver filmes destes.
Em certo sentido, estamos perante um cinema purificador. Como o que Wong Kar-Wai, de Hong Kong, faz, de forma tocante, em Disponível para Amar.
Numa época de ditadura da actualidade, de urgência sem demora do "já e agora", de juventude hiperactiva e multitarefeira, de civilização "fast tudo", de cultura visual Playstation, às vezes, e parafraseando aquele anúncio da Becel, é bom parar, escutar o coração e ver filmes destes.
novembro 24, 2006
Lipovetsky: o indivíduo hipermoderno
Cada novo livro de Gilles Lipovetsky, autor do célebre A Era do Vazio, é uma tentação. O último acaba de ser publicado em Espanha, com o título Los Tiempos Hipermodernos.
Sinopse, também ela tentadora: «O "pós-moderno" chegou ao seu fim: passamos para a era "hipermoderna". Esta época caracteriza-se pelo hiperconsumo e o indivíduo hipermoderno: o hiperconsumo absorve e integra cada vez mais esferas da vida social e estimula o indivíduo a consumir para sua satisfação pessoal; o indivíduo hipermoderno, ainda que orientado para o hedonismo, sente a tensão que resulta de viver num mundo que se dissociou da tradição e enfrenta um futuro incerto. Os indivíduos estão corroídos pela angústia, o medo sobrepôs-se aos seus prazeres e a ansiedade à sua libertação.»
Esperemos qua alguma editora portuguesa esteja já a trabalhar no sentido de traduzir esta obra para português.
novembro 18, 2006
Uakti: ouro do Brasil
Eles tocam trompetim. Cachimbo. Borel. Taquará. Pius Pi. Sinos de madeira. Tatu. Panelário. Latinhas. Manfra. Trilobita. São mais de cinquenta instrumentos.
Eles tocam e fazem magia. Música celestial. Tocam Philip Glass, Bossa Nova, sonatas, samba. Tudo lindo. Chamam-se Uakti. O nome deriva de uma lenda indígena dos índios Tukano do Alto Rio Negro.
É descobri-los. Sem perder tempo. Têm um site impecável na Web, onde se pode entrar no universo musical deles.
Como podem tesouros destes permanecer tão desconhecidos em Portugal? Em bom brasileiro, como é que pode, cara?
novembro 17, 2006
novembro 11, 2006
Incidentes
Entro num salão de chá-restaurante vegetariano. Arquitectura clássica, retocada. Está quase vazio. É fim de tarde e duas velhinhas, muito velhinhas, conversam numa mesa ao fundo. O chá chega. Dos altifalantes sai a transmissão da missa da Rádio Renascença. Não há que enganar: estou na cidade dos bispos.
novembro 10, 2006
Antony na cidade dos bispos
Braga é, hoje, a capital dos fãs de Antony. Um herege na cidade dos bispos. Um dos maiores milagres da pop dos últimos anos. Aposto que vai ser um dos concertos do ano.
«Quem quer que se coloque perante Antony, é improvável que não repare no seu chorumento corpo gigante de fantasma branco, mas, para quem quer que o faça, será mais improvável ainda que não se deixe abismar perante a singular majestade da sua voz - um autêntico instrumento único e natural, capaz de atravessar com ínfimas delicadezas, e numa só nota, todos os falsettos que percorrem a gravidade dos espirituais». (José Miguel Gaspar, JN)
novembro 08, 2006
Yimou
Abram alas que vem aí um novo filme de Zhang Yimou. Este realizador chinês tem uma filmografia a todos os títulos brilhante, mas depois de Herói e de O Segredo dos Punhais Voadores, cada nova obra dele é um acontecimento.
A estreia, nos Estados Unidos, de Curse of the Golden Flower está marcada para 22 de Dezembro. A Sony já abriu o site oficial, onde podemos ver dois trailers e várias featurettes com entrevistas ao realizador e aos actores, entre os quais Gong Li (na foto).
A crer nas primeiras imagens, temos mais um épico imperdível à vista. Venha ele e depressa para Portugal.
outubro 29, 2006
outubro 27, 2006
Que se passa no Porto?
Se aplicarmos o critério da visibilidade noticiosa do Porto nos principais jornais portugueses, o Porto está morto.
O Porto, cidade e Área Metropolitana, está em morte lenta no Público. Moribundo no DN. Definhando no Expresso. Não existe no Sol. O Correio da Manhã tem mais em que pensar. O 24 Horas é para esquecer.
Só o JN, que tem sofrido na pele das suas páginas sérias queimaduras provocadas pela(o) capital, lá vai aguentando as suas páginas do Grande Porto. Um milagre.
Que se passa? É o péssimo feitio e estreiteza de vistas de Rui Rio? É a sujidade do rio Douro que afugenta as empresas, os "cérebros", os artistas, investidores, as elites, e as entrega nos braços da Quinta da Marinha? É a cidade histórica a cair de podre que deprime o pulsar da urbe? São as crateras lunares das ruas que dão cabo dos Jaguares?
Ou, então: será que no Porto não se passa mesmo nada?
O Porto, cidade e Área Metropolitana, está em morte lenta no Público. Moribundo no DN. Definhando no Expresso. Não existe no Sol. O Correio da Manhã tem mais em que pensar. O 24 Horas é para esquecer.
Só o JN, que tem sofrido na pele das suas páginas sérias queimaduras provocadas pela(o) capital, lá vai aguentando as suas páginas do Grande Porto. Um milagre.
Que se passa? É o péssimo feitio e estreiteza de vistas de Rui Rio? É a sujidade do rio Douro que afugenta as empresas, os "cérebros", os artistas, investidores, as elites, e as entrega nos braços da Quinta da Marinha? É a cidade histórica a cair de podre que deprime o pulsar da urbe? São as crateras lunares das ruas que dão cabo dos Jaguares?
Ou, então: será que no Porto não se passa mesmo nada?
outubro 22, 2006
Incidentes
À mesa do restaurante. Pai e mãe conversam, com pausas pelo meio. Filho e filha estão à mesma mesa, mas muito longe dali. Mergulhados, a quatro olhos, cada um na sua Playstation portátil. Família tradicional pós-moderna?
outubro 17, 2006
No Teatro Rivoli
Rui Rio e a Cultura têm umas contas de calculadora a ajustar. Mas isso não irá acontecer nesta vida. O presidente da Câmara do Porto persiste em não acertar uma tecla que seja do piano das artes. A cidade ressente-se. Com inteira razão.
O "caso" Rivoli está neste ponto: «A Câmara Municipal do Porto cortou a iluminação e colocou o ar condicionado no máximo do frio numa tentativa de acabar com o protesto de um grupo de actores e espectadores que se mantêm barricado há mais de 30 horas no Rivoli Teatro Municipal.»
O "caso" Rivoli está neste ponto: «A Câmara Municipal do Porto cortou a iluminação e colocou o ar condicionado no máximo do frio numa tentativa de acabar com o protesto de um grupo de actores e espectadores que se mantêm barricado há mais de 30 horas no Rivoli Teatro Municipal.»
O Publico.pt apanhou, bem, a polémica no ar e abriu um blogue, o No Teatro Rivoli. A provar que há boas ideias que ficam de graça.
outubro 08, 2006
Regresso a Citizen Kane
Algumas breves notas sobre a revisão (mais uma...) de Citizen Kane: um Orson Welles absoluto, grandioso, no papel do magnata da imprensa Charles Foster Kane; o jogo, brilhante, das personagens filmadas entre a luz e as sombras, numa impecável fotografia a preto e branco; elenco profissionalíssimo, com destaque para Joseph Cotten; um doseamento dramático bem conseguido.
Citizen Kane não é, como muitos apaixonados acreditam, o melhor filme de sempre. Mas é, sem dúvida, um marco incontornável na história do cinema.
outubro 06, 2006
De leituras: Mediatizados, nós?
Um tema interessante a pedir leitura urgente: os média contemporâneos estão a moldar as nossas vidas de formas completamente novas? O mundo, como já dizia Shakespeare, é mesmo um grande palco e nós meros actores?
O antropólogo e professor universitário norte-americano Thomas de Zengotita acha que sim. E desenvolve a ideia num livro que acaba de ser publicado: Mediatizados – Como os Média Moldam o Nosso Mundo e o Modo Como Vivemos.
Excerto da sinopse: «Do funeral da princesa Diana à perspectiva do terrorismo à escala global, de cenas de sexo na Sala Oval à política de cowboyada em terras distantes, Mediatizados guia-nos por cada departamento da nossa sociedade intensamente mediatizada. A cada esquina vemo-nos tal qual somos, mergulhados em opções, rodeados por representações e forçados por estas circunstâncias a transformar as nossas vidas em actuações. »
Excerto da sinopse: «Do funeral da princesa Diana à perspectiva do terrorismo à escala global, de cenas de sexo na Sala Oval à política de cowboyada em terras distantes, Mediatizados guia-nos por cada departamento da nossa sociedade intensamente mediatizada. A cada esquina vemo-nos tal qual somos, mergulhados em opções, rodeados por representações e forçados por estas circunstâncias a transformar as nossas vidas em actuações. »
Peter Preston, do Guardian, já leu e gostou. E deixa-nos, a nós, com uma grande vontade de partir para esta leitura.
setembro 25, 2006
Chostakovitch não é 'fashion'
Se os nossos canais de televisão não estivessem tão embrutecidos como, de facto, estão, seria de esperar que hoje, dia em que se assinala um século sobre o nascimento do compositor russo Dmitri Chostakovitch, considerado um dos maiores compositores do século XX, exibissem algum programa, filme ou concerto a propósito.
A RTP, por exemplo, lá nas catacumbas dos arquivos, ainda deve ter a cópia de um filme, realizado por Tony Palmer, sobre a vida de Chostakovitch. No papel principal, temos um muito convincente Ben Kingsley.
O canal estatal passou esta obra, cujo título original é Testimony, há muitos anos. Ficaram-me da obra boas recordações e uma grande vontade de descobrir a música de Chostakovitch. Não seria a noite de hoje excelente altura para uma reposição?
Qual quê... Temos, depois da meia-noite, E-Ring Centro de Comando, na RTP1, e a história de um elefante, na 2:. Nas privadas, nem, vale a pena falar. As noites estão entregues à bicharada.
Ontem, no Público, um bom trabalho sobre a efeméride. Hoje de tarde, na Antena 2, o destaque devido, e conhecedor, a Dmitri Chostakovitch.
A RTP, por exemplo, lá nas catacumbas dos arquivos, ainda deve ter a cópia de um filme, realizado por Tony Palmer, sobre a vida de Chostakovitch. No papel principal, temos um muito convincente Ben Kingsley.
O canal estatal passou esta obra, cujo título original é Testimony, há muitos anos. Ficaram-me da obra boas recordações e uma grande vontade de descobrir a música de Chostakovitch. Não seria a noite de hoje excelente altura para uma reposição?
Qual quê... Temos, depois da meia-noite, E-Ring Centro de Comando, na RTP1, e a história de um elefante, na 2:. Nas privadas, nem, vale a pena falar. As noites estão entregues à bicharada.
Ontem, no Público, um bom trabalho sobre a efeméride. Hoje de tarde, na Antena 2, o destaque devido, e conhecedor, a Dmitri Chostakovitch.
setembro 13, 2006
A face dos caídos
Bagdad está hoje a ferro e fogo. 60 corpos foram encontrados com sinais de tortura e quase 30 pessoas morreram num ataque contra a polícia. Para a generalidade dos ciberjornais portugueses, isto não está a ser notícia até agora (meio da tarde). Mas no Le Monde.fr, no New York Times ou no washingtonpost.com está.
No Post, vale a pena espreitar o trabalho Faces of the Fallen sobre todos os soldados norte-americanos mortos até agora no Afeganistão e no Iraque. São 2984. O jornal criou um registo com dados relativos a cada um deles.
Aviso: conteúdo verdadeiramente indigesto para neocons.
Aviso: conteúdo verdadeiramente indigesto para neocons.
setembro 12, 2006
'Geração blogue' em livro
Foi publicado há pouco tempo por cá, pela Editorial Presença. O título escolhido, Geração Blogue, não é brilhante, mas Giuseppe Granieri parece agarrar no tema de uma maneira interessante. Pelo menos, é a impressão com que se fica depois de uma primeira e rápida vista de olhos.
Para já, aqui fica a sinopse:
«Apesar de ser um fenómeno relativamente recente, em poucos anos os blogues conheceram uma difusão extremamente célere na Rede, impondo-se como um novo modelo de comunicação que põe diariamente em contacto e em confronto pessoas e ideias, transformando a Internet numa imensa infra-estrutura de discussão, e criando uma comunidade cuja única regra é a relação. Partindo destas características, Giuseppe Granieri procura responder a questões que relacionam os blogues, a informação, os media, a política e a democracia, e as regras que gerem e filtram todo este enorme ecossistema. Sustentado por exemplos concretos e actuais, este é um livro indispensável para compreender e acompanhar a revolução que os blogues estão a operar, em tempo real, no nosso quotidiano e que desafia a nossa visão do papel das novas tecnologias na sociedade num futuro não muito distante.»
«Apesar de ser um fenómeno relativamente recente, em poucos anos os blogues conheceram uma difusão extremamente célere na Rede, impondo-se como um novo modelo de comunicação que põe diariamente em contacto e em confronto pessoas e ideias, transformando a Internet numa imensa infra-estrutura de discussão, e criando uma comunidade cuja única regra é a relação. Partindo destas características, Giuseppe Granieri procura responder a questões que relacionam os blogues, a informação, os media, a política e a democracia, e as regras que gerem e filtram todo este enorme ecossistema. Sustentado por exemplos concretos e actuais, este é um livro indispensável para compreender e acompanhar a revolução que os blogues estão a operar, em tempo real, no nosso quotidiano e que desafia a nossa visão do papel das novas tecnologias na sociedade num futuro não muito distante.»
setembro 03, 2006
De olhares: um rapaz de Plutão
Dizia-nos o empregado da Blockbuster que este era o melhor filme do mês. Só que ninguém o alugava... E, de facto, as cópias lá estavam todas quietas na prateleira.
Breakfast on Pluto é uma história excêntrica, o que por si só é já um bom começo. A personagem principal mais excêntrica e "fora" é. Um rapaz que nasceu, fruto do "pecado" entre um padre e a sua empregada, para ser "ela" e não "ele", o que nos remete para aquela música do Antony em que ele canta o dilema: «today I am a boy, today I am a girl». A interpretação de Cillian Murphy no papel principal é muito bem conseguida.
Abandonado à nascença pela mãe, Patrick cresceu e passou a vida aos tombos na Irlanda conservadora e dividida dos anos 70, impreparada para tanto devaneio de identidade. Pano de fundo pesado: o IRA e as suas vítimas.
Neil Jordan, o realizador, cozinha tudo isto, em termos narrativos, de modo relativamente convencional. Mas é convincente ao recuperar o ambiente "glam" da década de 70. O filme está, aliás, recheado de músicas da altura, como Sugar Baby Love, dos The Rubettes logo a abrir, em registo vivamente revivalista.
Dito isto, gostei muito mais do trabalho que Jordan fez, por exemplo, em Entrevista com o Vampiro. De qualquer modo, passa-se um bom bocado com este 'pequeno-almoço em Plutão'.
Filmes similares recomendados pelo Travessias:
Jogo de Lágrimas, de Neil Jordan
Velvet Goldmine, de Todd Haynes
Priscilla, Rainha do Deserto, de Stephan Elliott
Tudo Sobre a Minha Mãe, de Pedro Almodóvar
20 Centímetros, de Ramón Salazar
Madame Satã, de Karin Aïnouz
Jogo de Lágrimas, de Neil Jordan
Velvet Goldmine, de Todd Haynes
Priscilla, Rainha do Deserto, de Stephan Elliott
Tudo Sobre a Minha Mãe, de Pedro Almodóvar
20 Centímetros, de Ramón Salazar
Madame Satã, de Karin Aïnouz
agosto 29, 2006
Górecki tranquilo
Os andamentos dizem muito sobre este disco do compositor polaco, contemporâneo e conterrâneo de Penderecki: Sostenuto tranquillo ma cantabile, lento, largo, tranquilissimo.
Górecki pega-nos suavemente pela mão e leva-nos a descer aos mistérios mais insondáveis desta música tranquila, que parece ser de um tempo por encontrar.
Ou como diria um escriba da American Record Guide: «Arranjem este disco, apaguem as luzes, comecem a ouvir e lembrem-se por que é que não se pode viver sem música.»
agosto 23, 2006
Café e Cigarros
Fumar em espaços fechados onde estão pessoas que não fumam é irresponsabilidade e grosseira falta de educação. Ponto. Qualquer fumador com dois dedos de testa concorda com restrições ao fumo em hospitais, empresas, restaurantes, comboios, aviões, recintos desportivos, etc.. Agora, alto lá com a paranóia que por aí anda à solta quanto à representação do tabaco na arte.
Proibir actores de fumar em palco (como representar Churchill sem o charuto?), apagar cenas de filmes em que a actriz fuma, trocar, em desenhos animados clássicos, uma caixa de cigarros por um colar ou riscar o cigarro do Tom atrás do Jerry é, em rigor, censura a um acto criativo e uma violação de um dos direitos do autor, que é o de ver respeitada a integralidade da sua obra. Ora, isso é, a todos os títulos, inadmissível.
Pelo andar da carruagem, daqui a uns tempos proíbem a exibição de Café e Cigarros, de Jim Jarmusch. O filme é todo ele feito à volta de café, cigarros e figuras conhecidas da música e do cinema (Roberto Benigni, Bill Murray, Tom Waits, Iggy Pop) em situações algo bizarras e divertidas.
Filmado a preto e branco, é uma proposta (como se diz na moda) muito interessante. Passa-se um bom bocado de cinema que, sem o fumo e a cafeína, não poderia pura e simplesmente existir.
Há, certamente, maneiras mais razoáveis de lidar com a infantilidade imitativa do homo sapiens.
Há, certamente, maneiras mais razoáveis de lidar com a infantilidade imitativa do homo sapiens.
agosto 21, 2006
agosto 17, 2006
TV Cabo raso
A TV Cabo está cada vez mais pimba, vergada ao popularucho mais asqueroso, com laivos de esoterismo de pechisbeque. Agora dá antena, ou melhor, cabo, a todo o tipo de vendedores da banha da cobra.
A machadada mais recente foi acabar com o canal GNT, que ainda conservava alguma decência na programação, e substituí-lo por uns apresentadores aprumadinhos de risca ao meio, que só de ver assusta.
Kama Sutra, tarot, cartomancia, misticismo, tudo o que esteja bem longe da razão, é o que está a dar. É sabido que, como dizia outro, Deus morreu e Marx também. Mas convém não exagerar.
Kama Sutra, tarot, cartomancia, misticismo, tudo o que esteja bem longe da razão, é o que está a dar. É sabido que, como dizia outro, Deus morreu e Marx também. Mas convém não exagerar.
Um zapping noctívago pelos canais da TV Cabo é uma experiência deprimente. Não dá nada de jeito. Salva-se um ou outro canal, com a BBC World e o Mezzo à cabeça. E lá se foi, há muito, esse bom luxo de minorias que era o Arte. O dinheiro, como se sabe, não vai com a cara das minorias. E era nisto que Pacheco Pereira devia pensar um pouco antes de defender a ideia absurda de privatizar tudo quanto é canal em Portugal.
Pouco há a esperar. A lógica das audiências lucrativas é implacável. Telespectador é mero número burro para fazer monte. Portanto, o mínimo agora é fazer como o Jesualdo e mudar de clube. Ou então sair para o terraço e contemplar as estrelas de Agosto.
agosto 15, 2006
agosto 11, 2006
Líbano: um mês de loucos
Faz agora um mês, o Hezbollah capturou dois soldados israelitas. A retaliação directa levada a cabo por Israel traduz-se, hoje, em 1032 libaneses mortos, a maior parte deles civis (entre eles uma quantidade hedionda de crianças), quase 3600 feridos e mais de 900 mil deslocados.
Isto não é Israel a lutar pela sua própria sobrevivência. É o retrato de um estado a afundar-se no seu próprio desespero.
A ler:
Lebanon under siege
A ler:
Lebanon under siege
agosto 09, 2006
Em defesa do "slow journalism"
Já é bem conhecido o movimento internacional "slow food", que defende a boa comida tradicional contra a avassaladora "fast food" de plástico e gorduras em excesso. Comer não é apenas deglutir apressadamente. É também um ritual de degustação e prazer. E assim é que está certo. Viva a "comida lenta", portanto.
Depois de ler uma notícia que vem hoje no Público, acerca de dois jornalistas de investigação veteranos - conhecidos por publicarem pouco mais de duas grandes estórias por ano, algumas galardoadas com o prémio Pulitzer - dispensados pela revista norte-americana Time, fico com vontade de subscrever um abaixo-assinado a favor da criação do movimento "slow journalism".
"Slow jornalism": jornalismo com o tempo que for preciso para investigar a sério uma boa estória. Jornalistas com gosto pela degustação do rigor, do pormenor, da profundidade, da persistência, da descoberta daquilo que outros querem esconder do (bem) público. Jornalismo de "chefes de mesa" com a espinha no sítio para aguentar a pressão do piri-piri das manchetes. Jornalismo nos antípodas do "fast journalism" que por aí abunda, gordo mórbido de notícias requentadas, de press-releases encapotados e de fretes consumados.
agosto 08, 2006
Incidentes
Dois homens, um deles velho, magro de tosse tabágica. Estão ao balcão da FNAC de Matosinhos. O mais novo tem pneu e bigode e gesticula muito. Tem um ar muito português. Ao fundo do balcão, um aviso sóbrio: «não fumar nesta zona». De repente, o bigodes latino passa-se. Urra: «Eu vou fumar aqui, tá a ouvir! Eu vou fumar aqui e mais nada!» Ao que o jovem empregado de balcão retorque, esmagado com tanta veemência bruta: «pronto, tá bem...»
Ao fundo do balcão, imaginei outro aviso: «a FNAC não serve cafés a bestas quadradas.»
Ao fundo do balcão, imaginei outro aviso: «a FNAC não serve cafés a bestas quadradas.»
julho 31, 2006
Inclinação para o massacre
O recente desvario facínora de Israel no Líbano fez-me recordar e reler uma passagem do livro A Ideia de Europa, de George Steiner:
«Somos bípedes capazes de sadismo indizível, ferocidade territorial, ganância, vulgaridade e todo o tipo de torpeza. A nossa inclinação para o massacre, para a superstição, para o materialismo e o egotismo carnívoro pouco se alterou durante a breve história da nossa estada na Terra.»
julho 28, 2006
Greenaway por ele mesmo
Acaba de ser colocado no mercado, pela Costa do Castelo Filmes, o DVD O ventre de um arquitecto, do realizador britânico Peter Greenaway. O filme é para rever com prazer garantido, mas o DVD traz um brinde cinéfilo fantástico.
Trata-se do documentário O alfabeto e o olho. É uma verdadeira aula de cinema dada pelo próprio Greenaway. O realizador explica a sua concepção de cinema e diz coisas que, para muitos cinéfilos, serão incómodas.
Por exemplo: um operador de câmara devia estudar pintura pelo menos durante três anos antes de alguém lhe passar uma câmara de filmar paras as mãos; os mais de cem anos que a história do cinema leva são constituídos maioritariamente por "textos ilustrados", isto é, filmes em que as imagens se limitam a apoiar a narrativa escrita; o cinema é uma arte boa de mais para ser deixada nas mãos de meros contadores de histórias.
O alfabeto e o olho inspira-se nos "mapas" (elementos, números, letras) que Greenaway usa nos seus filmes, nos quais a inspiração da pintura tem lugar de relevo. E ajuda-nos a ver as imagens em movimento com outro olhar.
julho 25, 2006
De olhares: 366 minutos de Itália
Seis horas de filme. Quatro décadas de Itália, mostradas a partir da história de uma família italiana, dos anos 60 até à actualidade. Obra de grande fôlego, filmada por Marco Tullio Giordana de forma sóbria, sensível e envolvente. A espessura das personagens, contrastada com momentos marcantes na vida colectiva de Itália, permite aguentar, sem quebras, a narrativa de... 366 minutos. A Melhor Juventude é para quem gosta de história com boas estórias dentro.
julho 23, 2006
Líbano
Já pode ser lido online um texto, lúcido e certeiro, que Vital Moreira escreveu recentemente no Público, a propósito do ataque israelita no sul do Líbano.
Começa assim: «Quando um Estado, para responder a uma acção bélica inimiga, resolve atacar alvos civis, matar gente inocente a esmo, destruir estradas e pontes, portos e aeroportos, centrais eléctricas e bairros urbanos, isso tem um nome feio: terrorismo. No caso, terrorismo de Estado. Na vertigem da violência que é o interminável conflito israelo-palestiniano, Israel adopta decididamente a mesma lógica fatal de que acusa os seus inimigos, ou seja, transformar os civis em carne para canhão.»
Vale a pena ler o resto de "Entre ruínas, ninguém leva a melhor".
Vale a pena ler o resto de "Entre ruínas, ninguém leva a melhor".
julho 15, 2006
Israel destrambelhado
A propósito da destrambelhada e desproporcionada intervenção militar na Faixa de Gaza e no sul do Líbano por parte de Israel - esse estado que, por vezes, se comporta como um verdadeiro terrorista - o Monde faz hoje, em editorial, uma síntese perfeita:
«Depuis l'arrivée de George W. Bush à la Maison Blanche, les Etats-Unis ont abandonné leur rôle d'" honnête médiateur" et collent à la politique d'Israël, quelle qu'elle soit. Les Russes n'ont pas de stratégie particulière, sinon celle de rendre la vie difficile aux Américains. Les Européens ont du mal à se faire entendre, faute d'exister politiquement. Et, comme l'a montré une pathétique prestation vendredi soir au Conseil de sécurité, l'ONU est impuissante : elle est le reflet de la mauvaise volonté de tout le monde.»
julho 11, 2006
Laurie Anderson, Casa da Música
Quem perdeu o espectáculo de Laurie Anderson no Teatro São João não pode dar-se ao luxo de a deixar escapar, esta quinta-feira, na Casa da Música.
Quem a conhece e gosta, vai bisar. Nem que seja para a ouvir ler uma lista telefónica.
Quem ainda não descobriu esta pérola de talento, imaginação e rasgo, tem agora uma oportunidade fantástica. E logo na Casa da Música!
Quem ainda não descobriu esta pérola de talento, imaginação e rasgo, tem agora uma oportunidade fantástica. E logo na Casa da Música!
julho 10, 2006
De olhares: um palácio de Calatrava
Santiago Calatrava, Palácio das Artes Rainha Sofia, Valência, 2005
julho 09, 2006
A razão do improviso
«Improvisar é como viver um transe espiritual, não é algo que se possa analisar através da razão. A essência da improvisação é permitir que a música surja por si mesma.»
julho 04, 2006
De ouvido: Kate Bush
julho 03, 2006
O Porto, por enquanto
Umas vezes, o Porto (cidade...) dá vontade de emigrar: ruas sujas, pessoas porcas, casas a cair, mamarrachos a pulular, passeios a rebentar, polícias por aparecer, carros a acelerar, mau humor a dar com um pau, a noite deserta e os vizinhos estranhos e as pessoas sós.
Outras vezes, a velha Invicta redime-se e enche-nos de satisfação. A bela festa do São João na Casa da Música, a Casa da Música, as sardinhas assadas num restaurante patusco, a nova Praça do Marquês, o Metro a tempo e horas e as suas estações de primeiro mundo, o Sakamoto, a Laurie Anderson e a Lila Downs por cá, o café do Guarani que sabe cada vez melhor, o do Majestic também só que é mais caro, a nova avenida "Sizenta" em frente à Câmara que nos deixa com muitas dúvidas, os plátanos imponentes do jardim de Arca D'água (que já viram o rabinho a muito autarca incompetente), as camélias que perfumam o ar, o inacreditável (por ser tão grande e tão bonito) Parque da Cidade. E esse país das maravilhas que são os jardins de Serralves, onde podemos suspender a cidade no tempo e no espaço.
E o mar. Há sempre o mar casado com o rio para onde fugir quando o betão enoja e a ignorância da política se torna nauseabunda.
E o mar. Há sempre o mar casado com o rio para onde fugir quando o betão enoja e a ignorância da política se torna nauseabunda.
junho 27, 2006
De olhares: Aldo Moro, por outro lado
Em Bom Dia, Noite, Marco Bellocchio mergulha, em jeito de teatro filmado, na intimidade de um dos episódios mais tristes da Itália dos anos 70: o rapto e assassínio do ex-primeiro-ministro Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas.
Bellocchio dá-nos a ver um Moro em cativeiro profundamente humanista e cristão, ao mesmo tempo que pinta com tintas fortes, quase caricaturais, o argumentário básico das utopias revolucionárias dos brigadistas, para quem os mais "altos interesses" do proletariado justificavam qualquer morte ou assassínio.
Chiara - afinal, a personagem principal - é a única que ao longo do filme desliza das cegas certezas revolucionárias, que extrai de leituras de Marx e Engels, para o degelo da dúvida e da sensibilidade. Vemo-la chorar quando ouve Moro ler uma carta em voz alta. Diz que é de raiva, mas nós, deste lado do ecrã, sabemos que está a mentir.
Num sonho final, Chiara liberta Moro, enquanto os restantes membros das Brigadas dormem. Vemos Moro a passear na rua, com um ar de quem vai partir de novo para a vida. Mas, como se sabe, o fim foi de pesadelo.
O filme, escrito pelo próprio realizador, ganhou o prémio de melhor contribuição artística individual pelo argumento no Festival de Veneza, em 2003. O melhor da música dos Pink Floyd lá aparece como banda sonora.
O filme, escrito pelo próprio realizador, ganhou o prémio de melhor contribuição artística individual pelo argumento no Festival de Veneza, em 2003. O melhor da música dos Pink Floyd lá aparece como banda sonora.
junho 22, 2006
Travessias Digitais
No Travessias Digitais, o meu blogue temático, tenho falado de novidades em ciberjornais, na febre da chamada Web 2.0, na concentração dos media e em problemas que afectam o jornalismo português.
junho 21, 2006
Estrangeirismos and so on
Os linguistas portugueses deviam inventar, rapidamente e em força, um mata-moscas para dar cabo de umas melgas que andam por aí a enxamear o português preguiçoso:
"product placement", "project finance", "happy slapping", "news center", "car wash", "health center", "share" de não sei quantos por cento, "body building", "franchising", "cluster", "step", "fitness", "body combat", "body balance", "kickboxing", "Arrabida Place", "body pump", "personal training" (os ginásios abusam que se fartam), "downsizing", and so on.
junho 20, 2006
O mestre só
«Ensinar sem uma grave apreensão, sem uma reverência perturbada pelos riscos envolvidos, é uma frivolidade. Fazê-lo sem considerar as possíveis consequências individuais e sociais é cegueira. O grande ensino é aquele que desperta dúvidas, que encoraja a dissidência, que prepara o aluno para a partida («Agora deixa-me», ordena Zaratustra). No final, um verdadeiro Mestre deve estar só.»
George Steiner, As Lições dos Mestres
junho 11, 2006
Sakamoto: reaprender a ouvir
«No nosso estilo de vida a música é mais um produto de consumo. O excesso de música faz com que estabeleçamos com ela uma relação de quase indiferença. Pelo excesso, nivelamo-la de igual forma - a boa e a medíocre. Precisamos de silêncio (...) Temos de reaprender a ouvir. Saber estar no silêncio, é o princípio.»
Ryuichi Sakamoto
junho 08, 2006
Flash deslumbrante
Quem, depois de ver e ouvir isto, disser mal da Web e dessas "modernices" da "Intermete", leva!
junho 03, 2006
Google Video com Sonny Rollins
O vídeo vai dando passos largos na Web. Os formatos diversificam-se, a oferta expande-se e até os solavancos nas imagens estão menos penosos.
Num dos passeios pelo ciberespaço, encontrei, no Google Video, um interessantíssimo mini-documentário (um trabalho em Flash), com a duração de dez minutos, sobre o lançamento do próximo álbum do colosso do saxofone Sonny Rollins:
Num dos passeios pelo ciberespaço, encontrei, no Google Video, um interessantíssimo mini-documentário (um trabalho em Flash), com a duração de dez minutos, sobre o lançamento do próximo álbum do colosso do saxofone Sonny Rollins:
junho 02, 2006
Um dia de cão
Muitos dos nossos iluminados deputados passam toda a legislatura em ambiente de silly season. Mas, quando a época balnear começa, a perturbação agrava-se. Pior agora, que andam todos desvairados com a selecção. Vai daí, sai disto:
«O PSD apresentou um projecto de resolução que visa a instituição de um "dia nacional do cão".»
Vossas Excelências querem mesmo ser levadas a sério?
maio 31, 2006
Esfaimados deputados
Depois da "balda da Páscoa", a "fominha do Mundial":
«Os cinco partidos com assento parlamentar acordaram ontem alterar a ordem de trabalhos da Assembleia da República, no próximo dia 21 de Junho, de forma a que a discussão plenária não coincida com a hora do jogo Portugal-México, a contar para o Mundial. A decisão, em conferência de líderes foi tomada por consenso, merecendo também a concordância do presidente da AR, Jaime Gama.» (DN)
A sorte destes esfaimados de bola, portentosos no tiro no pé parlamentar, é que estamos em Portugal. Já ninguém leva a mal...
maio 22, 2006
De olhares: Mitterrand e o jornalista
É um passeio pela história pessoal e política de François Mitterrand, mas é também a história de um jovem jornalista confrontado com a tarefa esmagadora de escrever as memórias daquele que foi uma das maiores figuras da história da França do século XX.
Donde, Uma Viagem pela história, realizado por Robert Guédiguian, pode ser visto através de dois ângulos, ambos estimulantes: o político e o jornalístico.
De Mitterrand, o essencial é mostrado ou sugerido ao longo do filme: o passado político rico e nebuloso, a filha "clandestina", a personalidade forte e culta, a luta política feroz, incluindo com a sua própria família política, etc..
Já o jovem jornalista, empregado numa revista, é uma personagem hesitante, assustada e indecisa perante a figura do presidente da República. A tarefa de o biografar absorve-o de tal modo que acaba por se divorciar. Oscila entre o deslumbramento pela figura de Mitterrand e o imperativo profissional de o confrontar com a "verdade", sobretudo em relação ao passado de alegadas ligações ao regime de Vichy.
O filme, ao contrário do que se poderia supor, não é esmagado pela figura de Mitterrand (interpretado, de forma brilhante, por Michel Bouquet). O realizador opta por dar espaço também à personagem do jornalista. E às suas contradições.
maio 18, 2006
De ouvido: Lisa Gerrard
Deste rosto sai uma voz do outro mundo. E digo isto quase literalmente. Etérea, profunda, mística, planante. Do passado? Do futuro? Talvez intemporal.
Chama-se Lisa Gerrard. Quem viu filmes como O Gladiador ou O Informador não estranhará tanto a sonoridade desta australiana que grava os seus discos mágicos no seu estúdio caseiro na Austrália rural.
Gerrard, que vem dos fabulosos Dead Can Dance, mistura muita coisa boa para os melhores ouvidos: Haendel, música iraniana, folk, ambiências mediterrânicas, asiáticas, árabes.
Aqui e ali, namora o canto gregoriano. Nos seus dois primeiros álbuns a solo, The Mirror Pool e Duality, há passagens que nos remetem, por exemplo, para a voz da soprano Montserrat Figueras, no magnífico El Cant de la Sibil-La (1400-1560), da editora AliaVox, de Jordi Savall.
Quando ouvida sem pruridos puristas ou limitações de casta musical, Gerrard é uma delícia absoluta. A luz de um bom par de velas é, por razões óbvias, um complemento indispensável à fruição melómana.
maio 12, 2006
Watergates
Agora que o "Watergate francês", como lhe chama a imprensa, está ao rubro, mostrando a parte mais sórdida e sinistra da política contemporânea, é uma boa altura para revisitar Os Homens do Presidente.
Este filme, realizado por Alan J. Pakula, é um clássico absoluto na relação entre o jornalismo e o cinema e acaba, finalmente, de ser lançado em DVD no mercado português pela mão da Warner.
Um mergulho minucioso no jornalismo de investigação (o mais nobre, o mais desprezado...) e na podridão total do sistema na era Nixon.
E a história repete-se.
E a história repete-se.
maio 01, 2006
Steiner e o anti-ensino
«Em termos estatísticos, o anti-ensino constitui praticamente a norma. Os bons professores - os que alimentam a chama nascente na alma do aluno - são talvez mais raros do que os músicos virtuosos ou os sábios.»
abril 25, 2006
De olhares: imagens bordadas
Bordadeiras é filmado com a delicadeza, o pormenor, a paciência, que a bordadeira põe na feitura dos seus panos. É uma fina narrativa cinematográfica, vincadamente feminina.
Éléonore Faucher tece em imagens as vidas de duas mulheres. Uma, mais velha, acaba de sofrer a perda de um filho. A outra, muito jovem, também bordadeira, engravida de pai ausente. Espera uma filha. Mas sofre os constrangimentos da pressão social numa pequena povoação francesa. Ambas as mulheres acabam por se encontrar nas suas perdas.
Uma história simples e bem contada.
abril 23, 2006
Iraque, 300 mil mortos
A todos os que apoiaram a invasão ilegal e bárbara do Iraque, a todos aqueles que carpiram lágrimas de júbilo ao verem a estátua de Saddam cair, proponho o seguinte: numa das próximas noites de insónia, em vez de contarem carneiros, contem civis iraquianos mortos. Um a um. Crianças. Homens. Mulheres. Jovens. Velhos. Um a um. De um a 300 mil.
E tenham muito bons sonhos.
A ler:
São 300 mil mortos no Iraque (Expresso, 22.04.2006)
abril 22, 2006
A bola dos deputados
No parlamento português há, de facto, um grupo de deputados empenhado, responsável, competente e com razoável sentido do dever. O resto é um "clube de homens" para esquecer. Não admira, pois, que haja tão poucas mulheres por aquelas bandas com pachorra para os aturar.
Ontem, no fórum da TSF, a deputada Maria de Belém explicava que as sessões só acabam a horas decentes quando aqueles muitos senhores deputados que se babam por bola, e cujas orgásmicas discussões sobre o filosofia do esférico dá para imaginar ali nos Passos Perdidos, têm muita pressinha para ir ver o derby do dia.
Outros metem-se mesmo no avião, voam até Camp Nou e dizem que foram em nobre representação parlamentar.
Outros ainda, como o deputado Narana Coissoró, acham a coisa mais natural do mundo que o parlamento pare quando há um Benfica-Barcelona.
Junte-se a isto episódios como a "balda da Páscoa" e outros pouco edificantes, que os cidadãos não chegam a conhecer, e temos, não uma verdadeira casa da democracia, mas um abastardamento foleiro da mesma com a assinatura dos seus principais inquilinos.
Ou muita desta gente, que é suposto representar condignamente os portugueses, perdeu por completo a noção do ridículo ou então nunca na vida a chegou a ter.
abril 20, 2006
De olhares: sob o céu da Suécia
Há pelo menos duas coisas tocantes que Como se fosse o céu, filme do sueco Kay Pollak, nos mostra: a força da música na comunhão dos seres e a possibilidade da comunicação onde ela não existe.
Tem um belíssimo final infeliz.
abril 15, 2006
De ouvido: Kind of Blue
Esta noite - chove bastante lá fora - bateram-me à porta do ouvido. Fui ver quem lá vinha. Era um velho grupo de amigos. Com um ar meio dos anos cinquenta, Miles, Coltrane e Evans perguntaram se podiam entrar e tocar um Kind of Blue, soprado de mansinho, no meu gira-discos. Oh, meus caros, e isso é pergunta que se faça?
abril 14, 2006
Democracia em part-time
Eles são eleitos para representar o povo que os elegeu. Mas muitos deles parecem ter mais que fazer. São advogados, gestores de empresas, dirigentes partidários, professores e por aí adiante.
Donde, para muitos dos nossos ilustres deputados, o Parlamento pouco mais é que um emprego em part-time. Vão ali dar uma perninha, assinam e vão às suas vidinhas. De vez em quando, lá levantam o braço.
Os círculos uninominais podem ter muitos defeitos, entre os quais a eventual diminuição da representatividade dos pequenos partidos. Mas têm uma virtude que seria bem terapêutica para os nossos deputados: a de os obrigar a prestar contas directamente ao seu eleitorado. Pelo que fazem e, sobretudo, pelo que não fazem.
A ler:
Parlamento: Carrilho, Marques Mendes, Portas e Jerónimo entre os mais faltosos
Maioria não vota diplomas do Governo
abril 12, 2006
É para esquecer
Nós por cá sofremos o pesadelo político Santana Lopes-Portas durante quatro meses. Os italianos gramaram a catástrofe Berlusconi durante a enternidade e um dia.
É um alívio indescritível quando esta gente deixa de conspurcar as democracias.
É um alívio indescritível quando esta gente deixa de conspurcar as democracias.
abril 10, 2006
De olhares: A Esposa Turca
História em vertigem de um homem e uma mulher que querem acabar com as suas vidas antes do tempo. O desespero do encontro. Desencontros. Desesperos. A descoberta do amor entre ruínas. Hamburgo em primeiro plano. Istambul pano de fundo. Tradição, religão. Modernidade, niilismo. Depeche Mode, Talk Talk. Banda sonora em interlúdios. Final infeliz.
abril 09, 2006
abril 07, 2006
Tabaco II: infantilização galopante
Tal como se esperava, a verborreia do "fundamentalismo anti-tabagista" aí está. Veja-se o editorial do DN de hoje, assinado por Helena Garrido:
«Fumar prejudica a saúde e é preciso condicionar o consumo de tabaco. Estamos todos de acordo. Mas já não estamos de acordo com esta fúria de ama-seca que se apossou do Estado, reflectida no fundamentalismo anti-tabagista e nas mais variadas regulamentações e proibições de escolhas privadas. As democracias ocidentais estão a gerar a infantilização de todos nós.»
Ora, o Estado deve intervir sempre que os cidadãos se revelem infantis e com a sua infantilidade prejudiquem gravemente o bem-estar dos outros. Por isso, o Estado deve, sim senhor, ser uma "furiosa ama-seca" quando a criançada adulta portuguesa se põe a conduzir bêbada, maltrata os seus bebés no conforto do lar, ou, claro está, se põe a fumar impunemente em qualquer lado, tipo «estou a fazer o que bem me apetece e se isso incomoda os outros, que se lixem!.» Querem atitude mais infantil?
Fumar num restaurante ou no escritório não é uma escolha privada. Privado é fumar em casa. Em locais públicos, é uma decisão pessoal com implicações públicas. Um pouco de John Stuart Mill não faria mal a este debate.
Cara Helena Garrido: as democracias ocidentais não estão a gerar a infantilização de todos nós. Estão, em muitos casos, é a tentar acabar com a infantilização galopante de muitos milhões de democratas do ocidente.
Ora, o Estado deve intervir sempre que os cidadãos se revelem infantis e com a sua infantilidade prejudiquem gravemente o bem-estar dos outros. Por isso, o Estado deve, sim senhor, ser uma "furiosa ama-seca" quando a criançada adulta portuguesa se põe a conduzir bêbada, maltrata os seus bebés no conforto do lar, ou, claro está, se põe a fumar impunemente em qualquer lado, tipo «estou a fazer o que bem me apetece e se isso incomoda os outros, que se lixem!.» Querem atitude mais infantil?
Fumar num restaurante ou no escritório não é uma escolha privada. Privado é fumar em casa. Em locais públicos, é uma decisão pessoal com implicações públicas. Um pouco de John Stuart Mill não faria mal a este debate.
Cara Helena Garrido: as democracias ocidentais não estão a gerar a infantilização de todos nós. Estão, em muitos casos, é a tentar acabar com a infantilização galopante de muitos milhões de democratas do ocidente.
abril 06, 2006
O tabaco, finalmente...
Em matéria de luta contra o tabagismo, o Estado português encontra-se estagnado na Idade Média. A discussão pública sobre este problema é de uma debilidade confrangedora: quem não gosta de (nem tem de, note-se) gramar com a nicotina dos outros em restaurantes, locais de trabalho, comboios, aviões, escolas ou mesmo até em certos hospitais é acusado de ser "fundamentalista da saúde". Até por ilustres colunistas de jornal. Estamos nisto. É o politicamente correcto de pernas para o ar.
Por isso, é de aplaudir a proposta do ministro da Saúde. Ele quer proibir que se fume em recintos fechados e aumentar a idade mínima para a aquisição de produtos de tabaco para os 18 anos. Elementar, não é? Em Espanha, Itália, Irlanda e muitos outros países isto já foi feito há muito. Que se saiba, não houve mortos nem feridos e as milionárias tabaqueiras também não faliram.
Agora que a proposta vai ser discutida publicamente, preparemo-nos para, uma vez mais, ouvir os fumadores gritarem "fascismo higiénico!" e outras alarvidades de quem está pouco habituado a repeitar os outros.
Este país exige cá uma pachorra...
abril 04, 2006
De ouvido: Wyatt, duas décadas depois
Andava à procura deste álbum, sem exagero, há quase duas décadas. Tinha de ser em vinil, o formato em que o passava na rádio lá da terra.
Encontrei-o, sem um risco sequer, na Louie Louie, ali na ondulante (o piso de paralelo é mesmo às ondas e covas) e mui portuense Rua do Almada, onde se misturam prédios a cair de podre, lojas de ferragens, artigos de borracha, candeeiros, fechaduras, pequenas oficinas, artesanato africano, discos de vinil para coleccionadores ou DJ's, roupas sixtie, outras com ar sado-maso e por aí adiante.
Pousada a agulha naquela mágica superfície preta aos risquinhos e pronto, o bom velho Old Rottenhat já cá cantava.
A (minha) geração que se ficou pelos Duran Duran certamente não saberá quem é este Robert Wyatt, que canta com uma voz magnífica em falsete. Em bom inglês, questionava, muito antes de Timor-Leste virar moda:
"Timor
East Timor
Who's your fancy friend, Indonesia?
What did Gillespie do to help you?"
Vinte anos depois, Old Rottenhat continua único na sua aparente candura, fresco na sua abordagem melódica e... tem uma capa lindíssima.
março 28, 2006
Volta depressa, Nanni!
Nanni Moretti é, por assim dizer, muito cá de casa. Há muitos anos. O seu Querido Diário rompeu vezes sem conta o nosso pequeno ecrã. E há-de continuar a brilhar. Portanto, um novo filme deste singular realizador italiano é sempre um grande acontecimento.
O senador Michele Bonatesta, da Aliança Nacional (partido de Gianfranco Fini, o segundo maior do governo de coligação liderado pela Força Itália), diz que Il Caimano (O Caimão), último trabalho de Moretti, é «a quintessência do tédio e do ódio a Berlusconi», procurando apenas transformar-se no «emblema da criminalização e demonização do primeiro-ministro». (DN)
Ora, quando um apaniguado dessa espécie de Jardim multimilionário obsceno que é Berlusconi diz isto de um filme, esse filme torna-se obrigatório.
Ritorna subito, Nanni!
março 27, 2006
Este teatro mata a sério
Hoje é Dia Mundial do Teatro. Óptimo dia para assistirmos a mais um acto de uma farsa monumental pejada de actores francamente medíocres:
«O Presidente norte-americano, George W. Bush, informou o primeiro-ministro britânico em 2003 que estava decidido a invadir o Iraque mesmo sem uma resolução da ONU e sem que alguma arma de destruição maciça tivesse sido encontrada, noticiou o New York Times.
Citando um memorando secreto britânico, o jornal refere que o Presidente norte-americano estava certo da inevitabilidade da guerra e deu a conhecer o seu ponto de vista a Tony Blair, num encontro dos dois políticos, na Sala Oval da Casa Branca a 31 de Janeiro de 2003.» (Expresso Online).
Ele há pancadas de Molière que precisavam de ser dadas, não no chão do palco, mas na cabeça dura de certos farsantes.
Travessias na memória:
Pornografia geopolítica
Criminosos de guerra
Mais papista que Bush
Garotada na defesa
Iraque, o desastre
De 1945 ao Iraque
Travessias na memória:
Pornografia geopolítica
Criminosos de guerra
Mais papista que Bush
Garotada na defesa
Iraque, o desastre
De 1945 ao Iraque
março 20, 2006
Séneca, lucidez com 2000 anos
«E é de facto assim: não é que tenhamos uma vida curta; nós é que a tornamos escassa e não é que ela não nos seja concedida em abundância; nós é que a desperdiçamos.»
«Como começamos de facto a viver apenas quando a vida vai acabar! Somos estúpidos ao esquecer-nos da nossa mortalidade e ao adiar os nossos planos de vida para quando tivermos cinquenta ou sessenta anos, visando começar a viver numa idade a que poucos chegam!»
«Mas aprender a viver exige uma vida inteira e, o que te pode surpreender ainda mais, é necessária uma vida inteira para aprender a morrer.»
março 09, 2006
Sampaio era outra música
Ontem, ao fim da tarde, a Antena 2 recuperou uma entrevista feita a Jorge Sampaio. O ex-presidente trouxera discos lá de casa para partilhar com os ouvintes da melhor rádio de Portugal: Mozart, Schumann, Beethoven, John Coltrane, Leonard Cohen...
A partir de hoje, o Palácio de Belém fica, por assim dizer, melodicamente mais pobre.
março 08, 2006
Frase idiota do ano
Pedro Rolo Duarte escreveu hoje, no DN, a propósito de um debate televisivo sobre a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aquela que é uma forte candidata a frase mais idiota do ano: «Pensei no que os anos me ensinaram: no jornalismo, quem não sabe fazer, ensina; e quem não sabe fazer nem ensinar, faz pareceres ou é crítico.»
março 02, 2006
Jornalismo e cinema: Clooney e Boorman
Este é dos tais filmes que dá para recomendar, sobretudo a jornalistas, estudantes de comunicação e docentes nesta área, de olhos fechados, isto é, sem ainda se ter visto: Boa Noite, e Boa Sorte, sob a batuta de George Clooney, teve uma estreia auspiciosa em Veneza. Estreia hoje nas salas portuguesas.
Eis a sinopse, retirada do Cinecartaz do Público.pt: «A acção de "Boa Noite, e Boa Sorte" decorre nos primórdios do jornalismo televisivo, na América dos anos 50. O filme retrata o conflito verídico entre Edward R. Murrow, um "pivot" pioneiro na América dos anos 50, e o Senador Joseph McCarthy e a Comissão do Senado das Actividades Anti-Americanas. Graças à sua vontade de esclarecer o público, o inovador Murrow e a sua dedicada equipa da CBS desafiam pressões da empresa e dos patrocinadores ao analisar as mentiras e as tácticas rasteiras de McCarthy durante a sua "caça às bruxas" aos comunistas.»
Já agora, para quem se interessa pela temática dos media e do jornalismo, recomendo ainda dois filmes que chegaram recentemente ao mercado de DVD de aluguer: Crónicas, uma produção México/Equador, realizada por Sebastián Cordero, e o horripilantemente titulado Um Amor em África, cujo título no original é bem mais decente, In My Country, realizado por John Boorman.
O que poderá ver no interessante Crónicas: «O programa de televisão “Uma hora com a Verdade” é transmitido todas as noites de Miami para toda a América Latina, com as histórias sensacionalistas mais fortes que se podem encontrar. Para um desses programas, o apresentador Manolo Bonilla (John Leguizamo) voa para o Equador, na companhia da produtora Marisa (Leonor Watling) e o operador de imagem Ivan (José Maria Yazpik), seguindo a pista de um violador e assassino de crianças, conhecido como “O Monstro de Babahoyo”. A morte acidental de uma criança leva os habitantes de uma pequena povoação a quase linchar Vinicio Cepeda (Damián Alcázar), um humilde vendedor de Bíblias. A intervenção de Manolo salva a vida do homem. É uma grande história para o programa. Vinicio é mesmo encarcerado, por homicídio involuntário, e oferece a Manolo informações sobre o “Monstro”, a troco de uma reportagem sobre a sua injusta situação. Manolo aceita, atraído pelo lado obscuro que pressente em Vinicio, e começa a quebrar todas as regras, decidido a ser ele o herói que detém o assassino com as suas próprias mãos.» (PT Gate)
E em Um Amor em África, um filme mediano, onde Juliette Binoche enche, uma vez mais, todo o ecrã: «Langston Whitfield (Samuel L. Jackson) é um jornalista do Washington Post, enviado à Africa do Sul para cobrir as sessões da Comissão da Verdade e Reconciliação. Ele está apreensivo em relação à viagem, tal como está céptico relativamente ao processo de reconciliação, sentindo que é apenas uma forma de os perpetradores escaparem ao castigo. Anna Malan (Juliette Binoche) é uma poetisa africana que cobre as sessões para a rádio estatal sul africana e NPR nos Estados Unidos. Anna é uma entusiasta do processo, tem um grande respeito pelas tradições africanas nativas e tem grandes esperanças relativamente ao seu país. Como membros da imprenssa internacional, Anna e Langston encontram-se e estão instantaneamente em desacordo relativamente às suas perspectivas opostas das sessões. Mas, com o tempo, a experiência compartilhada de ouvir os testemunhos comoventes e dolorosos aproxima-os cada vez mais.» (PTGate)
fevereiro 27, 2006
De ouvido: Dylan actual
fevereiro 24, 2006
Arnaldo é poesia
Amor é Prosa, Sexo é Poesia é um bom livro para os actuais cronistas da imprensa portuguesa lerem e ficarem deprimidos, excepto se se chamarem Manuel Pina, Ferreira Alves ou Ferreira Fernandes.
Publicada em forma de crónica no Globo e no Jornal do Brasil, a escrita de Arnaldo Jabor (sim, o cara que aparecia no Manhattan Connection) é uma explosão de criatividade, humor, acidez, frontalidade, beleza, ritmo, piada, invenção, amargura e ternura, ou seja, tudo aquilo que falha, ou falta, na esmagadora maioria dos cronistas dos principais jornais e revistas nacionais. São chatos de ler e não sabem escrever para leitor.
Jabor usa o "português com açucar" da escrita brasileira para nos deliciar, página a página, com as suas nostalgias do Rio de outrora, as recordações do avô inesquecível, o pai frio e distante, a vida rotineira da classe média carioca, os primeiros amores, as mulheres da vida de então e as de hoje (“os abismos das mulheres são venenosos, o seu mistério nos mata»), o carnaval que tinha outro sabor.
Aqui e ali, demole Bush e a América belicista, os terroristas fanáticos que actuam em nome do Islão, os políticos brasileiros corruptos, as mulheres que se resumem à condição de bunda, a frivolidade da sociedade de consumo. Tudo com imensa graça. Jabor é daqueles tipos que se pode dar ao luxo de escrever as coisas mais desagradáveis e frontais sem que o consigamos levar a mal.
Numa palavra: Amor é Prosa, Sexo é Poesia é um livro desempoeirado. Ainda bem. Para poeira, já basta a nossa.
O procurador, el matador
A fama do procurador Souto Moura já chegou a Espanha. Título do El País sobre o recente raid na redacção do 24 Horas: «"¡Levanten las manos del teclado!"
fevereiro 20, 2006
Para a Leonor, que acabou de chegar...
Isn't She Lovely
"Isn't she lovely
Isn't she wonderful
Isn't she precious
Less than one minute old
I never thought through love we'd be
Making one as lovely as she
But isn't she lovely made from love
Isn't she pretty
Truly the angel's best
Boy, I'm so happy"...
"Isn't she lovely
Isn't she wonderful
Isn't she precious
Less than one minute old
I never thought through love we'd be
Making one as lovely as she
But isn't she lovely made from love
Isn't she pretty
Truly the angel's best
Boy, I'm so happy"...
Stevie Wonder
fevereiro 13, 2006
Marcelo metralha
A rubrica dominical de Marcelo Rebelo de Sousa na RTP1 é um verdadeiro monólogo. Marcelo debita, ou melhor, metralha os argumentos em avalanche e a jornalista Sousa Dias limita-se praticamente a servir de microfone.
Sousa Dias é uma entrevistadora talentosa. Sabe ouvir. Mas, com Marcelo, limita-se quase só a ouvir. É uma pena. Melhor dizendo, é penoso.
fevereiro 10, 2006
Intolerâncias II
Vasco Pulido Valente, certeiríssimo, directo à essência da questão, no Público de hoje:
«Devemos tolerar o islão. Isto à superfície parece óbvio. Mas pede uma pergunta: também devemos tolerar a intolerância do islão?»
A tolerância subentende o princípio, razoável, da reciprocidade. Quando a tolerância não é mútua, há mutilação de uma das partes.
Freitas do Amaral explicava ontem, na SIC Notícias, que a minha liberdade de dar um murro em alguém termina a um milímetro do nariz desse mesmo alguém. Indiscutível. Só que a liberdade desse mesmo alguém me dar um murro termina igualmente a um milímetro do meu nariz. Quando ambas as partes se respeitam nas suas liberdades próprias, não há agressão.
A tolerância subentende o princípio, razoável, da reciprocidade. Quando a tolerância não é mútua, há mutilação de uma das partes.
Freitas do Amaral explicava ontem, na SIC Notícias, que a minha liberdade de dar um murro em alguém termina a um milímetro do nariz desse mesmo alguém. Indiscutível. Só que a liberdade desse mesmo alguém me dar um murro termina igualmente a um milímetro do meu nariz. Quando ambas as partes se respeitam nas suas liberdades próprias, não há agressão.
De olhares: Brokeback suave
Brokeback Mountain, o tal filme que o cowboy Bush já disse que não vai ver, é de registo suave. Não aquece muito, mas também não arrefece por aí além.
Para a imensa América puritana, será uma obra radicalmente intragável, esta de Ang Lee. Para o mundo cinéfilo que tenha visto Querelle, de Fassbinder, por exemplo, o forte candidato aos oscars deste ano é perfeitamente inofensivo.
Brokeback vale pelo desempenho convicente dos dois principais protagonistas, pelo argumento interessante e, sobretudo, pela fina ironia de colocar dois cowboys durões do Wyoming, que vieram a casar e a ter filhos com as respectivas mulheres, a transar no meio da montanha num romance que atravessou duas décadas na clandestinidade. Acresce que a montanha em si é deslumbrante.
E pronto, o resto vai servir para aquecer a noite dos oscars e provocar montes de sorrisinhos amarelos de incomodidade aparvalhada.
fevereiro 08, 2006
Liberdades III
Vicente Jorge Silva, no DN de hoje:
«Em todo o caso, os fundamentalistas já podem cantar vitória: criaram um novo tabu e um novo factor de intimidação à liberdade de imprensa como valor essencial das sociedades seculares e democráticas. A prova está nas reacções temerosas e culpadas das diplomacias ocidentais, incluindo a americana, numa quase admissão da legitimidade da violência cega do fanatismo islamita. Só faltava desculparem-se pelo facto de a liberdade de imprensa ser politicamente incontrolável em democracia, o que os fundamentalistas, obviamente, se recusam a aceitar.»
Vale bem a pena ler o texto na íntegra: Caricaturas de Maomé e caricatura da democracia
«Em todo o caso, os fundamentalistas já podem cantar vitória: criaram um novo tabu e um novo factor de intimidação à liberdade de imprensa como valor essencial das sociedades seculares e democráticas. A prova está nas reacções temerosas e culpadas das diplomacias ocidentais, incluindo a americana, numa quase admissão da legitimidade da violência cega do fanatismo islamita. Só faltava desculparem-se pelo facto de a liberdade de imprensa ser politicamente incontrolável em democracia, o que os fundamentalistas, obviamente, se recusam a aceitar.»
Vale bem a pena ler o texto na íntegra: Caricaturas de Maomé e caricatura da democracia
fevereiro 07, 2006
Liberdades
O Público teve a feliz ideia de publicar, na sua edição de ontem, uma Brevíssima história da liberdade de expressão. As citações atravessam séculos de história e vão de Sócrates a Chomsky. Vale a pena transcrever algumas:
«Num estado livre, também as línguas devem ser livres.» Erasmo de Roterdão , 1516.
Esta é um já um clássico: «Detesto o que o senhor escreve, mas daria a minha vida para tornar possível que continuasse a escrever.» Voltaire, 1770.
Ao seu bom velho estilo: «Goebbels era a favor da liberdade de expressão para as opiniões de que gostava. Estaline também. Quando se é a favor da liberdade de expressão, então é-se a favor da liberdade de expressão precisamente para opiniões que se desprezam.» Noam Chomsky, 1992.
As religiões nunca irão entender isto.
fevereiro 04, 2006
Intolerâncias
O primeiro-ministro dinamarquês tem toda a razão (a razão anda cada vez mais arredada das religiões) ao recusar pedir desculpa pelo facto de jornais do seu país terem publicado caricaturas de Maomé.
Tem razão Rasmussen ao explicar que o seu governo «não controla os meios de comunicação, são livres» e que por isso não pode pedir desculpa em nome deles. Tem razão ao lembrar aos muçulmanos que a liberdade de imprensa, sátira incluída, é um valor insubstituível na Dinamarca. Revela falta de coragem e clarividência a parte da classe política dinamarquesa que condena Rasmussem por defender estas razões.
Tiveram coragem jornais de outros países que publicaram caricaturas de Maomé como forma de afirmarem esse valor-chave das democracias ocidentais que é a liberdade de expressão. Foi o caso do diário espanhol El País.
De facto, as crenças religiosas, sejam elas quais forem, não devem, não podem, impor-se à liberdade de expressão onde quer que esta exista. Que isso aconteça em países muçulmanos, liberdade deles, problema deles. Que esses países queiram impor ditames de liberdade a outras civilizações, isso é revelador, no mínimo, de uma noção de tolerância civilizacional intolerável.
Mas as intolerâncias de raiz religiosa não escolhem religião. Há anos, defendi o direito que o cartonista do Expresso António tinha de caricaturar o Papa pondo-lhe um preservativo no nariz. Na altura, o povo católico também se levantou em coro contra a publicação deste boneco.
É precisamente nestas alturas que a liberdade, como valor absoluto, deve levantar-se e falar mais alto.
De facto, as crenças religiosas, sejam elas quais forem, não devem, não podem, impor-se à liberdade de expressão onde quer que esta exista. Que isso aconteça em países muçulmanos, liberdade deles, problema deles. Que esses países queiram impor ditames de liberdade a outras civilizações, isso é revelador, no mínimo, de uma noção de tolerância civilizacional intolerável.
Mas as intolerâncias de raiz religiosa não escolhem religião. Há anos, defendi o direito que o cartonista do Expresso António tinha de caricaturar o Papa pondo-lhe um preservativo no nariz. Na altura, o povo católico também se levantou em coro contra a publicação deste boneco.
É precisamente nestas alturas que a liberdade, como valor absoluto, deve levantar-se e falar mais alto.
fevereiro 03, 2006
Espanha cresce
A Espanha, como se sabe, tem registado um crescimento económico espantoso, ainda mais se comparado com as nossa raquítica economia. Mas os espanhóis, pela mão de Zapatero, têm "crescido" ainda mais a nível social: separando claramente as águas entre igreja e Estado (em Portugal, mantém-se a nebulosidade); permitindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo (em Portugal, a classe política assobia para o lado); proibindo o fumo em locais públicos, de trabalho, restaurantes, etc. (em Portugal, há médicos que fumam em hospitais e os políticos, esses, continuam a fumar para o lado sobre o assunto); não condenando à prisão mulheres que abortam (em Portugal, continuamos, neste capítulo, na Idade Média).
Mas a Espanha permite ainda os touros de morte. Enfim, ninguém é perfeito...
Mas a Espanha permite ainda os touros de morte. Enfim, ninguém é perfeito...
fevereiro 02, 2006
De ouvido: Joni Mitchell
janeiro 30, 2006
De olhares
A próxima vez que me perguntarem qual é a minha religião (coisa que, aliás, hoje ninguém pergunta, receando talvez a resposta), respondo com aquela frase do personagem do filme Exílios, de Tony Gatlif: «A minha religião é a música».
Por causa desta religião, nunca houve nenhuma guerra.
Por causa desta religião, nunca houve nenhuma guerra.
janeiro 13, 2006
janeiro 06, 2006
Agora, um pássaro
Meio a sério, meio a brincar, há quem diga que quando ouve Antony cantar fica com vontade de cortar os pulsos.
Não é, definitivamente, caso para tão desesperado acto, mas Antony tem, de facto, uma voz que puxa sobremaneira para o lado do trágico. Um trágico abismal em que pouco demoramos a mergulhar, sem grandes resistências, diga-se de passagem.
Os dois únicos álbuns desta figura exótica, dilacerada por ambiguidades de natureza sexual, foram uma das melhores descobertas melómanas de 2005. Chegaram por mão amiga, estava já 2006 à vista. E conquistaram aqui a casa num fósforo de uma lareira.
Estilo? Recorro à ajuda do All Music Guide: pop de câmara, cabaret. Com Lou Reed e Rufus à mistura, no belíssimo I'm a bird now.
Antony and the Johnsons: um nome a fixar, seguir e ouvir. Mais vale tarde que nunca...
janeiro 03, 2006
Votos impressos para 2006
Em 2006, gostava que os jornais portugueses que leio (Público, DN e Expresso à cabeça) fizessem mais jornalismo de investigação (já ouço as gargalhadas do pessoal nas redacções...); contextualizassem melhor os assuntos; me chapassem muito menos com o telejornal da noite anterior nas páginas; mandassem a agenda das conferências de imprensa e dos bitaites dos políticos de serviço às malvas; mandassem alguns colunistas profundamente chatos, nuns casos, e altamente duvidosos, noutros casos, dar uma volta ao bilhar grande do 24 Horas, esse excelente diário de trágica qualidade; apostassem, a sério, na reportagem fotográfica e na infografia; abandonassem de vez as tentações fashion, people e de humor de pechisbeque, do tipo que o Expresso faz na sua Revista; abrissem as páginas a novas áreas temáticas.
Enfim, já sei, são votos de um simples leitor. Do outro lado, isso exigiria bons "patrões", bons directores, bons editores, bons repórteres... E, do lado de cá, bons leitores, claro.
Mas esse país assim ainda está por inventar.
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