
Porto, 2007
«Despertar noutro ser humano poderes e sonhos além dos seus; induzir nos outros um amor por aquilo que amamos; fazer do seu presente interior o seu futuro: eis uma tripla aventura como nenhuma outra.» George Steiner
«Vive-se uma era em que todas as esferas da vida social e individual se encontram, de uma forma ou de outra, reorganizadas segundo os princípios da ordem consumista.»
Há dias, o Público fez uma pré-publicação de Deus não é grande - Como a religião envenena tudo, um livro de Christopher Hitchens, jornalista, colaborador da revista Vanity Fair e professor convidado de estudos liberais na New School.
Os tempos são de individualismo e consumismo. Cada um por si. Alguém que se preocupe com os outros. Mas, serão felizes as pessoas que vivem apenas para si ou, quando muito, para os que lhes são mais próximos? Peter Singer acha que não. E escreveu um livro sobre o assunto. O professor de bioética na Universidade de Princeton parte de perguntas retóricas simples: Como havemos de viver? Há ainda alguma coisa pela qual viver? Haverá algo a que valha a pena dedicarmo-nos, além do dinheiro, do amor e da atenção à nossa família? A resposta é: sim. Como? Vivendo «uma vida ética».
Para percebermos, com rigor, o que é, na visão do autor, «viver uma vida ética», temos de perceber as suas posições relativamente à avidez generalizada pelo dinheiro, ao consumismo impulsivo e desenfreado, ao vazio deixado pelo recuo da moral, ao egoísmo natural (ou não) dos homens, à natureza da ética. Estes temas são percorridos, com desenvoltura e clareza, ao longo de toda a obra.
Então, ”Como havemos de viver?” «Aqueles que agem eticamente escolhem um modo de vida alternativo, contrário à procura tacanha, acumuladora e competitiva do interesse próprio, que, como vimos, domina agora o Ocidente e já não é posta em causa nem nos antigos países comunistas.»
Moral da história deste livro: pensem um pouco mais nos outros para o bem-estar de todos.
Certos autores são como velhos amigos: a garantia de um prazer renovado a cada novo encontro. Lipovestky é um deles. O ensaio A Felicidade Paradoxal chegou-nos há pouco:
O texto de Zygmunt Bauman faz jus ao título do livro: é líquido. Nem sempre é fácil acompanhar a liquidez de raciocínio e de escrita do autor de Amor Líquido - Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Os temas tratados, esses, são sólidos quanto baste: a fragilidade, a volatilidade, a descartabilidade dos laços e afectos que marcam as relações humanas da nossa "modernidade líquida". Não é fácil discordar com Bauman no tocante ao que define como «amor líquido». Basta olhar para o que se passa à nossa volta: divórcios em catadupa, triunfo das relações efémeras, cultivo de amizades instantâneas, tipo "Hi5", e, sobretudo, nada de grandes compromissos. Relacionamentos para toda a vida? Passou à história.
Logo no início do livro, que o sociólogo polaco dedica aos riscos e ansiedades de se viver junto, e separado, lê-se: «No nosso mundo de furiosa "individualização", os relacionamentos são bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro. Durante a maior parte do tempo, esses dois avatares coabitam - embora em diferentes níveis de consciência. No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos de ambivalência. É por isso, podemos garantir, que se encontram tão firmemente no cerne das atenções dos modernos e líquidos indivíduos-por-decreto e no topo da sua agenda existencial.»
Bauman não se limita a identificar padrões de comportamento ou tendências em vias de consolidação: sobre ambos tem uma perspectiva, diríamos, sem qualquer teor pejorativo, conservadora. Percebe-se que valoriza relações mais sólidas, sobretudo quando escreve sobre quem passa a vida a mudar de parceiros ou a ter relações sexuais tipo "fast food". É o vazio que os espera no final de cada experiência efémera.
Nalgumas passagens, em que fala sobre amor filial, Bauman é quase provocador: «Esta é uma época em que um filho é, acima de tudo, um objecto de consumo emocional.» Difícil de digerir, ou de reconhecer, para muitos pais. Mas pertinente.
Mais à frente, Bauman procura relacionar os hábitos consumistas, triunfantes, com os novos hábitos de “consumir” pessoas como se fossem produtos, para usar e descartar de seguida de forma a abrir espaço a novos produtos. Os relacionamentos como aquisição, o outro como objecto de consumo:
"O desvanecimento das habilidades de sociabilidade é reforçado e acelerado pela tendência, inspirada no estilo de vida consumista dominante, a tratar os outros seres humanos como objectos de consumo e a julgá-los, segundo o padrão desses objectos, pelo volume de prazer que provavelmente oferecem e em termos do seu "valor monetário". Na melhor das hipóteses, os outros são avaliados como companheiros na actividade essencialmente solitária do consumo, parceiros nas alegrias do consumo, cujas presença e participação activa podem intensificar esses prazeres. Nesse processo, os valores intrínsecos dos outros como seres humanos singulares (e assim também a preocupação com eles por si mesmos, e por essa singularidade) estão quase a desaparecer de vista. A solidariedade humana é a primeira baixa causada pelo triunfo do mercado consumidor.»
Nada meigo, este Bauman.
A parte final do livro é um libelo contra a xenofobia e uma análise do medo em relação ao estranho, aos que vêm de longe, os “sem território”. Paulo Portas aparece citado. Pelas piores razões, como seria de calcular.
Pedro Rios assina hoje, no Público, uma crítica primorosa ao concerto, anteontem, no Theatro Circo, de David Sylvian.
Chegou, finalmente. O DVD de A Dupla Vida de Véronique, de Krzysztof Kieslowski, acaba de ser colocado no mercado português pela mão da Costa do Castelo Filmes. Com direito a documentário sobre o realizador e a uma entrevista com a actriz principal, Irène Jacob.
Robert Wyatt, o inglês com «a voz mais triste do mundo» (Sakamoto dixit), em entrevista ao Público, sexta-feira passada, suplemento Ípsilon:
A Birmânia vista pelo olhar de fotógrafos da agência Magnum. Cartier-Bresson incluído. Burma, behind the Conflit.
Naqoyqatsi, o último filme/documentário da trilogia Qatsi (ver as duas entradas anteriores), é uma experiência alucinante. A sucessão de imagens, trabalhadas ao pormenor, por vezes de uma complexidade extrema, deixa-nos quase sem fôlego. Chegamos ao fim com o prazer e a sensação de que é necessário voltar ao princípio.
Enquanto Koyaanisqatsi (ver entrada anterior) lida com o desequilíbrio entre a natureza e as sociedades modernas do (rico) hemisfério norte, Powaqqatsi mostra-nos a escala humana, o trabalho, a diversidade cultural, as tradições e, sim, a pobreza de povos de África, da Índia, do Médio Oriente, da América do Sul.
A trilogia de documentários Qatsi, do realizador Godfrey Reggio, demorou mais de duas décadas a ficar completa. Koyaanisqatsi (1982), Powaqqatsi (1998) e Naqoyqatsi (2002) são um verdadeiro monumento, em sons e imagens, erguido ao nosso desequilibrado, massacrado, perigoso e fascinante planeta.
Bem vistas as coisas, para qualquer cinéfilo que se preze, Fellini, que dizia que seria uma boa ideia os críticos verem os filmes como se fossem espectadores normais, é um chato. Põe a fasquia de tal modo elevada que nos deixa com a impressão de que todos os filmes que vimos nas últimas 37 semanas não passam de fancaria cinéfila. Perda de tempo. Desperdício visual. Penúria estética.
Este acabou de chegar. Em vinil, gravação excelente, preço de saldo. É considerada uma das melhores bandas sonoras criadas por Philip Glass, que tocou para nós, há pouco tempo, no Theatro Circo.
Quando um livro, logo a abrir, nos faz perguntas certeiras e pertinentes, só há uma coisa a fazer: comprá-lo logo e lê-lo sem demora:
Anos mais tarde, Michael Nyman veio à Casa da Música acompanhar com a sua música o mesmo filme. Mas o espectáculo não resultou tão bem. As paisagens sonoras da Cinematic levam a melhor.
Uma das mais recentes bandas sonoras que produziu foi a do filme Diário de um Escândalo, estreado há pouco tempo em Portugal. Neste vídeo, o próprio Glass explica como foi o processo de composição:
Leonard Cohen anda há quase 40 anos na vida dos discos. Continua a ser um dos mais «fascinantes e enigmáticos» poetas/cantores/compositores vivos. Tem uma obra monumental, este canadiano. Impossível de resumir num qualquer post blogueiro.