outubro 26, 2007

Sobre a fragilidade dos laços humanos

O texto de Zygmunt Bauman faz jus ao título do livro: é líquido. Nem sempre é fácil acompanhar a liquidez de raciocínio e de escrita do autor de Amor Líquido - Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Os temas tratados, esses, são sólidos quanto baste: a fragilidade, a volatilidade, a descartabilidade dos laços e afectos que marcam as relações humanas da nossa "modernidade líquida".

Não é fácil discordar com Bauman no tocante ao que define como «amor líquido». Basta olhar para o que se passa à nossa volta: divórcios em catadupa, triunfo das relações efémeras, cultivo de amizades instantâneas, tipo "Hi5", e, sobretudo, nada de grandes compromissos. Relacionamentos para toda a vida? Passou à história.

Logo no início do livro, que o sociólogo polaco dedica aos riscos e ansiedades de se viver junto, e separado, lê-se: «No nosso mundo de furiosa "individualização", os relacionamentos são bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro. Durante a maior parte do tempo, esses dois avatares coabitam - embora em diferentes níveis de consciência. No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos de ambivalência. É por isso, podemos garantir, que se encontram tão firmemente no cerne das atenções dos modernos e líquidos indivíduos-por-decreto e no topo da sua agenda existencial.»

Bauman não se limita a identificar padrões de comportamento ou tendências em vias de consolidação: sobre ambos tem uma perspectiva, diríamos, sem qualquer teor pejorativo, conservadora. Percebe-se que valoriza relações mais sólidas, sobretudo quando escreve sobre quem passa a vida a mudar de parceiros ou a ter relações sexuais tipo "fast food". É o vazio que os espera no final de cada experiência efémera.

Nalgumas passagens, em que fala sobre amor filial, Bauman é quase provocador: «Esta é uma época em que um filho é, acima de tudo, um objecto de consumo emocional.» Difícil de digerir, ou de reconhecer, para muitos pais. Mas pertinente.

Mais à frente, Bauman procura relacionar os hábitos consumistas, triunfantes, com os novos hábitos de “consumir” pessoas como se fossem produtos, para usar e descartar de seguida de forma a abrir espaço a novos produtos. Os relacionamentos como aquisição, o outro como objecto de consumo:

"O desvanecimento das habilidades de sociabilidade é reforçado e acelerado pela tendência, inspirada no estilo de vida consumista dominante, a tratar os outros seres humanos como objectos de consumo e a julgá-los, segundo o padrão desses objectos, pelo volume de prazer que provavelmente oferecem e em termos do seu "valor monetário". Na melhor das hipóteses, os outros são avaliados como companheiros na actividade essencialmente solitária do consumo, parceiros nas alegrias do consumo, cujas presença e participação activa podem intensificar esses prazeres. Nesse processo, os valores intrínsecos dos outros como seres humanos singulares (e assim também a preocupação com eles por si mesmos, e por essa singularidade) estão quase a desaparecer de vista. A solidariedade humana é a primeira baixa causada pelo triunfo do mercado consumidor.»

Nada meigo, este Bauman.

A parte final do livro é um libelo contra a xenofobia e uma análise do medo em relação ao estranho, aos que vêm de longe, os “sem território”. Paulo Portas aparece citado. Pelas piores razões, como seria de calcular.