janeiro 03, 2004

Aqui há gato

Até o cidadão mais distraído deste país, mesmo aquele que começa o dia com a Bola e o termina com o Record, se apercebe facilmente de que, no processo Casa Pia, há muita bota que não bate com a perdigota.


Entre as diversas histórias mal contadas, no entanto, uma começa a distinguir-se pela sua natureza selectiva (dir-se-ia cirúrgica no jargão militar): a da cor partidária dos nomes expostos na praça pública.


Neste particular, parece cumprir-se uma estranha lei das probabilidades: quando se é do PS, a probabilidade de o nome sair chapado num jornal e depois amplificado pelo resto da trupe mediática tem-se revelado substancialmente mais elevada do que quando se é membro dos restante partidos. Quando o partido é o do governo, parece que aquela probabilidade mirra de forma significativa.


Veja-se a velocidade com que os nomes de Jorge Sampaio e António Vitorino foram cuspidos pela comunicação social e tornados em escandaleira nacional logo a abrir 2004. Observe-se, por contraponto, o caso silencioso (silenciado?) de um ex-ministro do actual governo cujo nome, com fotografia, saiu, há já alguns meses, na primeira página do Correio da Manhã como tendo sido referido no processo Casa Pia. Nem uma linha nos outros jornais no dia seguinte. Nem um tugido nas rádios. Nem centelha de repercussão nas televisões, tão lestas se têm mostrado a disparar sobre outros nomes. Estranho, não é? O ministro, entretanto, demitiu-se.


Cabala política? Omerta (lei do silêncio) mediática? Pesos e medidas à medida de quem manda? Meras coincidências? Propensão partidária selectiva para certos desvios sexuais? Jogadas de alto risco com o segredo de justiça? Luta de galos de barra de tribunal? Intoxicação judicial? O cidadão comum, desarmado de escutas telefónicas ou detectives privados, não tem meios para chegar a certezas. Mas, tendo em conta aquilo que é possível ir seguindo a olho nu, há pelo menos uma conclusão simples e legítima que pode tirar: aqui há gato.