Fora delas, o caótico é outro. Vale tudo. Mesmo tudo, que o sr. presidente da Câmara deixa. Casas «à la franciou» namoram com gaiolas de zinco mal atamancadas, bem à portuguesa. Azulejos «tutti frutti» baralham o olhar com cores berrantes em mosaico imaginativo e aleatório. Ziguezagues, altos e baixos, largas e estreitas, sem rei nem roque nem nada, as habitações dão biqueiros violentos na paisagem numa alegre bebedeira arquitectónica e urbanística. Fabriquetas e oficinas, juntinhas ali, a condizer com a piscina e o campo de ténis do patrão. Barracos e barracões, pedreiras e serrações florescem nos mais recônditos sítios. Explodem mamarrachos de cinco andares nos picos dos montes. Ou então, melhor ainda, eclodem montanhas de sucata de carros amontoados junto a postes de alta tensão.
Portugal deveria ser transformado num caso-estudo. Talvez com um título do género: «Desconstrução analítica do gosto peculiar do lusitano na arte de rebentar impunemente com o património natural». Impunemente, sim. Sítios há onde o tempo parece ter parado, um tempo onde as autoridades não chegam, os institutos do património não contam, a fiscalização não existe, os tribunais desconhecem, as câmaras destroem, os arquitectos recebem, o mau gosto, ou melhor, a total ausência de gosto triunfa para gáudio dos porcos lá da terrinha.
Sair de uma grande cidade para o resto da paisagem pode constituir, para um observador atento, uma experiência perfeitamente agoniante. É de crer que, se a maior parte dos portugueses tivesse uma apurada noção do real estado paisagístico do seu país, há muito tinha emigrado em massa para o sul de Espanha.