Excelente o documentário sobre Akira Kurosawa na RTP2. Nesse dia, domingo à tarde, havia passado, em canais diferentes, pela enésima vez, O professor Chanfrado e mais um Arma Mortífera. Enquanto se repetem, ad nauseum, as receitas garantidas de Hollywood, outro cinema, (o cinema?), é remetido à clandestinidade audiovisual. Cada vez mais.
Os filmes de Kurosawa têm uma gramática dificilmente enquadrável na esquizofrenia concorrencial das televisões generalistas, dadas, em preocupante crescendo, ao espectacular, ao grotesco, ao rasca, ao popularucho. Os canais portugueses chafurdam já, em certos horários, ao nível do esgoto. E prometem piorar. O canal 2 ainda lá vai acertando algumas, embora reste saber até quando.
Gravado em bom tempo, na 2, claro, foi tempo de rever, em vídeo, Cão de Palha, de 1949, a primeira longa metragem do grande mestre japonês. No escurinho do preto e branco.
O flamenco, de vez em quando, volta-nos aos ouvidos para ser redescoberto nas profundidades da história das raças que o atravessa. Pela voz deslumbrante de Estrella Morante, por exemplo. Pelo dedilhar tão rápido quanto suave de Vicente Amigo nas cordas da sua guitarra.
Um dia destes, uma boa surpresa. Flamenco com imagens depuradíissimas pelo olhar de Carlos Saura. Numa cassete perdida no meio de tantas outras com filmes gravados por lembrar, sai-nos Flamenco, um filme-homenagem à música da Andaluzia. E lá aparece, entre muitos músicos, bailarinos de gema e cenários de extremo bom gosto, o afamado Joaquín Cortés.
E depois há o texto. A sós com ele. O prazer da leitura, de Proust, recorda-nos que as melhores imagens saem de páginas brancas pintadas com letras.