maio 17, 2004

De olhares: Dogville

O primeiro filme que vi de Lars von Trier ficou bem gravado na memória. Europa é uma obra fascinante e intrigante, com aquele início fabuloso da contagem decrescente pela voz grave de Max von Sydow.

O penúltimo, Os Idiotas, parei de ver ao fim de dez minutos: a câmara, que Trier teimara em não colocar num tripé, não parava de andar para cima e para baixo, aos tremeliques e zooms, como nos vídeos caseiros. A técnica, que até o abençoado Woody Allen chegou a utilizar, põe o espectador zonzo. Felizmente, estas modas passam.

O mais recente de Trier, acabado de ver em DVD, é uma obra-prima. Dogville constitui um pequeno tratado sobre a natureza humana. Sobre a natureza humana, note-se.

O argumento foi escrito pelo próprio realizador dinamarquês, que encerra a acção numa terrinha imaginária, sintomaticamente situada nos Estados Unidos, chamada Dogville, onde vivem pessoas aperentemente como todas as outras. Triers, no entanto, desce ao inferno interior das personagens, desmascara-as, paulatinamente, de forma crua, derrapando no fim para a violência vingativa total.

Moral desta história: não há pessoas boas. Mesmo as melhores acabam por se animalizar face à adversidade que contitui sempre o confronto com o outro, os outros, em certas circunstâncias.

Dogville é, afinal, um filme sobre todos nós. Por isso, deve ser visto, ou revisto, sem hesitações.