março 07, 2004

De olhares: o ópio das guerras

Dois filmes, vistos em casa recentemente, mostram-nos a face cruel, arrogante, cínica, obtusa e bacoca do velho império britânico.

Lagaan: Era uma vez na Índia é, felizmente para nós, contada pelo lado dos indianos. Ashutosh Gowariker prende-nos ao ecrã com a história de um oficial, daqueles very british bestas, que encarna, do alto da sua ponderosa imbecilidade, a forma leviana como o «império» brincava - no caso, com apostas no absurdo jogo do crikett - com a vida de pessoas que viviam sossegadas na sua terra até terem o privilégio de serem invadidas e dominadas pelos esfaimados ingleses.

É uma história de opressão e humilhação, passada no século XIX. Complete-se este quadro com a revisão da obra-prima cinematográfica que é Gandhi para se ficar com uma ideia ainda mais apurada sobre as brilhantes conquistas civilizacionais e culturais do british empire.

O século XIX serve também de pano de fundo à acção de A Guerra do Ópio, filme chinês, realizado por Xie Jin, onde a gula comercial inglesa volta a ter destaque, desta vez por causa do negócio do ópio, contra o qual o imperador do Império do Meio resolveu lutar. Choque de culturas, choque de histórias (sendo que uma delas, a da China, tem mais de cinco mil anos...), choque, enfim, de poderes. Na altura, como hoje, podia mais quem tinha melhores canhões. Foi nesta guerra que a China perdeu Hong Kong.

E as gerações passam , e os governantes mudam, e as democracias crescem e os erros repetem-se e volta tudo ao princípio sem fim. Dantes era ópio, hoje é o petróleo, amanhã será outro perigo qualquer. Lagaan e A Guerra do Ópio dão vida, com belas cores, a uma verdade cansada de velha: a de que a estupidez dos homens é infinita.