fevereiro 27, 2006

De ouvido: Dylan actual

«Democracy don't rule the world
You'd better get that in your head
This world is ruled by violence
But I guess that's better left unsaid
From Broadway to the Milky Way
That's a lot of territory indeed
And a man's gonna do what he has to do
When he's got a hungry mouth to feed.»

fevereiro 24, 2006

Arnaldo é poesia

Amor é Prosa, Sexo é Poesia é um bom livro para os actuais cronistas da imprensa portuguesa lerem e ficarem deprimidos, excepto se se chamarem Manuel Pina, Ferreira Alves ou Ferreira Fernandes.

Publicada em forma de crónica no Globo e no Jornal do Brasil, a escrita de Arnaldo Jabor (sim, o cara que aparecia no Manhattan Connection) é uma explosão de criatividade, humor, acidez, frontalidade, beleza, ritmo, piada, invenção, amargura e ternura, ou seja, tudo aquilo que falha, ou falta, na esmagadora maioria dos cronistas dos principais jornais e revistas nacionais. São chatos de ler e não sabem escrever para leitor.

Jabor usa o "português com açucar" da escrita brasileira para nos deliciar, página a página, com as suas nostalgias do Rio de outrora, as recordações do avô inesquecível, o pai frio e distante, a vida rotineira da classe média carioca, os primeiros amores, as mulheres da vida de então e as de hoje (“os abismos das mulheres são venenosos, o seu mistério nos mata»), o carnaval que tinha outro sabor.

Aqui e ali, demole Bush e a América belicista, os terroristas fanáticos que actuam em nome do Islão, os políticos brasileiros corruptos, as mulheres que se resumem à condição de bunda, a frivolidade da sociedade de consumo. Tudo com imensa graça. Jabor é daqueles tipos que se pode dar ao luxo de escrever as coisas mais desagradáveis e frontais sem que o consigamos levar a mal.

Numa palavra: Amor é Prosa, Sexo é Poesia é um livro desempoeirado. Ainda bem. Para poeira, já basta a nossa.

O procurador, el matador

A fama do procurador Souto Moura já chegou a Espanha. Título do El País sobre o recente raid na redacção do 24 Horas: «"¡Levanten las manos del teclado!"

fevereiro 20, 2006

Para a Leonor, que acabou de chegar...

Isn't She Lovely

"Isn't she lovely
Isn't she wonderful
Isn't she precious
Less than one minute old
I never thought through love we'd be
Making one as lovely as she
But isn't she lovely made from love

Isn't she pretty
Truly the angel's best
Boy, I'm so happy"...

Stevie Wonder

fevereiro 13, 2006

Marcelo metralha

A rubrica dominical de Marcelo Rebelo de Sousa na RTP1 é um verdadeiro monólogo. Marcelo debita, ou melhor, metralha os argumentos em avalanche e a jornalista Sousa Dias limita-se praticamente a servir de microfone.

Sousa Dias é uma entrevistadora talentosa. Sabe ouvir. Mas, com Marcelo, limita-se quase só a ouvir. É uma pena. Melhor dizendo, é penoso.

fevereiro 10, 2006

Intolerâncias II

Vasco Pulido Valente, certeiríssimo, directo à essência da questão, no Público de hoje:

«Devemos tolerar o islão. Isto à superfície parece óbvio. Mas pede uma pergunta: também devemos tolerar a intolerância do islão?»

A tolerância subentende o princípio, razoável, da reciprocidade. Quando a tolerância não é mútua, há mutilação de uma das partes.

Freitas do Amaral explicava ontem, na SIC Notícias, que a minha liberdade de dar um murro em alguém termina a um milímetro do nariz desse mesmo alguém. Indiscutível. Só que a liberdade desse mesmo alguém me dar um murro termina igualmente a um milímetro do meu nariz. Quando ambas as partes se respeitam nas suas liberdades próprias, não há agressão.


De olhares: Brokeback suave

Brokeback Mountain, o tal filme que o cowboy Bush já disse que não vai ver, é de registo suave. Não aquece muito, mas também não arrefece por aí além.

Para a imensa América puritana, será uma obra radicalmente intragável, esta de Ang Lee. Para o mundo cinéfilo que tenha visto Querelle, de Fassbinder, por exemplo, o forte candidato aos oscars deste ano é perfeitamente inofensivo.

Brokeback vale pelo desempenho convicente dos dois principais protagonistas, pelo argumento interessante e, sobretudo, pela fina ironia de colocar dois cowboys durões do Wyoming, que vieram a casar e a ter filhos com as respectivas mulheres, a transar no meio da montanha num romance que atravessou duas décadas na clandestinidade. Acresce que a montanha em si é deslumbrante.

E pronto, o resto vai servir para aquecer a noite dos oscars e provocar montes de sorrisinhos amarelos de incomodidade aparvalhada.

fevereiro 08, 2006

Liberdades III

Vicente Jorge Silva, no DN de hoje:

«Em todo o caso, os fundamentalistas já podem cantar vitória: criaram um novo tabu e um novo factor de intimidação à liberdade de imprensa como valor essencial das sociedades seculares e democráticas. A prova está nas reacções temerosas e culpadas das diplomacias ocidentais, incluindo a americana, numa quase admissão da legitimidade da violência cega do fanatismo islamita. Só faltava desculparem-se pelo facto de a liberdade de imprensa ser politicamente incontrolável em democracia, o que os fundamentalistas, obviamente, se recusam a aceitar.»

Vale bem a pena ler o texto na íntegra: Caricaturas de Maomé e caricatura da democracia

fevereiro 07, 2006

Liberdades II



«Freedom is a scary thing /
Not many people really want it
»

Liberdades

O Público teve a feliz ideia de publicar, na sua edição de ontem, uma Brevíssima história da liberdade de expressão. As citações atravessam séculos de história e vão de Sócrates a Chomsky. Vale a pena transcrever algumas:

«Num estado livre, também as línguas devem ser livres.» Erasmo de Roterdão , 1516.

Esta é um já um clássico: «Detesto o que o senhor escreve, mas daria a minha vida para tornar possível que continuasse a escrever.» Voltaire, 1770.

Ao seu bom velho estilo: «Goebbels era a favor da liberdade de expressão para as opiniões de que gostava. Estaline também. Quando se é a favor da liberdade de expressão, então é-se a favor da liberdade de expressão precisamente para opiniões que se desprezam.» Noam Chomsky, 1992.

As religiões nunca irão entender isto.

fevereiro 04, 2006

Intolerâncias

O primeiro-ministro dinamarquês tem toda a razão (a razão anda cada vez mais arredada das religiões) ao recusar pedir desculpa pelo facto de jornais do seu país terem publicado caricaturas de Maomé.

Tem razão Rasmussen ao explicar que o seu governo «não controla os meios de comunicação, são livres» e que por isso não pode pedir desculpa em nome deles. Tem razão ao lembrar aos muçulmanos que a liberdade de imprensa, sátira incluída, é um valor insubstituível na Dinamarca. Revela falta de coragem e clarividência a parte da classe política dinamarquesa que condena Rasmussem por defender estas razões.

Tiveram coragem jornais de outros países que publicaram caricaturas de Maomé como forma de afirmarem esse valor-chave das democracias ocidentais que é a liberdade de expressão. Foi o caso do diário espanhol El País.

De facto, as crenças religiosas, sejam elas quais forem, não devem, não podem, impor-se à liberdade de expressão onde quer que esta exista. Que isso aconteça em países muçulmanos, liberdade deles, problema deles. Que esses países queiram impor ditames de liberdade a outras civilizações, isso é revelador, no mínimo, de uma noção de tolerância civilizacional intolerável.

Mas as intolerâncias de raiz religiosa não escolhem religião. Há anos, defendi o direito que o cartonista do Expresso António tinha de caricaturar o Papa pondo-lhe um preservativo no nariz. Na altura, o povo católico também se levantou em coro contra a publicação deste boneco.

É precisamente nestas alturas que a liberdade, como valor absoluto, deve levantar-se e falar mais alto.

fevereiro 03, 2006

Espanha cresce

A Espanha, como se sabe, tem registado um crescimento económico espantoso, ainda mais se comparado com as nossa raquítica economia. Mas os espanhóis, pela mão de Zapatero, têm "crescido" ainda mais a nível social: separando claramente as águas entre igreja e Estado (em Portugal, mantém-se a nebulosidade); permitindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo (em Portugal, a classe política assobia para o lado); proibindo o fumo em locais públicos, de trabalho, restaurantes, etc. (em Portugal, há médicos que fumam em hospitais e os políticos, esses, continuam a fumar para o lado sobre o assunto); não condenando à prisão mulheres que abortam (em Portugal, continuamos, neste capítulo, na Idade Média).

Mas a Espanha permite ainda os touros de morte. Enfim, ninguém é perfeito...

fevereiro 02, 2006

De ouvido: Joni Mitchell

«I’ve looked at life from both sides now
From win and lose and still somehow
It’s life’s illusions I recall
I really don’t know life at all
I’ve looked at life from both sides now
From up and down, and still somehow
It’s life’s illusions I recall
I really don’t know life at all»