julho 30, 2004

De olhares: o cinema íntimo de Arcand

É caso para perguntar por onde andou Denys Arcand nos últimos anos. Em salas de cinema portuguesas, terá andado pouco, com certeza.

Duas obras-primas absolutas deste realizador canadiano foram agora lançadas no mercado de aluguer de DVD. Repita-se: O Declínio do Império Americano, de 1986, e As Invasões Bárbaras, de 2003, são duas obras-primas absolutas.

Ambos os filmes, cuja ligação é feita através de personagens idênticas, são densos e muitíssimo bem escritos (ambos os argumentos saíram da pena do próprio Arcand). Falam, e mostram, do mais importante da vida: o seres humanos, no seu íntimo, e as relações entre eles. Na era do triunfo absoluto do cinema-pipoca de multiplex, Arcand arrisca um cinema intimista, reflexivo. Nos antípodas dos blockbuster.

Estas duas obras de Arcand não têm personagens de meias-tintas. São vincados, ora exagerados, femeeiros, tarados sexuais, homossexuais, mentirosos compulsivos, inseguros, ora promíscuas, ingénuas, taradas, infelizes, cultas, perdidas, vazias, remediadas, etc.

O casamento, a infidelidade, o amor, a amizade, a paternidade, o dinheiro, a política, o sexo, o sentido da vida e o devir da história. Está tudo lá.

A partir da construção de um grupo de personagens constituído por pessoas cultas - no caso, professores universitários, divididos em casais e amigos - Arcand prende-nos ao ecrã com diálogos por vezes fortíssimos, tanto na linguagem como no humor.

Denys Arcand faz filmes praticamente desde os anos 60, anos cuja marca perpassa nitidamente pelas personagens que nos oferece. Há toda uma obra deste realizador a descobrir. Mais difícil será lá chegar.


julho 29, 2004

Porrada velha no Bush

Chamem-lhe os nomes que quiserem. Apontem-lhe os defeitos que pretenderem. Insultem Michael Moore, se vos aprouver. Mas vão ver Fahrenheit 9/11. É um acto de cidadania global.

julho 22, 2004

Savater: sobre aves de rapina

«As democracias actuais correm perigo porque os cidadãos se desinteressam dos assuntos comuns, cuja dimensão os desconcerta, enquanto descarados políticos profissionais se aproveitam do património de todos em benefício próprio.»

Fernando Savater, Livre Mente.


julho 20, 2004

Fado arábico

Ricardo Pais fez uma aposta arriscada de miscigenação musical e ganhou-a. Resolveu juntar no mesmo espectáculo os fadistas Camané e Argentina Santos e o libanês Rabih Abou-Khalil. O resultado foi o enriquecimento mútuo de dois tipos de espectadores que acorreram, no passado fim-de-semana, ao Teatro Nacional São João, no Porto.
 
Há quem tenha ido lá sobretudo pelo fado. Quando Khalil trouxe ao palco o seu alaúde misturado - magistralmente, diga-se de passagem - com jazz, alguns foram-se embora.
 
Quem foi sobretudo por causa de Khalil, ficou a conhecer de perto e ao vivo duas vozes magníficas do fado acompanhadas de forma impecável pelo contrabaixista Carlos Bica. 
 
Com um humor contagiante, Khalil contou, na brincadeira, que Pais estava com os copos quando pensou juntar no mesmo palco dois fadistas portugueses e o músico libanês.
 
O espectáculo encerrou com Camané a cantar em português música árabe acompanhado de alaúde, tuba, bateria e acordeão. Memorável.  

julho 16, 2004

Lapso governamental

E o Luís Delgado, dr. Santana? O tachinho para o Luís Delgado? Vossa Excelência esqueceu-se?

julho 14, 2004

Pantomina

Não é sem um frémito de divertimento que vemos Santana Lopes travestir-se em pose de estadista sempre que as câmaras de TV apontam para ele.

A pantominice é a única parte divertida desta tragédia que Sampaio nos arranjou.

julho 12, 2004

De ouvido: há sábados assim

Dois bons concertos, este fim-de-semana, no Porto, para mais tarde recordar em disco: a fantástica Lhasa de Sela e o cool Mark Turner, a fazer lembrar aqui e ali o saxofone de John Coltrane.

Lhasa teve, merecidamente, recinto cheio nos jardins do Palácio de Cristal (Pavilhão Rosa Mota é um nome horroroso), no sábado à noite. Ela tem uma voz lindíssima, um timbre ligeiramente rouco, marcante. Lançou até agora apenas dois álbuns, ambos obrigatórios para quem se deslumbra ao primeiro contacto com as suas canções. Cantou em inglês, francês, castelhano, tchecheno e... um fado. Uma bela descoberta.

Mark Turner veio ao Jazz no Parque de Serralves, também no sábado, ao fim da tarde, com o seu novo trio, Fly. Sax tenor, contrabaixo e bateria entenderam-se bem, tendo como pano de fundo o ruído ocasional dos aviões em aproximação ao aeroporto Francisco Sá Carneiro.

Apesar disso, os músicos proporcionaram um bom espectáculo dentro de um jazz dinâmico, mas algo contido, pouco dado a tropelias histéricas, sobretudo por parte de Turner, de quem a revista Downbeat diz ser um dos 25 mais promissores músicos de jazz norte-americanos.

julho 10, 2004

Golpe presidencial

Ao convidar Santana Lopes a formar governo, Sampaio dá um precioso contributo para o aprofundar do cepticismo crescente dos cidadãos esclarecidos em relação ao sistema político democrático português.

Alguém com o perfil de Santana Lopes não pode, pura e simplesmente, chegar a primeiro-ministro de um país que se quer civilizado e minimamente credível, por muito que a Constituição e o entendimento que o presidente da República faz dos seus poderes o autorize.

Além do mais, o processo de subida de Santana a primeiro-ministro foi tudo menos democraticamente legítimo. É um puro golpe de secretaria, para utilizar uma expressão mais suave do que a verberada pela ministra das Finanças, que falou em «golpe de estado».

A democracia portuguesa, que tanta pancada tem aguentado por parte de muitos 'agentes' políticos de refinada mediocridade, acaba de levar um valente pontapé no rabo. Resta-nos o consolo, e a sorte, de João Jardim não ser, por acaso, o vice-presidente do PSD...

Como diria Norberto Bobbio, o excesso de democracia pode matar a democracia. O desastre Santana/Portas é claramente excessivo. Bandeira a meia haste, por favor.

julho 08, 2004

De olhares: Dolls

É o filme mais triste de Takeshi Kitano, escreveu um crítico do Expresso.
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Tem razão. Mas Dolls é também o mais belo do realizador japonês.

julho 07, 2004

Intelectuais da bola

Agora que a febre altíssima do futebol diminuiu com o fim do Euro 2004, pode falar-se um pouco mais friamente de futebol. Talvez fosse boa altura para se olhar um pouco para trás e olhar com olhos de ver os disparates monumentais que foram escritos e ditos na comunicação social à custa da paixão exacerbada, cega, pelo mundo da bola.

O exercício deveria começar pela revisão do que foi escrito por alguns intelectuais da praça pública, alguns deles rendidos totalmente à glória da 'inteligência do movimento' dos jogadores, à 'filosofia de jogo' dos treinadores, ao 'êxtase orgásmico' do golo de Nuno Gomes. Mamma mia!

Para retemperar-lhes os ânimos, sempre muito pouco racionais, há um belíssimo texto a ler: 'Os heróis mitificados do Olimpismo'. Foi publicado no Monde Diplomatique de Junho e é assinado por um professor de sociologia, outro de ciências da informação e outro ainda de ciências e técnicas desportivas.

A fortíssima pedrada de Jean-Marie Brohm, Marc Perelman e Patrick Vassort no charco do desporto, em particular do futebol, reza, por exemplo, assim:

«A tal ponto que o desporto se exerce a partir de agora no mesmo registo das necessidades básicas - beber, comer ou dormir - e tornou-se o espaço-tempo quase exclusivo dessas multidões solitárias embrutecidas pela paixão do que não é essencial: um golo, um sprint, um ás. O desporto invadiu a vida quotidiana e para muitos indivíduos não há mais nada fora dele, a não ser o vazio abissal do jargão, televisionado, da inautenticidade.»

«A contaminação generalizada das consciências provém assim deste incessante matraquear desportivo-televisivo. Este, por intermédio das imagens infinitas impostas pelas tecnologias digitais que colocam cada indivíduo diante dos ecrãs (telefone portátil, home cinema, televisor, etc., celebra não apenas os novos ícones do desporto, mas destila de forma maciça a visão desportiva do mundo.»

«A ideologia da "neutralidade axiológica" nega violentamente o papel do desporto enquanto meio de embrutecimento, doutrinação e cloroformização das massas.»

E a cereja no bolo:

«Chega a ser confrangedor assistir ao modo como alguns intelectuais, geralmente mais críticos, se juntam à matilha dos fanáticos do músculo, incapazes de trazer à superfície as funções políticas reaccionárias desta desportivização dos espíritos, deste matraquear emocional falso em torno dos "nossos" campeões.»

julho 01, 2004

Voando sobre um ninho de cucos

Durão Barroso foi pessoalmente ambicioso e politicamente covarde ao aceitar o convite para ir para Bruxelas. Pôs o país de pantanas, pirou-se antes de acabar a porcaria que começou e tenta agora iludir-nos com a retórica do prestígio do novo cargo.

Como se isso não bastasse, atira, de forma leviana e irresponsável, para o leme do país um gigolo político, acolitado por um miúdo com a adolescência mal curada que ambiciona chegar a ministro dos Negócios Estrangeiros. Este par de lunáticos merece, claro, todo o apoio de outros hóspedes deste ninho de cucos chamado Portugal: Alberto João Jardim, Isaltino Morais (lembram-se?), Valentim Loureiro, os autarcas do PSD, os betinhos do Pêpê...

Bom, já que o país está virado para a maluqueira total, aqui fica uma sugestão a Santana para o ajudar a escolher os seus novos ministros e até a inventar novos ministérios:

Vice-primeiro-ministro com a pasta das Adegas: Alberto João Jardim

Ministro dos Negócios Estranhos e da Nossa Senhora: Paulo Portas

Ministra das Finanças e da Estabilidade do Kremlin: Cinha Jardim

Ministro da Economia: Vale e Azevedo

Ministro do Desporto: Valentim Loureiro

Ministro da Defesa: Fernando Couto

Ministra da Saúde e dos Liftings Sociais: Lili Caneças

Ministro do Ambiente: Isaltino Morais, claro

Ministro da Agricultura: este ministério é extinto por manifesta falta de glamour

Ministério da Segurança Social: como isto é para acabar, o melhor é mesmo não perder tempo a nomear um ministro

Ministro da Justiça Arbitrária: Pinto da Costa

Ministro da Propaganda: Luís Delgado (o homem merece!)

Ministro da Educação: Avelino Ferreira Torres

Ministro da Administração Interna: Moita Flores

Ministro da Cultura: Chopin