O livro Affluenza é uma espécie de grande reportagem interpretativa levada a cabo por um psicólogo inglês. Oliver James andou pelos quatro cantos do mundo a entrevistar pessoas para tentar perceber por que razão tanta gente quer ter o que não têm e ser quem não é, ficando deprimida pelo meio. Por que é que cada vez mais indivíduos são afectados pelo vírus da Affluenza?
Este vírus, clarifica o autor, «é constituído por um conjunto de valores que nos tornam mais vulneráveis aos distúrbios emocionais e implica dar mais valor à obtenção de dinheiro e de bens, ter bom aspecto aos olhos dos outros e desejar ter fama.»
Na sua passagem por cidades como Nova Iorque, Sidney, Moscovo, Singapura, Xangai ou Copenhaga, James constatou que o vírus tem alastrado: há cada vez mais homens e mulheres frustrados ou deprimidos por almejarem sempre mais bens e estatuto social ou por quererem ter uma aspecto físico melhor. E, quanto mais querem, mais têm de trabalhar para isso, prejudicando a qualidade de vida e propiciando a degradação das relações familiares (a começar pelos filhos), algo veementemente condenado pelo autor.
James aponta o dedo ao que chama de Capitalismo Egoísta (dá para perceber que o psicólogo não é um tipo de direita, nem tão-pouco vai à missa com a "esquerda" Tony Blair) como grande responsável pela propagação do vírus: «o Capitalismo egoísta dissemina a Affluenza; os EUA são a apoteose do Capitalismo Egoísta; quanto mais americanizada for uma nação, mais Capitalista Egoísta será e infectada pelo vírus da Affluenza.» A Dinamarca é o país apontado como sendo o menos infectado.
Basicamente, uma sociedade Capitalista Egoísta vive num ciclo vicioso e pernicioso: trata de aperfeiçoar as técnicas da criação de necessidades (publicidade) para levar as pessoas a comprar mais produtos e serviços (consumo) para o que, naturalmente, têm de se matar a trabalhar para serem "bem sucedidas" (carreira).
Ao longo das mais de 400 páginas do livro, James usa a sua experiência como psicólogo para analisar as respostas e atitudes das inúmeras pessoas que entrevistou. Entra, inclusivamente, em choque com algumas teorias de colegas de profissão, por sinal norte-americanos.
Oliver, que aos olhos de muitos pragmáticos parecerá um lírico, conta também as suas histórias pessoais e familiares, faz diagnósticos, não esconde as suas preferências políticas e sociais e, no final, deixa algumas propostas, ou "vacinas", para nos imunizar contra o vírus.
É uma pena que o psicólogo não tenha passado por Lisboa ou pelo Porto nesta sua empreitada. Certamente, ficaria abismado com a disseminação do vírus, sobretudo o da estirpe que se apodera, sem dó nem piedade, dos novos-ricos.
Affluenza é um contributo, para nós, simples leitores, muito importante para o questionar de algumas ideias feitas ou práticas adquiridas em relação ao ter e ao ser. Ter para exibir, não. Ser, no respeito pelas nossas motivações intrínsecas, sim.
É uma pena que Oliver James não conheça Sérgio Godinho para, em jeito de epílogo de livro, citar uma das canções do cantor português, rematada assim:
"Pode alguém ser livre
se outro alguém não é
a corda dum outro
serve-me no pé
nos dois punhos, nas mãos,
no pescoço, diz-me:
Pode alguém ser quem não é?"
A ver:
Oliver James explica Affluenza (vídeos)