outubro 29, 2007

Zygmunt Bauman: como sobreviver à morte

É por causa do conhecimento que temos da morte que contamos os dias, que os dias contam, diz Zygmunt Bauman. Num excerto de um documentário disponível no YouTube (que muito provavelmente jamais teremos oportunidade de ver nos nossos prolíferos canais televisivos), o sociólogo polaco fala sobre a equação impossível: como sobreviver à morte.

outubro 26, 2007

Sobre a fragilidade dos laços humanos

O texto de Zygmunt Bauman faz jus ao título do livro: é líquido. Nem sempre é fácil acompanhar a liquidez de raciocínio e de escrita do autor de Amor Líquido - Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Os temas tratados, esses, são sólidos quanto baste: a fragilidade, a volatilidade, a descartabilidade dos laços e afectos que marcam as relações humanas da nossa "modernidade líquida".

Não é fácil discordar com Bauman no tocante ao que define como «amor líquido». Basta olhar para o que se passa à nossa volta: divórcios em catadupa, triunfo das relações efémeras, cultivo de amizades instantâneas, tipo "Hi5", e, sobretudo, nada de grandes compromissos. Relacionamentos para toda a vida? Passou à história.

Logo no início do livro, que o sociólogo polaco dedica aos riscos e ansiedades de se viver junto, e separado, lê-se: «No nosso mundo de furiosa "individualização", os relacionamentos são bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro. Durante a maior parte do tempo, esses dois avatares coabitam - embora em diferentes níveis de consciência. No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos de ambivalência. É por isso, podemos garantir, que se encontram tão firmemente no cerne das atenções dos modernos e líquidos indivíduos-por-decreto e no topo da sua agenda existencial.»

Bauman não se limita a identificar padrões de comportamento ou tendências em vias de consolidação: sobre ambos tem uma perspectiva, diríamos, sem qualquer teor pejorativo, conservadora. Percebe-se que valoriza relações mais sólidas, sobretudo quando escreve sobre quem passa a vida a mudar de parceiros ou a ter relações sexuais tipo "fast food". É o vazio que os espera no final de cada experiência efémera.

Nalgumas passagens, em que fala sobre amor filial, Bauman é quase provocador: «Esta é uma época em que um filho é, acima de tudo, um objecto de consumo emocional.» Difícil de digerir, ou de reconhecer, para muitos pais. Mas pertinente.

Mais à frente, Bauman procura relacionar os hábitos consumistas, triunfantes, com os novos hábitos de “consumir” pessoas como se fossem produtos, para usar e descartar de seguida de forma a abrir espaço a novos produtos. Os relacionamentos como aquisição, o outro como objecto de consumo:

"O desvanecimento das habilidades de sociabilidade é reforçado e acelerado pela tendência, inspirada no estilo de vida consumista dominante, a tratar os outros seres humanos como objectos de consumo e a julgá-los, segundo o padrão desses objectos, pelo volume de prazer que provavelmente oferecem e em termos do seu "valor monetário". Na melhor das hipóteses, os outros são avaliados como companheiros na actividade essencialmente solitária do consumo, parceiros nas alegrias do consumo, cujas presença e participação activa podem intensificar esses prazeres. Nesse processo, os valores intrínsecos dos outros como seres humanos singulares (e assim também a preocupação com eles por si mesmos, e por essa singularidade) estão quase a desaparecer de vista. A solidariedade humana é a primeira baixa causada pelo triunfo do mercado consumidor.»

Nada meigo, este Bauman.

A parte final do livro é um libelo contra a xenofobia e uma análise do medo em relação ao estranho, aos que vêm de longe, os “sem território”. Paulo Portas aparece citado. Pelas piores razões, como seria de calcular.

outubro 25, 2007

David Sylvian, inglês suave

Pedro Rios assina hoje, no Público, uma crítica primorosa ao concerto, anteontem, no Theatro Circo, de David Sylvian.

«Com poucas palavras, porventura ainda a recuperar da doença, Sylvian tocou durante quase 90 minutos, confirmando os seus créditos de esteta pop capaz de aglutinar diferentes géneros, como o jazz e a electrónica ambiental. Em concerto, sobressaiu a evolução coerente da carreira do músico, apesar da sua busca criativa sem concessões.»



A ler:
O triunfo suave de David Sylvian (caderno P2)

outubro 21, 2007

A luminosa Dupla Vida de Véronique

Chegou, finalmente. O DVD de A Dupla Vida de Véronique, de Krzysztof Kieslowski, acaba de ser colocado no mercado português pela mão da Costa do Castelo Filmes. Com direito a documentário sobre o realizador e a uma entrevista com a actriz principal, Irène Jacob.

Filme luminoso (mesmo nas sombras e fios invisíveis que projecta), premonitório, algures entre o tangível e o incomunicável, esta é a obra maior do realizador polaco. A história que
Kieslowski aqui nos conta é absolutamente imperdível:

«
Weronika vive na Polónia. Véronique vive em França. Não se conhecem uma à outra, mas ambas sentem que não estão sozinhas no mundo. Weronika aceita um lugar numa escola de música, trabalha com afinco, mas morre na sua primeira actuação pública. Nesse preciso momento, a vida de Véronique parece levar uma volta e esta desiste de cantar. Cada um de nós tem, algures no mundo, o seu exacto duplo, alguém que partilha os nossos pensamentos e os nossos sonhos. »

outubro 20, 2007

Fotograma: Gong Li

Gong Li fotografada no filme A Maldição da Flor Dourada, de Zhang Yimou

outubro 17, 2007

Os poemas do deserto de Stephan Micus

Stephan Micus, compositor e multi-instrumentista alemão, é um nómada da música. Começou muito cedo a viajar pelo mundo inteiro e a estudar técnicas musicais antigas, sobretudo na Índia e no Japão.

Coleccionou instrumentos étnicos pouco conhecidos no Ocidente e com eles, praticamente sozinho em estúdio, produz sonoridades estranhas e absorventes, que tem registadas em discos gravados para a imparável editora de Manfred Eicher, a ECM.

O álbum Desert Poems (2001) é particularmente fascinante. A começar pela capa, belíssima. Micus pega em instrumentos étnicos (uma harpa da África Ocidental, um piano tanzaniano ou um "tambor falante" do Gana, entre outros) e, com recurso a técnicas de estúdio, constrói um edifício sonoro simultaneamente amplo e minimalista.

Em tempos de saturação mediática musical "mainstream", álbuns transculturais como Desert Poems são um verdadeiro oásis. Quase tão bom como o silêncio puro.

outubro 14, 2007

Robert Wyatt, como se fosse um pintor

Robert Wyatt, o inglês com «a voz mais triste do mundo» (Sakamoto dixit), em entrevista ao Público, sexta-feira passada, suplemento Ípsilon:

«No fim de contas, criar uma canção, para mim, é como seguir uma montanha de sons e tentar completar uma composição com eles, quase como se fosse um pintor e, no final, esperar pacientemente que tudo funcione da melhor forma.»

outubro 12, 2007

Quando Kurosawa sonha com Van Gogh

Dizer «um dos maiores filmes de sempre», é um risco. Elevadíssimo. Não vá os críticos caírem-nos em cima evocando Ran, Os Sete Samurais, Rashomon e muitos outros que o mestre Kurosawa nos ofereceu ao longo da sua riquíssima carreira. Mas afirmar que Sonhos «é um dos mais belos filmes de sempre», para mim, serve. O maior cinema é aquele que amamos com mais força.

outubro 11, 2007

Fotograma: Michelle Pfeiffer

Michelle Pfeiffer fotografada por Vittorio Storaro no filme A Mulher Falcão, de Richard Donner.

outubro 08, 2007

Tom e Jim não querem crescer

Que acontece quando dois bons malandros geniais se encontram? Momentos geniais. A ligação entre Jim Jarmusch, o realizador, e Tom Waits, o músico/actor, tem sido bastante profícua. Não apenas no grande ecrã, mas também nos clips de vídeo.

É o caso deste adorável I Don't Wanna Grow Up (tema do álbum Bone Machine). O Tom canta, o Jim filma:

outubro 07, 2007

Jarmusch e os vencidos pela lei

Na sua terceira longa-metragem, Jim Jarmusch agarrou em Tom Waits, Roberto Benigni e John Lurie e meteu-os numa prisão de Nova Orleães. O resultado só podia ser um filme estranho, mas irresistível.

Filmado num preto e branco impecável, fotografado com rigor, por Robby Muller, Vencidos pela Lei, considerado um dos mais importantes filmes do cinema independente norte-americano dos anos 80, respira música.

As canções são do próprio Waits, aqui um DJ de rádio desempregado apanhado a roubar um carro, e de Lurie, um proxeneta caído numa cilada. Benigni, em início de carreira, faz de Benigni e está tudo dito sobre a sua personagem, Roberto, que matara um homem atirando-lhe com uma bola de bilhar à cabeça.

Os três acabam por fugir da cadeia. Mas o filme, em vez de se centrar na "fuga", joga com a dinâmica, por vezes delirante, entre as três personagens. A certa altura, de forma sibilina, Jarmusch confunde-nos: terão mesmo conseguido fugir da cadeia ou aquilo não passaria de uma fantasia de Roberto, que, a certa altura, desenha uma janela na parede da cadeia? O terreno nas imediações da prisão é pantanoso.

outubro 05, 2007

Birmânia sob os olhares da Magnum

A Birmânia vista pelo olhar de fotógrafos da agência Magnum. Cartier-Bresson incluído. Burma, behind the Conflit.