Há algo de culturalmente criminoso na forma como os europeus tratam o melhor cinema que têm e, em paralelo, no modo como se vergam, em massa, às "produções" com a marca de Hollywood. Tudo isto é negócio, dirão os mais pragmáticos. Mas isso não basta para explicar o colossal desastre no capítulo da divulgação das obras dos maiores mestres do
nosso cinema.
Vem o desabafo a propósito de Werner Herzog. Este realizador alemão tem um vastíssimo currículo, dezenas de filmes, de curtas a longas-metragens, passando pelos documentários. Há o Herzog-realizador e Herzog-repórter. Apesar disso, permanecerá um absoluto desconhecido, sobretudo para os mais novos, mesmo para aqueles que procuram não se limitar ao que de mais medíocre vem do outro lado do Atlântico.
O destaque que teve no último Indie Lisboa e o recente lançamento no mercado português de dois pacotes de filmes, ao mesmo tempo que vem ajudar a minorar o défice de divulgação de Herzog, permite-nos ter a verdadeira noção do imenso que perdemos da sua obra nestes anos todos. E estamos a falar, no caso, de apenas um realizador.
Do primeiro pacote, rico em conteúdos, podemos ver, para começar, a obra-prima
Fitzcarraldo. Filmado na selva amazónica, em condições extremas de dificuldade, ficou célebre pela cena em que Herzog faz desbravar um monte para fazer passar por cima um barco de mais de 300 toneladas, com a ajuda de índios. O filme tem momentos de um lirismo soberbo. Klaus Kinski, o grande actor de Herzog, de feitio impossível de aturar, é perfeito na alucinação que empresta à personagem.
Fitzcarraldo é uma grandiosa ópera na selva.
O excesso de Kinski (devidamente controlado por Herzog) também de revela perfeito no efeito em
Aguirre, o aventureiro,
Cobra Verde e, sobretudo, em
Woyzeck, o soldado atraiçoado, uma composição magnífica do actor alemão.
Em todos estes filmes, mas também em
Sinais de Vida, Herzog explora os limites psicológicos do homem em cenários adversos (a começar pelo seus próprios). Desvela-nos personagens excessivas, desmedidas, loucas, ambiciosas, persistentes ou sonhadoras.
O segundo pacote de filmes está a caminho, naturalmente.
A ver:
Trailer de FitzcarraldoTrailer de Aguirre, o aventureiroTrailer de Cobra VerdeA ler:
Sinais de Vida: Werner Herzog e o Cinema