julho 29, 2009

O cheiro do livro

Do alto dos seus quase 90 anos, Ray Bradbury faz, em entrevista publicada no último Babelia (suplemento de livros do El País), a defesa cerrada das bibliotecas e dos livros de papel, numa altura em que os livros electrónicos, tipo Kindle, começam a invadir o planeta.

O escritor norte-americano, autor, entre outros, do romance de ficção científica Fahrenheit 451, adaptado ao cinema por Truffaut, lembra uma coisa que os amantes dos livros conhecem bem: «Os livros têm dois cheiros: o cheiro a novo, que é bom, e o cheiro a livro usado, que é ainda melhor.»

Melhor mesmo, só o cheiro a livro antigo.


A ler:
Palabra de Bradbury

julho 24, 2009

Contra a felicidade

Ora, com a vossa licença, aqui vão três belas citação do contra, retiradas de um livro estimulante, escrito por um professor universitário norte-americano que acredita nas virtudes da melancolia e duvida daqueles que procuram a felicidade permanente a todo custo e a martelo:

«A minha opinião é que a maior parte das pessoas foi ludibriada pela moda americana da busca da felicidade.»

«A democracia torna-se idiota, e nós aplaudimos com jovialidade a sua crescente decrepitude.»

«Não precisamos de procurar muito longe para vermos a nossa cultura artificial em acção. Graças à era digital, é mais provável que experienciemos pixels do que pessoas. Passamos horas à frente dos nossos PC a brincar nos campos insubstanciais da realidade virtual. Nos corredores infinitos da internet, encontramos páginas mais interessantes do que os passeios matinais, brilhantes de orvalho, da aranha do jardim. Na verdade, tratamos a nossa máquina como se fosse um órgão e os nossos órgãos como se fossem máquinas. O nosso computador pode ser «amigo do utilizador». Pode-lhe aparecer um «vírus». Entretanto, fazemos «interfaces» com os nossos colegas. «Processamos» ideias.»

Eric G. Wilson, in Contra a Felicidade

julho 19, 2009

Werner Herzog e o cinema

Há algo de culturalmente criminoso na forma como os europeus tratam o melhor cinema que têm e, em paralelo, no modo como se vergam, em massa, às "produções" com a marca de Hollywood. Tudo isto é negócio, dirão os mais pragmáticos. Mas isso não basta para explicar o colossal desastre no capítulo da divulgação das obras dos maiores mestres do nosso cinema.

Vem o desabafo a propósito de Werner Herzog. Este realizador alemão tem um vastíssimo currículo, dezenas de filmes, de curtas a longas-metragens, passando pelos documentários. Há o Herzog-realizador e Herzog-repórter. Apesar disso, permanecerá um absoluto desconhecido, sobretudo para os mais novos, mesmo para aqueles que procuram não se limitar ao que de mais medíocre vem do outro lado do Atlântico.

O destaque que teve no último Indie Lisboa e o recente lançamento no mercado português de dois pacotes de filmes, ao mesmo tempo que vem ajudar a minorar o défice de divulgação de Herzog, permite-nos ter a verdadeira noção do imenso que perdemos da sua obra nestes anos todos. E estamos a falar, no caso, de apenas um realizador.

Do primeiro pacote, rico em conteúdos, podemos ver, para começar, a obra-prima Fitzcarraldo. Filmado na selva amazónica, em condições extremas de dificuldade, ficou célebre pela cena em que Herzog faz desbravar um monte para fazer passar por cima um barco de mais de 300 toneladas, com a ajuda de índios. O filme tem momentos de um lirismo soberbo. Klaus Kinski, o grande actor de Herzog, de feitio impossível de aturar, é perfeito na alucinação que empresta à personagem. Fitzcarraldo é uma grandiosa ópera na selva.

O excesso de Kinski (devidamente controlado por Herzog) também de revela perfeito no efeito em Aguirre, o aventureiro, Cobra Verde e, sobretudo, em Woyzeck, o soldado atraiçoado, uma composição magnífica do actor alemão.

Em todos estes filmes, mas também em Sinais de Vida, Herzog explora os limites psicológicos do homem em cenários adversos (a começar pelo seus próprios). Desvela-nos personagens excessivas, desmedidas, loucas, ambiciosas, persistentes ou sonhadoras.

O segundo pacote de filmes está a caminho, naturalmente.


A ver:
Trailer de Fitzcarraldo
Trailer de Aguirre, o aventureiro
Trailer de Cobra Verde

A ler:
Sinais de Vida: Werner Herzog e o Cinema

julho 03, 2009

Fosfenos de S. João

© Helder Bastos
Porto, 2009