fevereiro 27, 2009

Traços da Ribeira

© Helder Bastos
Porto, 2009

fevereiro 24, 2009

Apontamentos sobre cinema

Greenaway: todos os filmes, exceptuando os que não têm nada para mostrar além do óbvio, deviam ter como extra uma aula sobre o próprio filme. É isso mesmo que Peter Greenaway faz em O Contrato, uma das suas primeiras longas-metragens. O realizador passa em revista momentos-chave da narrativa e desvenda-nos, como se estivesse a descascar por camadas uma cebola, significados imperceptíveis durante um primeiro visionamento.

Fellini: Ginger e Fred é um libelo enternecedor contra a televisão e o que ela produz, com requintada imbecilidade, de pior. "Car-nei-ros" é o que Fred (um Mastroianni maduríssimo na interpretação) queria gritar durante o directo de um daqueles talk shows arrepiantes que a TV vomita. O resto é Fellini. Obrigatório. Sempre.

Oscares: passo.

Denis: primeiro chamamento: Trouble Every Day tem música dos Tindersticks. Alguma desilusão: o filme não está à altura da banda sonora.

Jarmusch: o capitalismo desenfreado tem destes milagres: já se pode comprar o Homem Morto por pouco menos de 2 euros num quiosque. Com direito a Neil Young e tudo.

Coppola: também veio por tuta-e-meia, graças ao Público. Quem apreciou o grande Apocalipse Now estranhará a complexidade, a densidade, a multidimensionalidade, o ambiente quase teatral e algo esquizofrénico de Uma Segunda Juventude. Óptimo. O filme saiu do bolso do próprio realizador e isso nota-se. Fez o filme que quis. Estão lá os grandes temas, baseados num conto de Mircea Eliade: a decadência, a morte, o amor, o sexo, o tempo e o que dele fazemos, o bem, o mal, a consciência. Pode ser um filme complicado para crises de meia-idade.

Benigni: quando a vida ameaça tornar-se um caso muito sério, há pelo menos três realizadores a quem recorrer em vez de ir ao psiquiatra: Woody Allen, Nanni Moretti e Roberto Benigni. Deste, para descontrair, pode-se começar pelo hilariante Johnny Palito. O título é cómico, mas o tema é sério. Benigni interpreta duas personagens: um ingénuo e um mafioso. O filme é inteligente: mostra-nos que em Palermo se pode matar por uma banana.

fevereiro 03, 2009

Zappa in Barcelona

Um dos meus maiores desgostos enquanto melómano é nunca ter tido a oportunidade de assistir a um concerto do Frank Zappa, músico inclassificável (no bom sentido, claro) e que os deuses (quem terão sido os diabos?) resolveram retirar de cena muito antes do tempo.

Em palco, Zappa era grande, corrosivo, concentrado, descontraído, exigente e desconcertante. E maestro, com batuta e tudo. Se houver dúvidas, veja-se o DVD Zappa in Barcelona, que apareceu por aí no mercado há não muito tempo.

Trata-se de uma gravação da TVE, feita em 1988, que não prima, nem pela qualidade do som, nem pela da imagem. No entanto, é um registo magnífico que nos mostra como eram os concertos do músico norte-americano, nos quais não faltavam nunca tiradas humorísticas, regadas a ironia e sarcasmo, e peças de roupa interior feminina atiradas para o palco.

Zappa faz-se acompanhar aqui de alguns músicos fundamentais que gravaram com ele, sobretudo nos anos 80 (com as vozes de Ike Willis e Mike Keneally à cabeça), mas aposta num reforço assinalável nos metais e na percussão electrónica.

Com uma dúzia de músicos em palco, Zappa brinda-nos com um profissionalismo a toda a prova na exploração das suas difíceis variações musicais, em que se nota o dedo do seu grande inspirador, Edgard Varèse. Destaque para uma versão de 18 minutos do clássico The torture never stops, do álbum Zoot Allures, e para um Bolero, de Ravel, irresistível.

fevereiro 01, 2009