agosto 26, 2007

agosto 25, 2007

Qatsi: a trilogia da vida (III)

Naqoyqatsi, o último filme/documentário da trilogia Qatsi (ver as duas entradas anteriores), é uma experiência alucinante. A sucessão de imagens, trabalhadas ao pormenor, por vezes de uma complexidade extrema, deixa-nos quase sem fôlego. Chegamos ao fim com o prazer e a sensação de que é necessário voltar ao princípio.

Ao contrário de Koyaanisqasti e Powaqqatsi, Naqoyqatsi não foi filmado em cenários naturais. A imagem é o próprio cenário. Aquelas imagens que são o "papel de parede" de todos os dias (spots publicitários, noticiários, documentários históricos e de bibliotecas científicas, educacionais e de computação) são trazidas por Godfrey Reggio para primeiro plano. Nestes cenários, os seres humanos não usam a tecnologia como ferramenta: a tecnologia é uma forma de vida.

Reggio, tal como nos dois anteriores filmes/documentários Qatsi, parte de um ponto de vista, espelhado no título: Naqoyqatsi significa «uma vida de matar-se uns aos outros»; «a guerra como modo de vida»; «violência civilizada». Trata-se, obviamente, de um olhar céptico, embora algo distanciado, sobre as nossas "tecno-lógicas" e "naturalmente" violentas sociedades contemporâneas. A natureza cede o lugar à tecnologia. A imagem subjuga o texto. A violência domina o dia-a-dia.

Como o próprio Reggio explica nesta entrevista, Naqoyqatsi «lida com o momento globalizante que vivemos, onde computadores, a Internet, a tecnologia, se tornam alguma coisa que nós não mais usamos, mas algo que vivemos.»

A banda sonora, tal como nos dois outros Qatsi, é um deslumbre. Desta vez, o célebre violoncelista Yo-Yo Ma dá uma preciosa ajuda à já de si fabulosa música de Philip Glass.

Por que vale a pena ver Koyaanisqasti, Powaqqatsi e Naqoyqatsi? Entre muitíssimas outras razões, porque é um olhar - um outro olhar que não o do ambiente mediático em que vivemos mergulhados (submergidos?) - sobre nós próprios, os nossos hábitos, comportamentos, formas de estar e de nos relacionarmos com o mundo que nos rodeia. Dá que pensar. Só não tem final feliz.

agosto 22, 2007

Qatsi: a trilogia da vida (II)

Enquanto Koyaanisqatsi (ver entrada anterior) lida com o desequilíbrio entre a natureza e as sociedades modernas do (rico) hemisfério norte, Powaqqatsi mostra-nos a escala humana, o trabalho, a diversidade cultural, as tradições e, sim, a pobreza de povos de África, da Índia, do Médio Oriente, da América do Sul.

Reggio deixa a cada um de nós, espectadores, a interpretação do sentido das imagens. O realizador explica apenas que quis filmar a forma como a vida está a mudar naquelas partes do planeta. Uma mudança que passa pelo choque entre a tradição e os novos modos de vida provocados pela industrialização.

Este segundo documentário da trilogia Qatsi junta as palavras índias Powaqa (uma espécie de feiticeiro mau que vive à custa dos outros) e Qatsi (vida).

O início de Powaqqatsi é fulgurante. Imagens, em câmara lenta, com um fundo bem ritmado de Philip Glass, de milhares de homens a carregar sacos de terra na mina de ouro de Serra Pelada, Brasil:

agosto 21, 2007

Qatsi: a trilogia da vida (I)

A trilogia de documentários Qatsi, do realizador Godfrey Reggio, demorou mais de duas décadas a ficar completa. Koyaanisqatsi (1982), Powaqqatsi (1998) e Naqoyqatsi (2002) são um verdadeiro monumento, em sons e imagens, erguido ao nosso desequilibrado, massacrado, perigoso e fascinante planeta.

Nos três Qatsi (palavra que significa "vida" na língua dos Hopi, uma nação índia do nordeste do Arizona), não há diálogos nem narrador. Só imagens, muitas em câmara lenta, outras em passo acelerado, todas elas muitíssimo bem escolhidas. A fotografia é um espanto: imagine-se um Sebastião Salgado a fotografar a cores.

Elemento essencial para o ritmo das sequências é a música de Philip Glass. Aliás, nalgumas partes, antes das filmagens a banda sonora já estava pronta, para servir de inspiração ao realizador. Glass tem aqui um dos grandes momentos da sua longa carreira.

Para além da beleza das imagens (mesmo quando nos mostram o lado horroroso do mundo), os Qatsi têm a virtude de nos pôr a pensar sobre o estado brutal de desequilíbrio em que vivemos na relação com a natureza, sobretudo no hemisfério norte, rico, acelerado, consumista, tecnológico, poluidor, destruidor.

Num "making off" disponível num dos DVD, Reggio assume que o objectivo da trilogia é provocar o espectador, proporcionando-lhe uma «experiência» em vez de uma «história», como nos filmes.

Koyaanisquatsi, o primeiro documentário da trilogia, significa "vida sem equilíbrio". Uma visão apocalíptica da colisão entre dois mundos diferentes: a vida urbana e a tecnologia contra o ambiente:

agosto 17, 2007

Max Roach: 1924-2007

Incorrecto para a eternidade

Ninguém melhor do que Frank Zappa para a estreia do novo visual do Travessias. Aliás, se este blogue tivesse um patrono, padrinho, guru ou qualquer coisa do género, seria o meu velho Zappa o escolhido.

Neste teledisco, obviamente politicamente incorrecto, vemos um actor a fazer de Ronald Reagan (uma catástrofe presidencial só superada pelo Bush infante) sentado numa cadeira eléctrica, a pôr creme no cabelo e a cantar. Na altura (1984), a politicamente correcta MTV achou por bem não passar o vídeo. Podia fazer mal à cabecinha dos jovenzinhos habituados aos telediscos inanes dos Duran Duran.

Se Zappa fosse vivo, só imagino as letras, os vídeos, as entrevistas corrosivas que ele não faria à conta do actual presidente dos States. You are what you is e não há volta a dar-lhe:

agosto 11, 2007

O baile de máscaras de Kubrick

A palavra-chave para a entrada no estranho ritual pré-orgíaco prestes a iniciar-se é Fidelio, nome de uma ópera de Beethoven. O cenário é uma mansão luxuosa, nos arredores de uma grande cidade. Os frequentadores são ricos, muito ricos, exclusivos, requintados, um mundo à parte. Depravados? Usam máscaras venezianas. A estranha e hipnótica música de fundo, Masked Ball, própria para claustros, evocadora de tempos remotos e rituais religiosos sinistros, é de Jocelyn Pook. Diz-se que é cantada em língua romena ao contrário. Por isso, não se percebe patavina. Mas resulta. Eis o momento mais extraordinário de cinema que Kubrick nos deixou antes de partir:


(dica: clique onde diz "zoom" para ver em ecrã inteiro)

agosto 08, 2007

Fotograma: Marlon Brando

Marlon Brando fotografado por Vittorio Storaro no filme Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola.

agosto 04, 2007

Os sons de Marlui Miranda

Marlui Miranda é outro dos tesouros musicais do Brasil pouco conhecidos em Portugal.

Marlui nasceu em Fortaleza e foi criada em Brasília. Mudou para o Rio de Janeiro na década de 70 e estudou guitarra clássica. Tocou com Egberto Gismonti e Milton Nascimento, entre outros. Compôs bandas sonoras para cinema e teatro. As suas músicas já foram gravadas por nomes como Ney Matogrosso.

A partir da década de 70, passou a pesquisar e estudar a música dos índios brasileiros. Entretanto, realizou um projecto de preservação e recriação da música indígena da Amazónia brasileira.

Um dos álbuns que ilustra esta antiga paixão de Marlui é Ihu, Todos os Sons, com canções de povos indígenas, como os Tupari, Yanomami, Kayapó e Tembé. Neste belíssimo álbum, que ganhou um German Phono Academy Award, participam os Uakti e o actual ministro da Cultura do Brasil. Nele podemos ouvir este Araruna:

Pela voz, pelo talento, pela figura, pela curiosidade etnográfica, Marlui Miranda merecia mais atenção por parte daqueles ouvidos lusos que não se resignam a ficar limitados às funestas e enjoativas "playlists" das nossas comercialeiras rádios e afuniladérrimas televisões.

agosto 02, 2007

Unza time!

O cinema está de luto. Há, pois, que celebrar a vida no cinema. E poucos o fazem de forma tão exuberante como Emir Kusturica. Quem viu os filmes dele sabe do que estou a falar.

No teledisco que se segue, o realizador bósnio dá largas ao seu mundo visual e musical, utilizando como actores os elementos da banda com que costuma tocar ao vivo, a The No Smoking Orchestra. Neste vídeo, como em palco, há muita «unza, unza», apesar de a coisa meter um caixão pelo meio e um morto que não resiste a entrar na dança: