março 28, 2007

Beethoven humano, demasiadamente humano

Beethoven morreu no dia 26 de Março de 1827, fez anteontem 180 anos. Chamavam-lhe "a besta". Tinha mau feitio. Abençoado mau génio, que nos deixou música divina para a eternidade.

Coincidência ou não, acaba de ser editado em DVD o filme Corrigindo Beethoven, da realizadora polaca Agnieszka Holland, que chegou a trabalhar com Kieslowski na trilogia Três Cores.

Holland não fez um filme brilhante, mas conseguiu algumas passagens dignas de registo. Ed Harris compôs um Beethoven credível, mas Gary Oldman (até pelo seu natural mau humor) foi mais convincente em Immortal Beloved, de Bernard Rose (1994).

Holland revela-nos os extremos do compositor alemão em final de vida, surdo, inconformado com esta sua sorte, definitivamente zangado com Deus. Um Beethoven para além do mito, demasiadamente humano, afinal.

Ira: «A minha religião é a solidão!», grita Beethoven para a assustada jovem copiadora (e correctora) das suas partituras da 9ª sinfonia.

Doçura, na frase mais reveladora de todo o filme: «A música é a linguagem de Deus. Os músicos estão tão próximos de Deus quanto é possível aos homens. Ouvimos a Sua voz. Lemos-Lhe os lábios.»

O excerto que se segue corresponde ao clímax de Corrigindo Beethoven: a estreia, em Viena, da celebérrima 9ª, que o próprio Beethoven insistiu em dirigir, surdo como estava, com a ajuda da sua copista. Um pedaço de génio em estado puro.

março 24, 2007

Sócrates, Woody Allen, cinema, filosofia

Vou a meio e estou a gostar muito de O Que Sócrates diria a Woody Allen, livro em que Juan Antonio Rivera, professor catedrático de filosofia na Universidade de Barcelona, disserta sobre cinema e filosofia, duas paixões eternas.

Sinopse: “O que Sócrates diria a Woody Allen” é um livro que relaciona de um modo muito sugestivo questões que afectam profundamente as pessoas no seu dia a dia (o amor, a felicidade, o destino, a vontade, o desespero, a morte, etc.), e pensadas por filósofos como Sócrates, Platão, Kant, Nietsche, com grandes clássicos do cinema que as explicam (desde Citizen Kane e Casablanca até Hannah e as suas Irmãs, Matrix e Desafio Total, por exemplo). É uma obra que interessa ao público que gosta de cinema e a todos os que se preocupam com aquelas questões existenciais. O original espanhol ganhou um importante prémio e foi um best-seller em Espanha com sucessivas edições.» (Fnac)

Primeira citação sublinhada, a propósito do filme Há Lodo Cais, de Elia Kazan: «Esta é uma das vantagens do cinema como campo de treino para a discussão filosófica: a capacidade de nos proporcionar exemplos ricamente diferenciados para podermos apreciar um mesmo assunto de ângulos diferentes; e para distinguirmos os matizes que uma especulação mais abstracta e distante de uma ficção específica - que nos é oferecida assim e não de outra forma - não nos permitiria talvez apreciar, ou pelo menos não com tanta nitidez.»

Sei bem que o ritmo dos tempos que vivemos são pouco dados, quer à filosofia, quer à verdadeira fruição das imagens em movimento. Mais: ao nível do ensino, a filosofia vive autênticos dias de cerco. Livros como este são, por isso, de acarinhar com todo o empenho.

março 22, 2007

Arcade é fogo

Em altíssima rotação cá em casa andam os dois álbuns dos canadianos Arcade Fire: Funeral e Neon Bible. Graças a dois factores decisivos: as dicas de melómanas esclarecidas e o apadrinhamento da banda por Sua Alteza, David Bowie. Ei-los juntos e ao vivo, por entre guitarradas eléctricas à maneira antiga e o adoçante pop dos violinos.

março 19, 2007

Tom Waits e os jesuítas

Que têm em comum os jesuítas e Tom Waits? Para quem conhece bem este músico, a pergunta soa a absurda. A resposta precisa mesmo de ajuda divina para se safar.

A notícia vem hoje no Público e é uma delícia absoluta de ironia: Waits foi escolhido pelos jesuítas de Roma como um modelo, pois representa «os marginalizados e mal-entendidos». O padre Spadaro explica que Waits, por ter vivido uma juventude «cheia de drogas, álcool e sexo», entendia as camadas mais baixas da sociedade e expressava «capacidade por esperança e instinto em busca de felicidade» em canções «autênticas, desprovidas de vaidade e ilusões falsas.»

É sabido que, na história da igreja, alguns santos, antes de o serem, viveram uma vida de pecado. Talvez este facto ajude a entender esta escolha improvável dos jesuítas romanos.

O Tom, esse, continua igual a si mesmo. Ou seja, muito pouco "católico". E é assim mesmo que gostamos dele e das suas músicas, bêbadas, comovedoras, vagabundas e meigas.

março 13, 2007

Radiohead nas mãos de Mehldau

Exit Music (For a Film) é a música que fecha o filme Romeo + Julieta, realizado por Baz Luhrmann. O tema, escrito pelos Radiohead, seria incluído nesse monumental álbum intitulado OK Computer, de 1997.



Mais tarde, o pianista Brad Mehldau faria uma versão jazzística de Exit Music, provando, uma vez mais, que as fronteiras entre os géneros musicais só existem em certas cabeças duras de ouvido.

Na versão original, como na de Mehldau, o início, suave e melancólico, evolui para um final desesperado. Quem tem medo deste jazz?

março 10, 2007

Björk na arte de Cunningham

Sempre que revejo o vídeo que Chris Cunningham realizou para o tema All is full of love, de Björk, lembro-me do título do livro de Philip K. Dick que serviu de base ao clássico filme de ficção científica Blade Runner: Do Androids Dream of Electric Sheep?

Este vídeo, magnífico, venceu vários prémios e foi nomeado para um Grammy. Ainda hoje pode ser visto no Museum of Modern Art, em Nova Iorque. Videoarte moderna no seu melhor.

março 08, 2007

Arvo Pärt no anonimato

Este comentário foi deixado, por um leitor anónimo do Travessias, na entrada "Arvo Pärt também se dança": «Pergunto-me se será possível dançar "Spiegel im Spiegel" de "Alina"... O som mais aproximado que conheço de poéticos pingos de chuvas.»

Não é justo. Um comentário com esta pinta não devia ser anónimo. Ouçamos então os pingos de chuvas de Pärt. Vale a pena. Obrigado, anónimo. Onde quer que esteja.



março 05, 2007

A felicidade segundo Yungchen Lhamo

Para muitos, Yungchen Lhamo é hoje a voz do Tibete. Em 1989, teve de fugir a pé da sua terra, ocupada pelos chineses, através dos Himalaias. Refugiou-se na Índia, onde conheceu Dalai Lama e começou a defender a causa tibetana.

A voz, no entanto, iria levá-la muito mais longe. Hoje, vive em Nova Iorque e já cantou ao lado de Annie Lennox, Billy Corgan (Smashing Pumpkins) e Sheryl Crow. Peter Gabriel e a sua Real World Records deram um contributo valioso para a divulgação do seu enorme talento.

Michael Coulson produziu e realizou este vídeo para o belíssimo tema Hapiness is..., que abre o álbum Coming Home. Um libelo contra a vida estupidamente apressada e materialista dos nossos ocidentais dias.

março 03, 2007

Dead Can Dance: The Carnival is Over

The Carnival is Over é uma canção incontornável na carreira dos Dead Can Dance. Faz parte de um dos melhores álbuns desta banda, Into the Labyrinth, de 1993. Influenciada por Joy Division, mistura esperança e desespero. O vídeo que Ondrej Rudavsky dirigiu para ela é uma pequena jóia, que enriquece um tema já de si deslumbrante:

Três cores de Kieslowski: Vermelho

março 02, 2007

março 01, 2007