abril 27, 2004

O blogue do despedimento

O Primeiro de Janeiro ficará para a história do jornalismo e da blogosfera nacional pelas piores razões: foi o primeiro jornal a despedir jornalistas por causa do que escreveram num blogue, o Diário de um Jornalista. Este episódio, inédito em Portugal, é revelador de pelo menos dois aspectos significativos.

Primeiro, que os blogues podem constituir, de facto, uma 'arma' enquanto publicações com alguma visibilidade, um espaço autónomo de denúncia que escapa ao controlo, tanto de instituições, como de hierarquias estabelecidas. Desta vez, no entanto, o cano virou-se para os próprios autores: alguém terá «bufado» os nomes, o anonimato das críticas (sempre questionável) feitas por jornalistas da casa ao funcionamento interno do Janeiro esfumou-se, e a história acabou mal, pois a capacidade de 'encaixe' dos chefes lá tem os seus limites.

Segundo, e talvez mais importante, é o que este caso indicia sobre um certo mal-estar instalado nalgumas redacções e que só ganha expressão ocasionalmente, em artigos esporádicos num ou noutro jornal, em conversas informais de bar ou corredor, em almoços de colegas de trabalho, nos bastidores dos poucos congressos jornalísticos levados a cabo no país, ou em espaços de publicação autónomos, passíveis de anonimato, como são os blogues.

De resto, a vivência real das redacções dos diferentes media portugueses continua a ser tema tabu. Um não-tema. Mas se a moda dos diários de jornalistas pega...

abril 24, 2004

De olhares: tintas da China

Em todos os seus filmes, Zhang Yimou brinda-nos com fotografias deslumbrantes e histórias muito bem contadas. Foi assim, por exemplo, em Ju Dou, Milho Vermelho, Esposas e Concubinas, e A Tríade de Xangai.

Mas, no seu Herói, agora disponível para aluguer em DVD, o realizador chinês consegue superar o que já de muito bom havia feito no grande ecrã. As imagens, frame a frame, são de uma beleza estonteante, quadros que se sucedem a cores fortes contrastadas (vermelho vivo, amarelos, azuis, verdes) pintados com arte, subtileza e, simultaneamente, um domínio magistral nas cenas alucinantes de movimento com artes marciais.

Yimou serve-se das mais recentes técnicas ao dispor da Sétima Arte, não para fazer um foguetório gratuito de efeitos, mas para elevar a beleza narrativa fílmica a patamares de rara beleza. Se houver lugar para falar de poesia em imagens de luta, ela encontrar-se-á certamente nesta obra.

Herói terá sido ofuscado, por antecedência, pela estreia de O Tigre e o Dragão. No entanto, não haja confusões: o filme de Yimou joga claramente noutro e, em definitivo, muito mais refinado campeonato.

Segue-se, é claro, o delicioso chavão de fecho dos textos sobre filmes inesquecíveis: imperdível.

abril 22, 2004

O mal da pressa

O livro Cada Vez Mais Rápido, escrito por James Gleick, lê-se bem e depressa. Não por ser fraco, mas por constituir uma leitura muito estimulante.

Não se espere, no entanto, desta obra altas reflexões filosóficas ou grandes abstracções teóricas sobre a problemáticas da velocidade a que vivem as sociedades contemporâneas tecnologicamente mais desenvolvidas.

Gleick opta antes por nos defrontar com a imagem quase caricatural que essas sociedades dão de si mesmas a qualquer observador atento: sempre stressadas, sem tempo para ter tempo, escravas, ou paranóicas, do segundo, comendo mal e depressa, dormindo pouco ou nada, fazendo sexo ao cronómetro, trabalhando até cair para o lado, divertindo-se pouco e mal, procurando sempre fazer várias coisas ao mesmo tempo (a mania das multitarefas), em suma, sociedades vítimas do que o autor chama o mal da pressa.

Gleick vai buscar alguns exemplos a estudos e estatísticas que são, no mínimo, alarmantes. Por exemplo, alunos de um conservatório de música que ficam perturbados quando, numa qualquer peça, há um momento de pausa: ficam quase em pânico, ansiosos, incapazes de lidar com a suspensão do som; o silêncio de alguns segundos parece-lhes insuportável.

Aceleração do ritmo de vida, mas também das psiques: é preciso pensar cada vez mais rápido, reagir cada vez mais depressa, à estimulação que as tecnologias e os meios de comunicação provocam.

Haverá limites para toda esta aceleração? Gleick acha que sim: «Estamos a deparar-nos com um limite de velocidade. Só podemos levar a comunicação em tempo real até um certo ponto - pelo menos até que a humanidade se torne um único organismo com as suas partes combinadas sob a forma de uma consciência à velocidade da luz. O limite é a nossa própria mente. Temos velocidade de cruzeiro finitas.»

Portugal ao fundo

Portugal resolveu, pela mão do ministro extrema-direita Jaguar, comprar dois novos submarinos. Agora que o país está a afundar, faz todo o sentido.

abril 20, 2004

Podres da bola à vista

Quando a esmola é grande, o pobre do cidadão desconfia. Valentim Loureiro detido para interrogatório? Operação «Apito Dourado» da Polícia Judiciária detém árbitros, dirigentes da Federação de Futebol, revista a Câmara do Marco de Canaveses e casa de Avelino Ferreira Torres? Será isto, finalmente, um sonho num país de pesadelo futeboleiro?

Veremos. Este apito da Judiciária peca por ser claramente tardio. Os últimos anos estão cheios, inundados, abarrotados, de insinuações, acusações, suspeitas, indícios, histórias mal contadas, de gente de fora e de dentro do pantanal da bola, a que as polícias não deram ponta de cavaco. Talvez porque as misturas perigosas de futebol, justiça e política o impedissem, quem sabe.

Os «agentes» do sistema lamacento da bola (dirigentes, árbitros, empresários, etc.) têm-se rido a bom rir da parolada nacional que os sustenta. E de um Estado que, ou os adula à mentecapto, ou os teme covardemente. O que inclui, naturalmente, a comunicação social, sempre pronta a empolar e a babar-se perante o «fenómeno desportivo», sedenta de lucro e audiências à custa da cega «paixão da nação».

Veremos se, mais uma vez, a montanha não acaba por parir uns quantos ratos. O passado recente não é muito animador. Há tempos, andou a polícia atrás dos alegados sacos azuis de Pimenta Machado. O homem foi detido com pompa, mas continua por aí, livre como um passarinho para oferecer ao país as suas magníficas alarvidades.

Estaremos cá para ver se, desta vez, como é costume, os «tubarões» se safam para desespero do mexilhão, esse sim, o tramado de sempre.

Esperemos, pois, que este apito não passe, num ápice, de dourado a torrado. O país político-autárquico-futeboleiro está de tal maneira podre que a nação não se pode dar a mais esse luxo.


abril 19, 2004

Futebolização da pátria

Eis uma tirada, de muito boa cepa, de Eduardo Cintra Torres, no Público de hoje, a propósito da orgia futeboleira descontrolada que tomou conta dos media lusitanos:

«Os "media" são em grande parte responsáveis pela total futebolização da pátria. A alienação é hoje infinitamente superior ao que era no tempo do fascismo, mas estou certo que os responsáveis editoriais pela ditadura "informativa" do futebol nos "media" se consideram todos uns antifascistas de boa cepa.»

E o Neuro 2004 ainda nem sequer começou...

abril 16, 2004

De olhares: retratos de Espanha

O Porto, como se sabe, não é nenhum paraíso cultural. Mas, ainda assim, sobrevive. Algumas iniciativas, no entanto, mereciam melhor sorte, ou, pelo menos, maior afluência.

É o caso da uma das exposições patentes no Centro Português de Fotografia, dedicada a 150 anos de fotografia espanhola. Naquelas paredes da antiga Cadeia da Relação estão penduradas pequenas-grandes jóias históricas a preto e branco, retratos do país vizinho em tempos idos.

Algumas das imagens, belíssimas, datam da segunda metade do século XIX. São um verdadeiro espanto, ou, como escrevia Pedro Miguel Frade, figuras do espanto.

O centro de uma cidade, a vendedeira de perús, o pescador, as carregadoras de malas, a menina à janela, as prostitutas, as velhinhas das aldeias desertas, o retrato do pintor absorto, o pai com o filho morto no colo, a sublevação, as detenções, a infanta, a República, a guerra civil, o bandido do Franco, o corpo nu, o copo abstracto.

É um bom pedaço da história de Espanha que ali está retratado. Imperdível.

Bons ventos de Espanha

Aznar não estava há muitos anos à frente dos destinos da Espanha. À beira de, digamos, um Narciso Miranda na Câmara de Matosinhos, podia mesmo ser considerado um amador em termos de parmanência consecutiva no poder. Apesar disso, Aznar tresandava já a mofo. Foi-se, pela porta dos fundos, em muito boa hora.

Zapatero é outra conversa. Ar jovial, sem necessidade postiça de um bigode para se conferir a si próprio alguma autoridade, o novo chefe do governo espanhol já mostrou, em pouco tempo, como as coisas podem ser diferentes, para melhor. Este jovem foi uma lufada de ar fresco que entrou no palco da Europa.

Por exemplo, no que diz respeito ao Iraque: se a ONU não assumir o controlo daquele país até 30 de Junho, as tropas espanholas vêm-se embora. E mais disse: «Quero tirar Espanha da fotografia dos Açores, tirar Espanha de uma guerra ilegal.» Temos homem! Como se vê, não é utopia esperar o mínimo de um chefe de governo: que seja lúcido e inteligente. Nos antípodas de um obcecado Blair, por exemplo.

Outro aspecto positivíssimo tem a ver com o pôr a Igreja no seu devido lugar. Zapatero já teve oportunidade de lembrar, tanto a padres, como a políticos de direita, que, ao contrário do que acontecia no consulado Aznar, agora não vai haver misturas. O Estado é laico. E assim deverá continuar.

Iraque e Igreja. Por estes dois pontos apenas se pode ver, depois da eleição de Zapatero, como Portugal ficou ainda a uma distância maior do seu país vizinho. Distância civilizacional, entenda-se.

abril 15, 2004

Morin: do precário progresso

Este mundo às avessas que o novo milénio começou a (des)construir a partir das democracias ocidentais, promovendo governos obtusos, armando guerras insanas, convoca uma sábia ideia de Morin, escrita no seu livro Amor, Poesia, Sabedoria:

«O abandono da ideia de salvação está ligado à compreensão de que não existem leis da história, que o progresso não está garantido, que não é automático. Não só o progresso deve ser conquistado, mas, cada vez que é, pode regredir e é necessário regenerá-lo sem cessar.»

A parada de horrores que todos os dias atravessa os telejornais está aí para o provar à saciedade.

abril 13, 2004

Zapping e lixo

O zapping televisivo pelos canais do cabo assemelha-se cada vez mais a um exercício de masoquismo exacerbado, tal a brutalidade do lixo que nos atiram para o pequeno ecrã.

abril 10, 2004

Tragédia para a humanidade

Assim vai o mundo «seguro» criado por Bush nas notícias da época pascal: mais de 400 mortos em cinco dias de combates em Falluja, no Iraque. A Rússia apela ao fim de «todas as acções militares» naquele país. Os ingleses, com culpas de sobra neste cartório, falam na «mais séria situação» no Iraque desde o anúncio do fim da guerra, leia-se, da invasão. Três reféns japoneses sob ameaça de morte das Brigadas dos Mujahedin. Outros sete estrangeiros terão sido sequestrados.

Roma em estado de alerta antiterrorista. CIA avisa França de que pode sofrer atentado bombista. Ataque com gás venenoso em Sófia: autoridades investigam possível ligação com a presença de militares búlgaros no Iraque. Medidas antiterrosistas tomadas pelo governo de Marrocos acusadas de limitarem a liberdade de expressão. Suicidas islâmicos de Leganés deixaram um vídeo onde aparecem a fazer ameaças a Espanha.

Lindo, não é? Vai ficar lindamente na folha dos altos serviços prestados ao mundo pela dupla de míopes Bush e Blair. Enquanto isso, o presidente dos EUA aparece em vídeos caseiros fingindo procurar armas de destruição maciça debaixo da sua secretária da Sala Oval. Fartou-se de gozar com a cara de pessoas inteligentes, incluindo as do seu próprio país. Agora, como qualquer bom palhaço que já se divertiu o seu bocado a brincar ao «bang bang» com seres humanos a sério, ridiculariza a própria face. Que tragédia para a humanidade, este homem.

abril 08, 2004

Não há pachorra...

Os jogos de promiscuidade político-jornalística e vice-versa prosseguem a bom ritmo nalguma respeitável imprensa nacional. Trinta anos depois do 25 de Abril, grupos de comunicação, políticos da primeira à última linha e jornalistas nem carne nem peixe continuam a brincar alegremente às casinhas uns com os outros. Veja-se a ponta do icebergue neste lead do Público de ontem:

«A Direcção do "Diário de Notícias" está a proceder a alterações na estrutura de chefia da redacção, tendo nesse âmbito escolhido para um dos cargos de editor executivo adjunto Francisco Almeida Leite, tido como próximo do presidente da Câmara de Lisboa, Pedro Santana Lopes (PSD). (...)

É assim mesmo? Não é? Próximo, quê, chegadinho ou assim-assim? Exagero, alfinetada da concorrência? Desconte-se. O problema aqui vai dar todo à eterna mulher de César... É que, antes disto, o ex-jornalista-assessor-assessor-jornalista de Cavaco e de Martins da Cruz havia cometido o monumental erro de ter aceite o convite para dirigir o DN. Alguém cometeu um erro ainda maior ao escolhê-lo.

De uma assentada, Fernando Lima pôs o seu nome na berlinda e deu uma machadada violenta na credibilidade do título centenário. Para já não falar na dignidade do próprio jornalismo. Quem se importa? A partir daqui, ficou inquinada qualquer possibilidade de haver leituras «sãs» de quaisquer mudanças na hierarquia, como as que agora ocorreram e que passaram também pela mudança no editor de Política, secção sempre muito delicada em todo o lado...

Quando é que estas charadas, estes joguinhos de capoeira, acabam de vez? É com estas e muitas outras (o pobre do zé povo nem sequer lhes chega a snifar o esturro) que a comunicação social espera credibilizar-se?

Estão à espera que o 25 de Abril faça 60 anos de idade?

abril 01, 2004

Coisa tenebrosa...

«Em séculos passados o público arrancava as orelhas aos jornalistas, coisa essa tenebrosa. Neste século são os próprios jornalistas que as arrancam, colando-as às fechaduras.»

Oscar Wilde, A Alma do Homem sob o Socialismo.

Depressa

Tanta gente com tanta pressa... para onde vai toda esta gente com tamanha pressa?