janeiro 29, 2004

Bagdad, 793

«O papel, o sine qua non da imprensa moderna, como vimos, chegou à Europa através dos Árabes. Fabricado em Bagdad em 793, no reino do califa Harun al-Rashid, celebrizado pelas Mil e Uma Noites, chegaria depois, através da Espanha árabe, à Itália, à França e à Alemanha, no século XIV.»

Daniel J. Boorstin, em Os Descobridores.

Futurologia

A continuar assim, Portugal acabará por cair de podre ao mar.

janeiro 28, 2004

A vida por uma trompete

A vida de Miles Davis não dava um filme: foi um filme. O génio, o mau feitio, o quebrar constante de convenções, na vida e no jazz, as relações difíceis com as mulheres e com alguns filhos, a busca permanente do novo, as drogas, os Ferrari, a pintura, as doenças, o horror ao racismo que sofreu na pele no seu próprio país por ser negro. Miles atravessou muitas décadas. Viveu sempre depressa, mas não morreu novo, ao contrário de Jimi Hendrix, de quem um dia ficou admirador.

«The Miles Davis Story» é um DVD a não perder. Ao longo de duas horas, mais do que os passos de um grande músico, é-nos contada, pela mão de amigos e de ex-mulheres, a história pessoal de alguém riquíssimo em contradições, de vida cheia, sempre nos limites. Rompeu com todas as convenções que, em cada tempo, eram dadas como consensuais. Manteve-se, sempre, subversivo, o que lhe permitiu deixar-nos uma obra única dentro do género, ou melhor, dos géneros que ele foi experimentando.

São muitos os músicos que Miles lançou para o estrelato. Alguns deles (Chick Corea, Dave Holland, Herbie Hancock, Marcus Miller, entre muitos outros), aparecem neste documentário, da autoria de Mike Dibb, evocando a fascinante figura de «black bird».

«The Miles Davis Story» é também para quem não gosta de jazz.

janeiro 27, 2004

Protesto de traseiras

A foto do dia de ontem, a ver ainda no Le Monde: um grupo de activas cidadãs da Suazilândia resolveu arrear a cueca e mostrar a bunda para a fotografia, sinal de maldição para o destinatário. As senhoras marcaram desta forma, singularmente divertida, o seu protesto contra a falta de reformas políticas no reino de Mswati III.

O Porto que não vem nos postais

Um par de senhoras, passo apressado, um pouco nervoso, dobra uma esquina chuvosa do Porto. Chove a potes na cidade. Perto da Rua da Constituição, uma delas, com sotaque obviamente não tripeiro, desabafa: «As pessoas do Porto são umas porcas!»

É um belo exercício contemplativo, este, na cidade Invicta: ver as pessoas, dançando em bicos de pés, como quem baila ansiosamente de nenúfar em nenúfar, procurando evitar pisar as intermináveis filas de merda de cão semeadas pelos passeios.

janeiro 25, 2004

A mentira é um arma de destruição maciça

Olha, olha, o mesmíssimo general que se prestou a fazer um número de circo na ONU para gritar ao mundo que o planeta estava prestes a passar a pó por causa da ameaça de Saddam vem agora admitir que «o Iraque poderia não dispor de armas de destruição maciça em vésperas da guerra.» Powell, um moderado, entretanto adulterado pela contaminação da ala radical da administração Bush, não podia ficar pior nesta fotografia.


Como se isso não bastasse, o ex-chefe da equipa norte-americana que procurava provas físicas da existência de armas de destruição em massa no Iraque veio também dizer, inesperadamente, que não acredita que existisse aquele tipo de armas em solo iraquiano.


Há dias, uma toupeira de alto nível «bufou» que a Invasão do Iraque estava prevista muito antes do 11 de Setembro.


Ainda haverá por aí, sobretudo entre os nossos caseiros fazedores de opinião, alguns dos quais directores de jornais e certos colunistas ingénuos, que tenha o desplante de defender a invasão do Iraque a pretexto das armas de destruição maciça? Continuarão a ter a lata de mostrar-se mais bushistas que os próprios Bush & Blair nesta matéria?


No entanto, é de esperar que o circo da mentira, da hipocrisia e da ilegalidade continue. O delirante presidente americano e o seu mais fiel seguidor, o infeliz do Blair, perante as sucessivas evidências de que tudo isto foi uma grande tanga montada para defender interesses geopolíticos e petrolíferos, continuarão a bater na tecla de sempre para enganar os tontos. E o que não falta por aí é tontos com grande vontade de ser enganados.


Chegados a isto, seria interessante ir para o terreno e perguntar aos soldados da «coligação» no Iraque: «Que é que vocês acham que estão aqui a fazer?»

janeiro 24, 2004

Bola na lama

As (poucas) notícias interessantes do mundo da bola, esse delirante planeta de exageros e estrelatos, são quase sempre para nos deixar de boca aberta. «Clubes europeus têm dívidas de 7000 milhões», titula o Público. «Só as dívidas da Lazio e do Inter superam quase todo o futebol profissional alemão». Espanha, Inglaterra, França, Itália, todos tem clubes à rasca. E estamos a falar de países ricos...


Por cá, por entre dívidas ao fisco e à Segurança Social, salários em atraso e ameaças de falência, o panorama futeboleiro não é melhor, como, aliás, tem sido noticiado à saciedade. Mas nisto reside o milagre máximo deste país altamente pelintra: apesar de estarem quase todos enterrados em dívidas, de mal terem dinheiro para mandar cantar um cego, de viverem muito acima das suas posses, os clubes constroem estádios milionários e inflacionam os salários astronómicos dos «heróis» (esta história de chamar heróis à rapaziada...) dos relvados para gáudio de turbas ululantes.


E o Estado, com os governantes à cabeça e os autarcas de paróquia no fim das quatro linhas, continuam a curvar-se, vergonhosa e indecorosamente, perante «o poder» do futebol. Não há meio de se emanciparem, de parecerem governantes dignos desse nome, de aspirarem a ser autarcas a sério.


Cá, como lá fora, anda tudo maluco com «o poder» do futebol, um desporto bonito transformado em poderosíssima indústria de explorar e robotizar atletas e de alienar massas. E, como acontece como todas as maluqueiras levadas a extremos esquizofrénicos, dá nisto. Deve-se milhões? É o preço da paixão. Fora o árbitro! Venham daí mais uns mihões...

janeiro 20, 2004

Dica cinéfila

Para quem tem acesso ao Odisseia: este canal do cabo anda a exibir uma série imperdível de documentários sobre cinema feito por esse mundo fora, longe das estrelas de Hollywood. China, Japão, Índia...


O primeiro foi sobre as condições, terríveis, em que os realizadores trabalham na China. Censura, controlo artístico, garrote financeiro, perseguição, limites ao nível da distribuição e exibição. Um absoluto sufoco. Oportunidade rara para ver falar na televisão gente brilhante que quase nunca aparece, como Chen Kaige.

Maus fígados

O embaixador de Israel na Suécia foi a um museu, sueco, e, pelas próprias mãos, tentou destruir uma obra de arte. Nela, vê-se a foto de uma suicida palestiniana em cima de um barquinho num pequeno tanque cheio de água cor de sangue. O autor da instalação, israelita, explica que a sua intenção é apenas mostrar o que pessoas sós e desesperadas são capazes de fazer.


O embaixador, fazendo a sua própria intepretação da obra em causa, sentindo-se ofendido, uma ofensa ao seu próprio povo, desatou ali a partir aquilo tudo. Cena patética. Para já, a um embaixador, qualquer embaixador, exige-se outro nível de comportamento e de decoro. Depois, qualquer cidadão civilizado e culto sabe conviver com a liberdade artística. Quando não gosta, pode criticar. Mas este embaixador puxou do estilo Sharon e tratou ali do mesmo do assunto.


E depois admiram-se de o anti-semitismo andar por aí nos tops de popularidade na Europa...

janeiro 17, 2004

Fumo e cinzas

Do escritor libanês Khalil Gibran, numa carta de amor à sua amada, também ela escritora, May Ziadah: «A maior parte das pessoas, e aqui também me incluo, gostam de fumo e cinzas, mas receiam o fogo porque embacia os olhos e queima os dedos. A maior parte das pessoas, e novamente aqui me incluo, são levadas a lidar umas com as outras a um nível superficial; ignoram a essência porque ela nunca atinge a sua capacidade de percepção. Não é fácil um homem desvendar o seu coração para que os outros vejam o que lá está escondido. E isto, senhora, é solidão e é tristeza.» Nova Iorque, 9 de Maio de 1922.

janeiro 14, 2004

Lua, a próxima invasão de Bush

De vez em quando, até da parte pensante do Exército dos EUA brotam lampejos de arrojada lucidez. Um relatório do War College, assinado por Jeffrey Record, diz aquilo que quem tem dois dedinhos de testa há muito anda a dizer, mas que esbarra no autismo dos Bush, dos Rumsfeld, dos Blair e dos pobres Aznares e Barrosos desta «coligação» de interresses mal amanhados.


A saber, tal como vem hoje trancrito no Público: «A guerra desencadeada pelos Estados Unidos no Iraque não só foi "desnecessária" como resultou de um erro estratégico ao reunir "regimes como o de Saddam Hussein e a Al-Qaeda como se fossem uma única ameaça não diferenciada".» Fala quem sabe de guerras.


Depois, ainda segundo o relatório, «"a natureza e parâmetros" da guerra global ao terrorismo continuam "frustrantemente difusos"». Boa parte da culpa disso «reside em que a Administração resolveu transformar adversários diversos (estados, terroristas, armas de destruição maciça, etc.) numa mesma "ameaça monolítica". Ao fazê-lo, "subordinou a clareza estratégica à clareza moral que procura na sua política externa e pode ter colocado os Estados Unidos numa via de conflito aberto e gratuito com estados e entidades não estatais que não constituem uma ameaça grave".»


Outra das acertadas do relatório reza asssim: «A consequência - diz o documento - foi uma guerra preventiva desnecessária contra um Iraque que estava contido e que criou uma nova frente no Médio Oriente para o terrorismo islâmico e desviou atenção e recursos da operação de garantir a segurança do solo americano contra mais ataques de uma Al-Qaeda que não pode ser contida». Mais claro, não podia ser.


O problema é que, entretanto, a prioridade de Bush virou-se para outro lado. Bagdade já deu o que tinha a dar. O homem agora sonha é em invadir a lua.

janeiro 12, 2004

Ariel, chá e democracia

Afinal, estávamos todos enganados quanto ao perfil, digamos, bronco e troglodita de Ariel Sharon. O, afinal, afável primeiro-ministro de Israel foi ao parlamento garantir que, a partir de agora, antes de dar porrada nos palestinianos, vai ouvir a opinião dos deputados. Sublime concessão democrática, esta, com inusitados laivos de humildade. Bolas... até já parece um homem de Estado do século XXI.

janeiro 10, 2004

Maria promete

Rezam as crónicas dos concertos que os coliseus do Porto e de Lisboa se renderam a Maria Rita. Era de esperar. O seu álbum de estreia é fantástico. Começa pela belíssima voz de Rita e acaba nos arranjos requintados que embrulham todas as canções. Como se diria no jazz, são melodias cheias de swing.


Seria uma enorme injustiça reduzir o merecido sucesso desta nova cantora ao facto de ser filha de quem é. Ela tem tudo para brilhar por si só, apesar de ter de suportar na sua voz o mito indelével de Elis Regina.

Fuga para Marte

Companheiro de época de João Jardim, Avelino Ferreira Torres ameaça invadir o município de Amarante com a sua prodigiosa veia autárquica. Depois de anos a fio a semear destruição política, legal, urbanística e futeboleira no Marco de Canaveses, o homem promete um futuro risonho de choro para a terra que o viu nascer.


Caso Torres seja eleito presidente da Câmara de Amarante, restará aos amarantinos lúcidos uma única solução: apanhar a próxima sonda para Marte.

Pedra lascada

Berra agora o «dr.» Alberto João Jardim (quem terá sido a incauta alma que lhe deu um canudo para a mão?) que a Madeira e o Continente são «civilizações diferentes», que quer mais autonomia, que não tem mais pachorra para aturar o Estado português, blá, blá, blá, a asneirada ditirâmbica de sempre contra os «cubanos», etc.


Infelizmente, desta vez, o «dr.» Alberto tem integralíssima razão. Ele e o Continente vivem em épocas claramente distantes: na dele, ainda se lasca a pedra.

janeiro 07, 2004

Perigosas tentações

A justiça e o jornalismo. Os exageros, bem como os erros grosseiros, de parte a parte acabam por redundar nestas tentações perigosas assumidas pela deputada Assunção Esteves: os políticos são achincalhados ao mais alto nível num processo do calibre da Casa Pia, mude-se a Lei de Imprensa, repense-se a «liberdade de comunicação».

Para se chegar a este ponto, muitos estragos de monta foram feitos. Na justiça, o «segredo» respectivo transformou-se numa anedota. Há violações e fugas a toda a hora, que parecem orquestradas milimetricamente por «mãos invisíveis». Letal para qualquer Estado de direito. E os advogados continuam a falar pelos cotovelos. No jornalismo, poucos escapam a tentação de serem os primeiros, mesmo que mal, mesmo que muito mal, para já não falar nos casos de jornalismo de esgoto, em que todos os limites de equilíbrio e bom senso são mandados às malvas em nome da sacrossanta concorrência ou de eventuais interesses mais obscuros do que aquela.


Sejamos claros: em casos-limite, boa parte dos media portugueses não se sabe «auto-regular» sob o ponto de vista jornalístico. Talvez quando levarem com uma revista Lei de Imprensa na cabeça acordem de vez.

janeiro 06, 2004

Provedores em cheio

O jornalismo nacional tem-se fartado de dar com morteiros nos pés, em especial nos últimos anos. A escolha de Joaquim Furtado para provedor dos leitores do Público e a de Manuel Pinto para provedor dos do JN constituem, no entanto, renovados sinais de esperança crítica. Vá lá, nem tudo é mau...

janeiro 05, 2004

Os triunfos da guerra

É de crer que Monohla Dargis faça já parte da lista negra do pessoal de Hollywood. Pelo menos, a avaliar pelo texto hoje publicado no Público no qual a escriba do Los Angeles Times desanca forte e feio os «falsos mundos» criados por aquela poderosíssima indústria da Califórnia.


Dargis faz uma irónica ligação entre os sarilhos guerreiros em que os States andam metidos, na vida real, e a produção cinematográfica virada para os filmes de guerra, na ficção do celulóide. E tem passagens deliciosas de corrosão.


Leia-se esta: «Hollywood continua a fugir do mundo real e reconhecível - o lugar onde as pessoas trabalham, pagam impostos, formam famílias e conseguem sobreviver sem fogões Viking e sem BMW - em direcção a mundos falsos. A fuga toma várias formas e atravessa géneros, e esta temporada expressa-se através de violências periódicas e estados de guerra.»


Depois deste parágrafo que se segue, Dargis deixa definitivamente de entrar de borla nas salas de cinema dos grandes estúdios: «Hollywood tem estado sempre no negócio de venda de belas mentiras. Tal não faz de filmes como "Master & Commander" nada mais do que entretenimentos satisfatórios, mas é discutível se cenas bem realizadas, ou belas estrelas, realmente tornam essas mentiras mais do que saborosas. Os filmes têm uma forma estranha de oferecer as suas próprias verdades.»


E termina em grande: «O facto de a complexidade ser difícil de vender no mercado global explica porque é que Hollywood tem fugido da realidade e porque é que filmes como "Mystic River" são cada vez mais raros.»

A rebelião das minorias

O sociólogo Serge Moscovici, em entrevista ao Expresso sobre o tema minorias sociais: «Esta é a grande diferença entre o início e o fim do século XX. Ortega y Gasset falava de rebelião de massas. Nós vivemos a rebelião das minorias.»


Mais à frente, sobre a surpresa que lhe causou a queda do Muro de Berlim: «(...) Apollinaire escreveu uma novela em que o Papa anuncia que Deus não existe e a Igreja vai fechar. Foi isso que aconteceu em 1989, e parece-me que ainda não o compreendemos totalmente.»


A conversa com este romeno, sobrevivente da II Guerra e ex-operário, sabe a pouco. Podia, e devia, ter tido mais espaço no caderno Actual. Mesmo assim, a ler sem demora.

janeiro 04, 2004

Bem longe do paraíso

O jovem californiano Todd Haynes surpreeende, pela positiva, no seu aparentemente tranquilo filme Longe do Paraíso. Um amargo retrato localizado da América dos intragáveis anos cinquenta, carregada de cargas explosivas de racismo, conservadorismo ridículo e famílias bonitinhas da classe média de anúncio de televisão enfeitadas com laços cintilantes de hipocrisia.

Haynes embrulha a narrativa com as cores fortes e os planos previsíveis dos filmes de Hollywood daquela década, mas fica-se por aí. A dissecação dos podres das personagens é depois feita de uma forma quase crua, arrasando com os estereótipos da família ideal. Ideal, só na fachada. Dentro de portas, o marido, homem de negócios de sucesso, descobre-se homossexual; a esposa, mãe de filhos, dona de casa, luta para manter as aparência de que tudo vai bem, ao mesmo tempo que se desintegra emocionalmente para cair, desamparada, nos braços de um negro.

Por entre uma serenidade algo desarmante, tudo vai mal e acaba mal nesta história. Enfim, como quase sempre acontece na vida real. Um filme agridoce a registar.

janeiro 03, 2004

Aqui há gato

Até o cidadão mais distraído deste país, mesmo aquele que começa o dia com a Bola e o termina com o Record, se apercebe facilmente de que, no processo Casa Pia, há muita bota que não bate com a perdigota.


Entre as diversas histórias mal contadas, no entanto, uma começa a distinguir-se pela sua natureza selectiva (dir-se-ia cirúrgica no jargão militar): a da cor partidária dos nomes expostos na praça pública.


Neste particular, parece cumprir-se uma estranha lei das probabilidades: quando se é do PS, a probabilidade de o nome sair chapado num jornal e depois amplificado pelo resto da trupe mediática tem-se revelado substancialmente mais elevada do que quando se é membro dos restante partidos. Quando o partido é o do governo, parece que aquela probabilidade mirra de forma significativa.


Veja-se a velocidade com que os nomes de Jorge Sampaio e António Vitorino foram cuspidos pela comunicação social e tornados em escandaleira nacional logo a abrir 2004. Observe-se, por contraponto, o caso silencioso (silenciado?) de um ex-ministro do actual governo cujo nome, com fotografia, saiu, há já alguns meses, na primeira página do Correio da Manhã como tendo sido referido no processo Casa Pia. Nem uma linha nos outros jornais no dia seguinte. Nem um tugido nas rádios. Nem centelha de repercussão nas televisões, tão lestas se têm mostrado a disparar sobre outros nomes. Estranho, não é? O ministro, entretanto, demitiu-se.


Cabala política? Omerta (lei do silêncio) mediática? Pesos e medidas à medida de quem manda? Meras coincidências? Propensão partidária selectiva para certos desvios sexuais? Jogadas de alto risco com o segredo de justiça? Luta de galos de barra de tribunal? Intoxicação judicial? O cidadão comum, desarmado de escutas telefónicas ou detectives privados, não tem meios para chegar a certezas. Mas, tendo em conta aquilo que é possível ir seguindo a olho nu, há pelo menos uma conclusão simples e legítima que pode tirar: aqui há gato.

Proust e o prazer da leitura

Este nacozinho de prosa é uma delícia. Ora provem, que é colheita Proust:

«A amizade, a amizade que diz respeito aos indivíduos, é sem dúvida uma coisa frívola, e a leitura é uma amizade. Mas pelo menos é uma amizade sincera, e o facto de ela se dirigir a um morto, a uma pessoa ausente, confere-lhe algo de desinteressado, de quase tocante. É além disso uma amizade liberta de tudo quanto constitui a fealdade dos outros. Como não passamos todos, nós os vivos, de mortos que ainda não entraram em funções, todas essas...» E O Prazer da Leitura, o prazer desta leitura, empanca imediatamente aqui.

É inevitável voltar atrás e sublinhar a lápis: «Como não passamos todos, nós os vivos, de mortos que ainda não entraram em funções,...»


janeiro 02, 2004

Portugal 2004

2003 deu um passo em frente e resvalou em 2004 por ali abaixo: o nome do presidente da República de Portugal aparece envolvido no lamaçal do processo Casa Pia. Dia 1 de Janeiro. Sem tardar nada.
O mote está dado. O ano novo promete.